A copa de 1978, aquela que
fomos garfados pela Argentina, assistimos na sala do pavilhão 14, aquele ano
fez muito frio, o chão quadriculado de marrom e bege deixou marcas em nossos
traseiros. Os jogos foram disputados à noite, então corríamos da escola para
chegar em tempo de não perder um minuto de jogo, lembro que o Mathiole e o
Dalcides discutiram no recreio e chegaram mesmo a ficar beiço a beiço, numa
atitude de vias de fato, o padre Paulo chegou e separou-os, agarrado pela turma
do deixa disso, o Dalcides gritou em tom ameaçador:
_8
e 15.
Isso, equivalia à uma marcação de briga na hora
da saída, posto que, o fim do horário das aulas se dava nesse exato horário,
nos corredores começou o alarido, conversas e expectativas por conta da tal briga.
O
grande problema é que... era quinta-feira, logo mais o Brasil iria enfrentar a
Áustria.
É lógico que, quando o sinal das 08h15min
bateu, todos correram, para os seus pavilhões e, nem se deram conta da briga
marcada.
O fato é que o Dalcides e o Mathiole nunca brigaram
e ninguém mais tocou nesse assunto.
Ruim mesmo, era ser criança e ter que aguentar, durante o jogo, as sandices do
Seu Odilon.
Na cabeça dele, a culpa toda foi do goleiro
Leão.
Quando o guarda metas da seleção fazia uma
defesa, ele gritava:
_Esse Lião é muito macho.
Quando ele tomava gols, o grito era outro:
_Esse Lião é um méida.
A culpa mesmo eu colocava no Claudio Coutinho,
o técnico, que bateu o pé e não levou o Falcão.
Nos dias seguintes tinha uma narrativa diferenciada do jogo, ela era feita pelo
Lucídio, um neguinho que gostava de contar histórias e interpretar aventuras,
usava uns sapatos de bico fino e calças pula brejo, sua figura lembrava o
personagem do Al Jolson no filme "O cantor de Jazz", com uma diferença, o
ator se pintava e o Lucídio era daquela cor mesmo.
Sempre que o neguinho se apresentava todo
mundo parava, ele fazia vozes diferentes, quatro ou cinco vozes, que
conversavam entre si... um show mesmo, ele jurava que iria trabalhar na
televisão.
O
preferido de todos era o Carlitos do Chaplin, fazia isso com propriedade e por
força do hábito e, devido à um problema físico, andava sempre com elas fechadas
e quase não conseguia dobra-las.
Por conta disso, não podia ser utilizado no eito, não dava conta de carpir por
muito tempo e, como esse era o castigo predileto do Seu Odilon, ele se vingou.
Para
indignação de todos, foi mandado a trabalhar na olaria, onde eu trabalhava,
todos os menores do pavilhão14 me pediram para tomar conta dele, alguns me
ameaçaram, se não o fizesse.
Fui junto a ele no primeiro dia, demos a volta na horta do japonês, já que, o
declive da descida do campo do 14 era muito acentuado para ele, isso aumentava
o meu percurso uns 800 metros, fui pelo caminho preparado para brigar, se
alguém se metesse a besta.
Mas qual, a simpatia do neguinho era fatal, em
alguns minutos, já havia feito o que eu demorei umas semanas e, já o seu
público havia aumento, na hora do descanso ele já mostrava a sua arte.
Na
volta, eu tinha que andar no passo curto dele, passávamos um descampado que
levava ao lago, a mata à esquerda e o canavial do 11 à direita, seguia-se um
pequeno pântano e chegava-se ao lago da horta e uma bifurcação, à direita vinha
o campo do 14, bem em frente à mata.
Corria entre os meninos, a lenda de uma cobra
gigante que andava por aquelas paradas, dificilmente um guri não sentia
arrepios, chegando à essa bifurcação.
Em dias de chuva, devido à lama que se formava
na estrada, o neguinho não conseguia subir o barranco da horta e, eu tinha que
empurrá-lo morro acima.
A cena era muito engraçada, toda aquela lama,
eu com os chinelos nas mãos, escorregando e empurrando o Lucídio ladeira acima,
eu gritando para ele colaborar e, ele se acabando de rir.
Quase sempre, ficavam uns gaiatos do outro
lado do campo, no barranco do mandiocal, eles sempre assistiam a cena e
chamavam os outros meninos para assistir, quando chegávamos no pavilhão,
estávamos cobertos de lama vermelha.
Por essa época, o Roda estava com o habito de caçar cobras, para vender ao
Instituto Butantã, eu fui à umas expedições que ele fazia na mata e, até
inventei um cabo no bambu oco que prendia a cabeça da cobra, mantendo-a longe.
Um
dia, na saída, quando já íamos entrar na curva da horta, ouvimos um barulho na
vegetação, voltamos e avistamos uma cobra enorme que media uns bons 12 metros,
o Lucídio tremia de medo, eu estava fascinado, nunca imaginei ver uma daquele
tamanho, se afastava lentamente na direção do lago.
Resolvi que ia segui-la, para saber onde era
o seu esconderijo, mais tarde eu chamaria o Roda.
O
neguinho ali parado, eu disse:
_.
Fique aqui mesmo, que eu já volto.
E
me apressei à bruta que, já estava longe... muito lenta, se encaminhou e quase
desapareceu nas touceiras, sem fazer barulho continuei na espreita, na parte
sombreada do lago havia uma enorme seringueira, embaixo da arvore, um buraco
onde ela entrou muito devagar, quando metade do corpo dela havia passado,
escutei uma correria atrás de mim, eram os amigos Edson, Téquinha, Spock,
Adilson e Viana, vinham gritando e ao avistar metade da cobra silenciaram,
ficamos os seis olhando.
Ao
final da cena, o Viana me deu uma piaba:
_. Está maluco moleque?
Voltamos para o caminho, imaginei que o Lucídio devia estar em pânico..., mas,
espera aí...disse eu.
_. Como foi, que vocês chegaram tão rápido?
_O
Lucídio chegou correndo, dizendo que você estava em perigo.... Não terminou a
frase, desatou a rir, eu e os outros membros do sexteto caímos no mato de tanto
rir.
O
Lucídio, que não conseguia andar direito, acabara de quebrar a barreira do som.