sábado, 8 de abril de 2017

O curso de natação

   Sem saudosismos, é que, eu já havia escrito uma postagem a respeito e, ela sumiu.
Então, vou reescrevê-la e, não tocarei mais no assunto, pelo menos, farei o possível.
A piscina do Educandário Dom Duarte era o lugar que eu mais gostava de frequentar, depois do campão e do teatro ...e, estranhamente, eles estão desenhados numa linha reta se, se continuar a linha, tem o campo do 15 e a igreja.
Sempre gostei da piscina e, entrava n'água mesmo em dia de frio. Mas, gostava tanto que, na adolescência, me orgulhava de ser um dos ajudantes do Luís Paulo, a vantagem era que, enquanto os outros guris usavam a piscina, cada um no horário do seu pavilhão, o ajudante e o Luís Paulo ficavam dentro dela, o dia todo.
Outra coisa que o Formigão também fazia, era ensinar os guris a nadar, com ele aprendi a salvar pessoas em vias de afogamento e, ao longo da minha vida, devo ter salvado umas 13 pessoas, no mínimo.
Aprender nadar levava um tempo, coisa de uns dois meses, para ter certeza mesmo do aprendizado, uns quatro meses, no entanto, nadar eu não aprendi com o Luís Paulo, foi com o Salvador, um valentão...senta que lá vem história.
Na primeira semana de Educa, eu com a idade de dez anos, tive a honra de conhecer o Salvador, esse tinha uns 15 ou 16 anos, cuja a maior diversão era importunar os meninos menores, o problema comigo é que nunca tive o perfil de uma boa vítima e, sempre dei trabalho aos valentões, devolvia tudo na mesma moeda, quase sempre, com troco desproporcional.
Enquanto os meninos de um pavilhão faziam uso da piscina, os outros aguardavam o seu horário, a arquibancada e os arredores ficavam apinhados de internos que esperavam sua vez.
Esperando na arquibancada, estávamos eu, o Viana e o Feliz, o Salvador passou por nós e fez uma piada ofensiva que se referia a nós, claro que tal piada, se fosse feita por um guri da minha idade, geraria um bate-boca e, consequentemente, uma briga seria a consequência.
Mas, um menino de dez anos jamais briga com um de dezesseis, fisicamente não se pode nem imaginar, então eu fiz a única coisa que um guri que não leva desaforos pode fazer, levantei-me desafiador e respondi:
_. É a vaca da sua mãe.
No mesmo instante da minha frase, deu para ver os olhos do valentão, crispavam de ódio, antes que ele precipitasse a corrida, eu e os parceiros já estávamos correndo, do lado de fora do banheiro da piscina uma trilha estreita antecedia o barranco que leva ao teatro, corremos e ganhamos as arvores que circundavam o lago, em desabalada corrida passamos pelo bambuzal e demos a volta completa no lago, com o Salvador em nosso encalço.
Quando chegamos na frente da piscina, a porta já estava aberta e os guris do 14 já entravam, entramos junto.
O problema é que, o valentão também era do 14 e, é claro, entrou também, fila para o banho de mangueira e o pulo na piscina, eu não sabia nadar, pulei para o lado raso e fiquei ali, a minha esperança era que, pela presença do Luís Paulo ali, o Salvador fosse fazer uma trégua.
Por uns cinco minutos me deixei ficar tranquilo e, me esqueci do ocorrido, num susto, me vi erguido no ar, acima da água.
Do lado de fora da piscina, o Salvador andava comigo levantado pelo calção, cruzou ela toda, subiu na prancha do trampolim e me jogou na parte funda.
De olhos abertos senti que havia chegado nos azulejos do fundo, joguei o corpo para cima, respirei e dei umas braçadas descoordenadas, ajeitei o corpo e passei a bater os pés, feito isso, percebi que já havia chegado na parte rasa, podia pôr os pés no chão, dei meia volta.
Quando me jogou na água, o Salvador pulou também, para garantir que eu não me afogasse, nadou ao meu lado, quando percebeu que eu voltava pro fundo em vigorosas braçadas, saiu pela borda e se sentou abismado, cheguei no lado fundo e subi, alguns meninos, junto com o Luís Paulo, aplaudiam a minha façanha, subi no trampolim e não fiz pose, lá estava o Salvador sentado na borda, pulei justo do lado dele, com as pernas cruzadas, pior que o banho, foi a vergonha que ele passou.
Quatro, no máximo cinco segundos, foi o tempo que durou o meu curso de natação e, nunca mais alguém me viu naquela parte rasa da piscina.

