terça-feira, 8 de agosto de 2017

Das histórias tristes


Bem cedo, aprendi que histórias não se separam pela emoção, tristes ou alegres, não importa, são histórias.
Eu não seria verdadeiro, se dissesse que, só vivi de alegrias e, meus amigos eram fidalgos e perfeitos, não daria.
As borboletas e abelhas beliscavam de leve as flores amarelas dos hibiscos que seguia ladeando o campão, no campo de cima, bando de anus gritavam seu canto agoniado e bandos de bico de latas davam rasantes por cima do lago, pequenas frutas caíam dos oitis que circundavam o lago, a força dos ventos faziam os galhos dos bambus se contorcerem, o entrelaçamento deles emitia um som peculiar e tudo era vida.
No ponto de ônibus, do lado oposto da portaria do Educandário Dom Duarte, uma pequena multidão se acotovela, um público formado de meninos internos assistia ao trabalho do gênio.
Indiferente à balburdia que se instalava ao seu lado, o Satírio olha para a tela, instalada num cavalete médio, fecha um dos olhos, compara a imagem do outro lado da calçada e molha o pincel na tinta, fecha o outro olho e, vigorosamente, lança o pincel à tela.
O Satírio não era um gênio do futebol, era muito mais raro que isso então.
Acostumado a fazer desenhos em cadernos com as canetas simples, enquanto voava por outros mundos em sala de aula, chamou a atenção da professora Anésia de educação artística, imediatamente, ela indicou-o ao curso de belas artes e ele voltou assim, genial.
O Satírio era do lar 20, um amigo de conversações e considerações filosóficas, de assuntos espirituais e políticos e até, um piadista de primeira, a mente do amigo fervilhava.
E, correndo o risco de ser indelicado para com os demais amigos, falo com sinceridade, a mente mais brilhante, dentre todos os meus contemporâneos.
Quando andavam, os gênios da bola, feito o Valdevino, o Pelezinho e o Esquerdinha, tinham seguidores, o Satírio tinha os seus, eu nesse meio.
Quando terminou a tela, eram quatro horas da tarde e o retrato da portaria, saiu iluminado pelo sol do meio dia e, se para nós, que olhamos a imagem final, já nos havíamos esquecido do sol, ele estava na tela...imortalizado.
Essa obra prima foi exposta no antigo prédio da Liga das Senhoras Católicas, ainda na rua Jaceguai e, por lá ficou.
A mente do Satírio realmente fervilhava, toda aquela genialidade pulsava de maneira galopante e evolutiva.
Ainda criança, eram assíduos seus ataques de sonambulismos e as depressões, bem como surtos eufóricos e os tais ataques foram evoluindo.
Se ocorressem nos dias de hoje, esses sintomas seriam facilmente diagnosticados, um profissional prescreveria remédios e tratamento e pronto, estaria o amigo curado, vivendo em sociedade.
Mas qual, em 1981, o Satírio teve um violento surto, seguido de uma profunda depressão, uma ambulância foi busca-lo no pavilhão 22 e, nunca mais se teve notícias.
Eu tenho a obrigação de informar, aos que não sabem que, por esse tempo, pessoas que sofriam de distúrbios de qualquer natureza, eram tratados como bichos e amontoados em sanatórios infectos.