sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O especialista


Quando fecharam a olaria do Educandário Dom Duarte, fez muita falta, o convívio que se tinha ali, guris de pavilhões distintos, juntos, num local de trabalho, cada momento era único e jamais serão esquecidos.
Na parte financeira, foi um baque também, repentinamente eu me senti pobre, quase à beira da miséria.
Meu pagamento era de 10 cruzeiros por semana, uma nota vermelha com a cara de Dom Pedro primeiro...com essa fortuna, que eu pegava na mão do seu Tinoco toda sexta feira, dava para comprar três pacotes de bolacha, um quilo de açúcar e um filão com mortadela, os primeiros produtos comprados no mercado Paraná e o último na mão do irmão José.
Antes da terra argilosa entrar na máquina, ser moída e compactada para virar uma forma retangular, ela era escavada do solo que ficava ali perto, aquela região baixa de lagos era rica em argila, o seu Paulo operava o trator, empurrava a terra até uma espécie de caixa de concreto que era protegida por uma cobertura de telhas.
Dentro dessa caixa trabalhavam o Osvaldo e o Turquinho, o primeiro tinha cerca de trinta anos, usava chapéu de feltro verde e roupas sociais quadriculadas, quando ria, levava a mão à boca sempre, esse gesto evitava que todos vissem que ele não possuía os quatro dentes frontais superiores, o segundo aparentava mais que cinquenta carnavais, usava chapéu de algodão já desbotado, tinha óculos fundo de garrafa e quando alguém o chamava de "véio", ele retrucava na mesma hora:
_Véio é o seu pai.
A função desses dois era, com a pá, jogar constantemente a terra sobre uma esteira, essa esteira levava tudo acima da boca da máquina, que ficava num plano mais baixo, quando caía nessa máquina, a terra era moída e caía numa outra esteira, já no formato de tijolo, essa máquina era comandada pelo seu Luiz, que usava chapéu de palha, muito branco, quando sorria ficava vermelho, se os dois lá de cima usavam botas, esse usava chinelos e vivia trocando o ferrinho que segurava as tiras, três personagens inesquecíveis que, se não existissem, eu inventaria, só para criar uma história bonita.
Porém, nem tudo é perfeito nessa vida e vem aí o vilão, ou a bruxa...sei lá.
O Marco Aurélio era o encarregado, sua odiosa função era manter os meninos na linha e, tinha autorização para usar de castigo, corporal, se preciso fosse.
E, apesar da maricona do ex interno, era muito bom o convívio entre os meninos e os funcionários.
Livrar a terra de algum detrito mais resistente era a função de algum menino que estivesse na esteira de cima, nesse dia não havia nenhum, alguma coisa grande passou e travou a máquina, o seu Luiz desligou a chave geral e passou a consertar, isso era normal e durava cerca de meia hora, sempre havia um guri que carregava uma bola, então... tome bobinho ou rebatida.
O seu Luiz achou o objeto que travou nos dentes da máquina, era um pedaço de osso, ao vê-lo nas mãos do maquinista, o Marco Aurélio gritou:
_. Isso é osso de gente, eu conheço bem.
Diante da incredulidade dos outros funcionários e o terror dos meninos, ele disse que havia feito um curso de não sei o quê, não sei aonde e, isso o qualificava para afirmar aquilo.
Com o osso na mão, o seu Luiz dizia que era osso de carneiro, lembrou que muitos anos passados, havia um criatório ali mesmo, naquela baixada.
Seguro de si, o encarregado boçal apressou-se em ligar para o irmão Domingo, apavorado com a notícia, o diretor ligou para a polícia e desceu o Domingão com seus dois metros, se apertando no Fusquinha azul, logo em seguida apareceu a polícia, não a polícia comum, aquela viatura preta e vermelha, veio um Jeep da polícia do exército, quatro periquitos com armas automáticas à mão:
_. Cadê o osso humano???
O seu Luiz o entregou ao mais velho deles, antes de segurar o osso, o homem já declarou:
_. Que bosta, isso é osso de carneiro.
Olhou mais detalhadamente, com ares de especialista e agastado gritou:
_. Que bosta, qual foi a besta que disse que isso era humano???
Todo mundo apontou para o Marco Aurélio e, ao invés de pedir desculpas, voltou a afirmar o impropério, o homem chegou bem perto dele, nossos olhos o acompanharam de perto.
_. Você é cientista, meu jovem???
Eu tive a impressão de que ele não tinha vontade de levantar a mão, mas, como todo mundo pedia mentalmente que ele fizesse isso, ele não resistiu e plantou a mão cheia no meio da fuça, depois do barulho e da queda, ele gritou:
_Da próxima vez, a gente volta e arranca um osso seu para a comparação.
Moral da história:
Só quem tem unhas grandes, sobe na parede.