O troco


As vezes, as pessoas com quem convivi na infância, discordam do jeito com que eu descrevo as coisas e os fatos...pra eles, havia muito sofrimento naquilo tudo, e eu entendo isso.
Suponho que, se eu tivesse uma família ou uma casa e, fosse impedido de estar lá, o colégio seria um martírio sem fim, mas não é o caso, no meu caso o colégio era a minha casa, os meninos e os adultos eram a minha família, posto isso, eu tive uma infância maravilhosa.
Eventualmente, haviam coisas tristes feito existem em vários lares, as coisas boas foram infinitamente maiores que nem vale a pena lembrar de que era ruim, quando lembro do guri que eu fui, sei que era feliz e sabia disso.
Quando tinha 17 anos, fui voluntário na F.E.B.E.M da Celso Garcia, tinha vontade de ser professor e resolvi fazer esse estágio, me passei por adulto e pensei que tinha conhecimento de causa.Fui ensinar futsal.
  É claro que havia acabado de sair da infância, por esses tempos vivemos uma época de encantamentos românticos...o passo era muito maior que a minha perna.
Me enganei completamente, aqueles não eram menores carentes, eram infratores, desses pivetes que você mantêm distancia, só de encontrar na rua.
Alguns deles eram mais altos e mais fortes que eu, uns tinham barba, coisa que eu só fui ter com 30, eram avessos ao comando e bastava um gesto mais brusco e, se tinha uma rebelião, eu ia tentando e tentando...feito falar pra uma porta.Sem a vivência que só fui adquirir mais tarde, procurava um jeito de me fazer notar, uma deixa qualquer, pra que eu pudesse entrar no mundo deles.
  Se me fosse permitido a entrada...eu poderia tocar seus corações.
  O tempo passava e, eu não conseguia me impor, não andava, se andava era pra trás e já mostrava sinais de cansaço.
Um grupo de meninos rebeldes que jogavam bola com uma habilidade de dar inveja aos profissionais da bola, com comportamento de meter inveja aos profissionais do crime, passei a rezar pro contrato acabar, convenci a mim mesmo que aquele não era o meu ramo.
  Por esse tempo, me veio à cabeça uma velha canção de Belchior, quanto mais eu me perdia, mais ela vinha forte..."Amar e mudar as coisas, amar e mudar as coisas".
  Como eu poderia amar e mudar aquilo tudo??mentalmente eu respondia ao cearense ilustre:
  "A vida realmente é diferente, quer dizer, ao vivo é muito pior".
 Estar ali, me irritava, às vésperas de chegar ali, meu corpo se recusava e, a alma me arrastava...minha alma é de uma teimosia de besta selvagem.
  Dentre esses meninos havia um líder, o mais violento de todos, olhava pra todos com olhar desafiador, media quase 2 metros de altura.
A conduta anti-desportiva fez com que ele fosse impedido de praticar esporte, mesmo com a proibição,, foi à quadra pra ver se revertia a situação.
Eu já havia iniciado a aula e os meninos estavam sentados no chão, diante de mim e, ele chegou-se afoito.
  Não se desculpou, foi logo perguntando:
_O que eu posso fazer, cresci sem família, sem amor...a vida me fez assim, o que é que eu posso fazer???
Os outros guris permaneceram sentados, todos olhavam pra mim, como se a pergunta fosse deles também, com calma fiz sinal para que ele se sentasse também.
  Do nada, o milagre havia caído no meu colo, eu os tinha em meu controle, respirei fundo e virei adulto:
  _Você dá o troco na vida, não é preciso receber pra dar.
A interrogativa permaneceu ainda nos rostos deles, passei a contar da minha infância, sem maquiagem, tudo, só a verdade.
  Do corredor da delegacia, até a saída do Educandário Dom Duarte, foi um longo caminho...pagando a generosidade das pessoas que me deram carinho, até não haver mais dividas.
  A aula, que deveria durar 40 minutos, ultrapassou as 3 horas e sequer encostamos nos materiais esportivos, percebi que eu tinha que contar a minha história, qualquer coisa didática e teórica jamais teria o mesmo efeito que a minha própria vivencia, havia chamado a atenção daqueles meninos.
Ao final da aula, pela primeira vez na vida, alguém me chamou de professor.
  Essa foi a minha primeira turma e, tenho saudades dos títulos que conquistamos juntos.
  Muitos anos mais tarde, estava eu com meus filhos e mais uns vinte meninos do meu time, fazendo churrasco no Parque do Piqueri, alguém grita o meu nome e, eu nem fazia ideia de quem pudesse ser, volto-me, tentando reconhecer.
Um homenzarrão vem em minha direção e me abraça, me apresenta 3 filhos lindos, conta como virou a sorte da vida e apontando pro filho mais velho, diz:
_O nome dele é Nilton...dei o troco na vida.

