segunda-feira, 24 de abril de 2017

Fazendo história.



É verdade que, o que unia a todos os internos sempre foi o futebol, quando o Grêmio Educandário entrava em campo, todos esqueciam suas diferenças territoriais e seus times do coração e, torciam pelo time preto, que uniforme lindo.
Mas num belo dia, acabou-se o time.
  E passamos a nos reunir nos bailes ou, nos jogos de futebol, nos jogos era complicado, posto que, nem todos torcíamos para o mesmo time.
  . Então, numa tarde de muito sol, dispensamos a matinê de Pinheiros e fomos assistir ao clássico no Morumbi, na época, o Santos era a segunda maior torcida de. Sampa e, eles tinham "os meninos da vila"(Juari, João Paulo e sei lá quem mais) e.…o Corinthians, sempre forte.
  Éramos, no total, uns vinte menores, meio a meio, entre corintianos e santistas e, por sermos todos amigos, saímos juntos do Educandário Dom Duarte, na saída, pegamos no pé do seu Felipe(o porteiro), que era São Paulino, entramos no buzão na maior algazarra, feito uma torcida só, primeiro gritavam os maloqueiros, depois as viuvinhas, para não ter que ir até a Paineira e pagar outra condução, pagar é só força de expressão, descemos na Raposo Tavares, no posto Batalha, em frente à Previdência, ali tinha um acesso prum escadão, que, entre as arvores levava direto pra avenida Elizeu de Almeida, íamos bagunçando o caminho todo, jogando pedras no gatos, tocando as campainhas das mansões e arrancando os retrovisores dos carros e, é lógico, entoando cantos de guerra, cada turma do seu time.
  Na avenida Elizeu de Almeida, que ainda não era canalizada, havia um córrego largo, para atravessa-lo, tinha-se que, passar por uma ponte feita de toras de madeira.
  Esse era o ponto que haveria a separação das torcidas, é provável que só nos veríamos no dia seguinte, O Valdevino gritou que os Santistas tinham o direito de sair na frente, o Zé Almir questionou esse direito, eu apoiei o Zé, o Lourival apoiou o Santista...Bafafá formado, então decidimos da forma mais democrática do mundo, o Valdevino pediu par e o Zé Almir pediu ímpar, perdemos, o Corintiano chamou uma melhor de 3, perdemos de novo, os Santistas sairiam primeiro, os corintianos esperariam um tempo, ficamos ali, uns 5 minutos e saímos.
  Ao chegarmos na ponte, vimos a coisa mais surreal de nossas vidas.
  A ponte de toras havia cedido, com muita gente atravessando ao mesmo tempo, ela cedeu, justo na hora que os amigos a atravessaram, em seu leito haviam centenas de torcedores em meio à lama, não tinha branco e preto ou preto e banco, todos eram de uma só cor, marrom.
  . Nesse dia o Timão ganhou de 2x0, dois gols do Palhinha, ficamos um mês zoando a cara dos Santistas.

Sem final feliz.


Quem acompanha as minhas narrativas, vai logo identificar o Valdevino como um bom amigo, em quatro, ou mais postagem ele aparece em primeiro plano, deveras.
Foi um amigo mais velho que eu admirava e acabou virando um amigo do peito.
Também notará o leitor que, em várias aventuras o Lourival dá o ar de sua graça, cito a postagem "Rebola Sebastião, rebola" e outras.
Os dois moravam no pavilhão 12, a história dos dois era parecida com a história de muitos dos meninos que foram abandonados e conduzidos ao Instituto Sampaio Viana, de lá seguiram uma triagem em alguma das várias dependências da FEBEM e posteriormente mandados ao Educandário Dom Duarte, em tempos distintos, feito a história de milhares de crianças.
O Valdevino tinha uns três anos a mais da minha idade e o Lourival, uns meses mais novo que eu.
Ao primeiro, Deus deu o dom da habilidade nos esportes, ao segundo coube à fidelidade e não se apartavam nunca, os dois.
O Lourival era para o Valdevino uma espécie de Sancho Pança, um cavalariço fiel, qualquer um que os via, tinha a certeza que aquela amizade vinha de outras encarnações.
Juntos no Educa, viveram suas vidas e cresceram, como manda a natureza humana, cada qual com seus jeitos e modos.
Em épocas de saída, já adultos, foram pras suas vidas, cada qual pro seu lado.
O Lourival formou-se e constituiu família e bateu-lhe a curiosidade de saber da própria história, de posse de seus documentos procedeu a uma investigação por conta própria.
Descobriu que a mulher que o havia deixado aos cuidados do Sampaio Viana, já havia feito a mesma coisa anos antes, vasculhou tudo e descobriu que o seu melhor amigo do colégio era, na verdade, seu irmão mais velho.
Porém, já se fazia tarde demais, por esses tempos o Valdevino já havia perdido a alma e dependente das drogas, havia virado um andarilho no centro de São Paulo, meses depois partiu dessa vida.