quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Se a moda pega

Quando eu estudei no grupo escolar do Educandário Dom Duarte, em 1977 e 1978, ainda não havia o SENAI no prédio do Aprendizado.
Todo interno que completava 14 anos tinha que fazer o curso fora, levantar cedo, pegar a marmita no pavilhão 23, a cozinha central, comandada pelo irmão Simão, haviam vários locais, o mais comum era o SENAI Ipiranga.
Esse ritual já contava como um rito de independência do interno, logo, ele estaria empregado e, caminhar pela cidade seria mais fácil.
Como as aulas no grupo escolar terminavam às oito e quinze da noite, as meninas mais fogosas e os guris mais afoitos, desciam para o mastro das bandeiras, ali, os internos que faziam o curso e os que já trabalhavam faziam um tempo, antes de subirem aos seus respectivos pavilhões.
Nessa faixa, que compreende, entre a subida de paralelepípedos até a casinha do campão, eles ficavam até bater o sinal do final das aulas.
Algumas meninas que estudavam no grupo, eram namoradas daqueles caras, então, nós, guris, ficávamos a admirá-los, com suas calças boca de sino, camisas de golas longas e sapatos plataforma, a contar suas aventuras diárias e beijar as lindas meninas que, jamais pegaríamos.
Muitos procedimentos e posturas, aprendemos por esse tempo, enquanto morríamos de inveja de nossos amigos mais velhos.
  Curtia-se a Discoteca, não encaramos esse movimento, politicamente falando, essa era uma coisa de burgueses, novela das oito e parápapá.
É do tempo, o privilégio de correr num rio caudaloso e sem volta e, ele passou.
A época do Funk nos pegou quase adultos, adolescentes ainda, porém, com cabeças evoluídas, por esse tempo o aprendizado já havia sido convertido em SENAI e já havíamos feito nossos cursos, o grupo escolar havia sido fechado para reformas e éramos os reis dos bailes.
Jordão, Edson Pirata, Tavares, Bazão e Bazinho eram nossas referências, quando os encontrávamos nas ruas ou nos bailes, fazíamos fila para os cumprimentar.
Agora, tínhamos a convicção de que éramos os caras que os guris admiravam e não fizemos feio.
Numa bela tarde, na frente do pavilhão 22, enquanto uns levantavam os blacks e outros lustravam os sapatos de meia sola, eu, o Viana e o Dooley lembrávamos de tempos passados e nos lembramos de duas das mais emblemáticas figuras da Discoteca, eram o Jordão e Luís Paulo, o funcionário.
Eles tinham umas característica em comum, ambos eram negros, magros e muito altos, suas pernas eram desproporcionais com relação aos corpos, alguns passos que eles davam, passavam a impressão de uma lagartixa se contorcendo.
Era muito engraçado, quando eles dançavam, como éramos crianças à época, não rimos e agora, às gargalhadas, tentávamos reproduzir os passos.
Passado esse instante de memória e de comédia, fomos à matinê da Chic Show em Pinheiros.
Coincidentemente, encontramos o Jordão na pista e rimos, o Viana o chamou, pediu que ele visse como ele dançava anos atrás, juntamo-nos ao amigo e fizemos a coreografia, o Jordão dava gargalhadas...foi então que percebemos que estávamos no centro da pista, seguindo a nossa coreografia, umas trinta pessoas tentavam assimilar o passo. 
Essas trinta pessoas se tornaram centenas, em poucas semanas o passo da lagartixa havia tomado todas as pistas de baile Black da Pauliceia desvairada.

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Borboletas ao vento


Gosto, definitivamente, de borboletas.
Quem acompanha minhas edições de vídeos ou minhas narrações, verá e constatará que, sempre há uma ou bandos delas, para mim é um símbolo de vida, de leveza e beleza.
Dia desses, depois de ser queimado por uma taturana, meu neto fez menção de se vingar do repugnante inseto:
_Se você quiser, eu mato.
_Mata vovô.
_No entanto, eu vou estar matando uma futura borboleta...
E, diante da perplexidade dele, segue uma pequena aula de biologia, ao final das palavras, mesmo ainda com lágrimas escorrendo-lhe na face, ele recomendou que eu a pusesse em lugar seguro.
Meu neto é sempre o melhor ouvinte das minhas narrativas e então fui em diante:
"...No Sampaio Viana não haviam jardins e, era muito escuro tudo, muitas crianças juntas e pouco diálogo.
Fui vítima da catapora e, para que a doença não se alastrasse, fiquei isolado num quarto, quarto que ficava perto do pátio de recreio das outras crianças, ficar isolado era, por si só, um castigo para um guri com três anos de idade e ouvir os gritos de felicidade dos outros, enquanto a febre consumia, era muito pior.
Fazia um vento forte de outono e, da janela estreita, de onde um raio de luz vinha, uma borboleta pequena, dessas mais ordinárias, dessas de cor amarela e preta veio, num voo nervoso fez evoluções e pousou na minha mão.
Até que eu me recuperasse, ela vinha com o sol e ia embora pela noite e, por essa companhia, eu não me senti a solidão.
Na Casa da Infância haviam centenas delas a voar nos jardins que ficavam entre os refeitórios e as salas de aulas, naquelas salas de estudos, acima da portaria, as freiras plantavam flores nas jardineiras da janelas, sempre vinham várias ali, as espinheiras davam flores com néctar, um espetáculo à parte.
Numa tarde de sol, quando eu e o Clóvis, agachados no beiral da piscina de alvenaria, iniciávamos uma dissecação numa taturana, daquelas pretas com espinhos brancos, a madre da Penha calmamente se postou ao nosso lado:
_Os doutores sabem que vão impedir que esse bicho asqueroso se torne uma borboleta, não sabem???