Quebra da ordem estabelecida.


Se acordava e entrava na fila da pia, seguia-se a fila para descer as escadas e tomar o café, entrava-se na fila para a classe, uma fila para o recreio...se seguia uma rotina de filas, até a hora de dormir.
Para tudo, se seguia em fila, uma ordem estabelecida sempre, muitos dos interno que foram para o Educa, ao se verem em campo aberto e livres das filas, se perderam.
Uns se retraíram, uns se expandiram, uns soltaram a franga e outros enlouqueceram mesmo.
Quando haviam os passeios, a rotina era quebrada e, ainda que em alguns deles se seguissem as filas, dava para se divertir.
Em 1974, quando se inaugurou a primeira linha de Metrô do Brasil, em quase todos os fins de semana, íamos para o centro e passeávamos nos trens de graça.
Os passeios da Casa da Infância, em geral, eram muito divertidos...haviam os programas de televisão ou as idas à Bertioga, quase não dava para as freiras ou as moças segurarem o ímpeto dos meninos, todas terminavam em sermão, por conta de algum guri que acabou se empolgado demais.
Haviam os passeios mais curtos, pelo bairro mesmo...tipo ir ao museu dos bichos, desse eu não gostava muito, bichos empalhados nunca me agradou, quando passeávamos no Instituto padre Chico, era uma festividade e o pessoal de lá, apesar da deficiência, tinham um astral muito bom.
Em algumas sextas-feiras, saíamos com a tia Herotildes e, cada qual com uma nota de 1 cruzeiro, tentava economizá-la ao máximo, isso fazia parte do aprendizado da terceira série.
Agora, o campeão de todos os passeios era mesmo o do Museu do Ipiranga, essas visitas me fizeram fanático por história.
Num desses passeios, vi quebradas todas as regras do rigoroso sistema das freiras.
Era sempre agradável percorrer a distância a pé, conosco estavam as madres Márcia e Brasil, além da moça Sonia.
Depois de constatar que o museu estava sofrendo reformas e não seria aberto ao público naquele dia, tiveram ideia de visitar a tia Cecília, professora da primeira série (minha madrinha), que morava na rua Bom Pastor.
A tia Cecília, que era filha de japoneses, nos recebeu de braços abertos e enquanto ela nos preparava pasteizinhos, ficamos assistindo "japan Pop Show" com o simpático Carvalho, marido dela.
No melhor da festa, as nuvens começaram a se carregar e, nos despedimos da professora, que morava na parte de cima da papelaria Carvalho e, como precisávamos andar acelerados, não carecia de fila.
Na verdade, entre as nuvens negras e o temporal, foram alguns poucos minutos e a gente havia percorrido alguns quarteirões, uns quatro.
Nos abrigamos no toldo de uma fábrica, era chuva de vento e assim mesmo estávamos nos molhando, uns 10 guris, as freiras e a moça.
De frente para a rua, pudemos ver que enquanto a chuva prosseguia, a água voltava e inundava a rua, uns quatro degraus acima do nível da rua, estávamos protegidos.
O tempo passava e nada de diminuir a chuva que caía em cântaros, o vento gelava e trazia mais água.
Na rua, um grupo de meninos que vinham das ruas de cima, só de calções, passaram a pular na piscina que a chuva havia formado, alguns vinham correndo no asfalto e se jogavam, espalhando as águas, chuva aumentava e o grupo crescia, garotos de variadas idades gritavam, um guri de uns quinze anos notou a nossa presença e, mesmo vendo os adultos, passou a nos chamar para a farra, fizemos sinal que não podíamos e ele insistiu em chamar.
A Sonia deu de ombros, a madre Márcia, que tinha olhos dum azul profundos, ficou tentada a autorizar, mesmo assim deixou a decisão para a madre Brasil.
Ah, deixar para a madre Brasil foi como dizer amém, ela disse:
_Tirem as camisas e os Congas e tomem cuidado.

Os meninos e o poeta.


Nas férias escolares de 79/80, o Banco do Brasil promoveu, entre as escolas de São Paulo, um concurso de literatura, conhecimentos gerais sobre autores e obras literárias.
Bom, é certo que ninguém contava que os ganhadores por São Paulo fossem oriundos de escola pública e, muito menos que eles fossem internos de um orfanato no Butantã.
O Satírio do 24 respondia sobre José Lins do Rego, ao Miguel do 13 coube defender a obra de Graciliano Ramos e, esse seu criado representava o Josué Montello, cada estado tinha quatro representantes e, como não havia um quarto membro, eu respondia também pelo grande Jorge Amado.
Como eu, os outros integrantes gostavam de gibis de super-heróis, eram comunistas e fãs do Grêmio Educandário, fundamos o clube dos maus, cujo os únicos membros éramos nós e, o nome era uma alusão à nossa perébice crônica no futebol.
Numa das etapas, minutos antes da disputa, uma menina de origem japonesa, que representava Minas Gerais, me disse que estudava oito horas por dia e queria saber se eu fazia o mesmo.
_. Estudar???Está maluca???Tenho a minha vida para viver.
Naquele momento, eu sabia que todos os internos do Educandário Dom Duarte estavam esperando a sua hora de cair na piscina, os meus amigos do 14 estavam tentando achar o cacho de bananas que eu havia enrustido na véspera.
A certa altura percebemos que, às nossas custas, algumas pessoas estavam lucrando e ganhando prestígios, eu fui o primeiro que falei a respeito e, havia uma questão mais séria ainda...o Grêmio jogava sem a nossa presença.
Resolvemos que acharíamos um jeito para sair desse barco furado, por hora, as medalhas eram bem-vindas, cada etapa valia uma medalha, enquanto eles ganhavam uma, eu ganhava duas.
Na etapa do Rio de Janeiro a dona Djalmira nos vestiu com roupa de gala, calça da Liga, Bamba branco e camisa azul da fanfarra...aqui eu faço uma pausa para lembrar que a camisa da fanfarra lembrava a roupa da tripulação de "Jornada nas estrelas", ficamos bem bonitos mesmo.
Como turismo, essa experiência não foi grande coisa, sequer tivemos tempo de ir à praia ou saborear a piscina do Copacabana Palace, tínhamos uma babá particular, que não nos largou nem por um segundo.
Depois do concurso, onde arrastamos mais quatro medalhas, corremos para o elevador do hotel, iríamos ao quarto que estávamos hospedados, pegaríamos as nossas coisas e embarcaríamos de volta para São Paulo, quando já se fechava a porta, um senhor veio correndo no saguão e pedindo que alguém segurasse para ele entrar, travamos a porta, ele agradeceu e entrou.
Olhamos o poeta com um ar de admiração e ele sorria para nós, pensando que eu não havia reconhecido o grande Carlos Drummond de Andrade, o Miguel me cutucou.
Vendo que usávamos roupas combinando, ele perguntou:
_. Vocês são de alguma escola de Minas???
Balançamos a cabeça em negativa e o Miguel respondeu:
_. Não, somos de um colégio de São Paulo.
_. Sabem quem sou eu??
Respondemos ao mesmo tempo:
_Carlos Drummond de Andrade.
O poeta ficou espantado, o mais velho de nós era o Satírio e, ele tinha 13 anos, explicamos o motivo da nossa presença ali e ele entendeu o motivo das crianças o reconhecerem sem pestanejar.
_ E, vocês sabem algum poema meu???
Rimos e tomamos fôlego, na cabeça dele, agora viria o poema que todas as crianças sabem de cor e salteado, ele se preparou para ouvir "E, agora José" e o que veio de nós o deixou sem fala.
O Satírio declamou os dois primeiros versos, eu continuei mais dois versos e o Miguel arrematou o último.
"Eu preparo uma canção
Em que minha mãe se reconheça
Todas as mães se reconheçam
E que fale como dois olhos

Caminho por uma rua
Que passa em muitos países
Se não se veem, eu vejo
E saúdo velhos amigos

Eu distribuo um segredo
Como quem ama ou sorri
No jeito mais natural
Dois carinhos se procuram

Minha vida, nossas vidas
Formam um só diamante
Aprendi novas palavras
E tornei outras mais belas

Eu preparo uma canção
Que faça acordar os homens
E adormecer as crianças"
Quando terminamos ele estava completamente boquiaberto, pediu para a nossa acompanhante nos liberar e, nosso café da manhã foi em companhia de um imortal.

O contador de histórias


Primeiro devo dizer que, se trata de uma graduação, há que se ser um ouvinte paciente e, se começa de criança, ninguém que não tenha o baú da memória cheio, conseguirá contá-las.
Na Casa da Infância, vi imagens de um conflito que acontecia em Portugal e me interessei, a programação foi abruptamente cortada do ar, estávamos em 1974 e, sob o regime ditatorial.
Claro que corri entre os adultos, querendo as respostas, eles corriam de mim como da cruz corre o tinhoso.
Por fim, tive que recorrer à ajuda do padre Zezinho, aquele mesmo que era cantor e, sempre almoçava por lá.
Ele me contou que se tratava da Revolução dos cravos, de quebra me deu uma verdadeira lição da história das civilizações e, me disse que todo mundo tem uma história a contar, basta que alguém esteja disposto a ouvir, mas não as coaja, tenha paciência de esperar o tempo delas.
Segui esse conselho e, para encher o baú da minha memória, fui o mais paciente dos ouvintes, conversava com quase todos os funcionários do Educandário Dom Duarte e, de fato, todos tinham algo a contar.
Bom, o irmão José foi uma das exceções dessa regra, mas o seu Tinoco contava de quando os paranaenses, vindos pela estrada velha de. Cotias, surpreenderam o destacamento de Pinheiros, isso contou muito para a derrota dos paulistas na revolução de 1930.
O Turquinho contava de torcedores fanáticos que depredaram metade do centro de São Paulo, em 1936, porquê a Itália repatriou os jogadores brasileiros, o padre Paulo contava sobre o tempo que ele era estudante no Ceará, o seu Felipe contava de suas aventuras de jovem, nas boates e casas de meretrício da Boca do lixo.
Certa feita, um sujeito foi fuzilado no Rio Pequeno e ele havia sido interno do Educa, nos noticiários, diziam se tratar de um bandido da mais alta periculosidade, na casinha do campão, todos discutiam o fato, o Batista marceneiro, que era do tempo dele, disse irritado:
_. Essa história não é bem assim.
No mesmo instante em que disse isso, olhou para todos os lados e se calou arrependido.
Durante duas semanas, fui implacável na perseguição do Batista, não houve um lugar que ele pudesse se esconder que eu não o achasse, vencido, ele abriu o verbo.
Com riqueza de detalhes, contou a história do amigo, desde que chegaram juntos no mesmo pavilhão, até o fatídico dia do fuzilamento, na verdade, ele comandava um grupo armado que se chamava "Brigada Libertária do Povo" e lutava contra a ditadura vigente.
Bom, o seu Bernardo não tinha uma dessas para contar, se tratava só de uma história de visagem e folclore da sua terra natal, ele era do tipo detalhista e tinha um jeito de narrar bem pausado, como se estivesse revivendo o momento.
Eu estava em pé, na estrada de paralelepípedos e ele estava agachado, enquanto contava, batia com a ferramenta entre as frestas, para tirar o mato que, teimosamente, cresce ali.
O padre Paulo, que era o campeão de todos os chatos, desceu da administração e veio até nós:
_. Tem cabimento, atrapalhar o serviço do funcionário???
Desaforado que eu era, peguei uma espátula e passei a ajudar o seu Bernardo, o padreco saiu bufando.
No fim daquela e, mais umas três histórias, o sol já se punha, nos despedimos e eu, fiquei mais rico.