quarta-feira, 29 de março de 2017

O melhor dos amigos


Amigo é coisa de alma, você conhece a pessoa e sabe que vão caminhar e evoluir juntos. No caso do meu amigo Viana, a coisa aconteceu diferente, logo que cheguei no Educa, veio a repulsa e...Pah.
Saímos no braço e, junto com ele, peguei o meu primeiro castigo no corredor, o castigo era pra ser até a meia noite, nós dois em pé e o vigilante Nenê em sua mesinha, lá pras 21 horas, ele ferrou no sono, roncava e bufava e, com intervalos de minutos, peidava.
Assistindo aquela cena bizarra, segurando a boca com as mãos, rimos a valer, depois de um tempo veio a primeira armação da dupla, sem combinar nada, entramos pro segundo quarto e fomos dormir.
Lá pras 5 horas da manhã, como éramos vizinhos de cama, o vigilante nos sacudia, nos perguntou o que é que fazíamos deitados, na maior cara dura, o Viana disse:
_À meia noite em ponto, o senhor nos liberou do castigo.
_Foi mesmo, não se lembra? Disse eu, ainda sonolento.
Fazia frio, além do gorrinho que lhe tapava as orelhas, ele estava embrulhado num cobertor ordinário, tirou o gorro da cabeça, os olhos vermelhos de quem acabara de acordar, contrariado coçou a cabeça, ficou um tempo a nos fitar, creio que tentava buscar a cena na memória, depois duns breves segundos, sorriu e nos pediu desculpas.
Já os meninos estavam todos acordados, de desaforo, o Odilon deu-nos a obrigação de limpar o banheirão, essa seria a nossa escala a partir daquele dia, fomos sem nos olhar, começamos a limpeza em silêncio, a cara do vigilante a nos perseguir na memória, a cabo de alguns minutos não aguentamos mais e desatamos em gargalhadas, o Sergio passou no corredor e nos viu caídos no chão, abraçados e rindo, deu de ombros e disse:
_Ontem estavam se matando... só tem doido nesse lugar.
E rimos mais ainda, começava ali, a história da dupla dinâmica do 14.
Não nos largamos mais, às vezes em trio, quarteto ou em bando, mas sempre a corda e a caçamba.
Nessa época, eu já era viciado em leitura, alguns adultos, feito o seu Tinoco, o seu Felipe da portaria e o Ditinho, compravam livros em sebos e me davam, meu armário não tinha espaço pra roupas, era abarrotado de livros.
Para conseguir lê-los, tinha que fugir do amigo, procurar um lugar calmo e desfrutar da leitura, eu ficava no bosque, deitado à sombra da Araucária, enquanto os amigos batiam as proximidades à minha procura.
Ganhei o "São Bernardo" do Graciliano Ramos do seu Tinoco e usando as palavras dele, me acabei na leitura, puro deleite.
Li esse livro em dois dias e, como fiquei sumido nesse meio tempo, pra me desculpar, contei a história todinha pro amigo, tudo mesmo, todos os detalhes dos personagens e a implicação política desta maravilhosa obra do autor alagoano.
Éramos muito diferentes, como dois lados de uma moeda, intelecto e habilidade em corpos diferentes, ele admirava a minha capacidade de assimilação e eu admirava a sua capacidade prática, em tudo o que eu não tinha habilidade motora, ele era craque.
Passaram-se alguns anos, nós já no 22, comecei a participar de reuniões estudantis, o amigo me seguiu, disse que estava preocupado com os rumos do país, toda aquela conversa pra boi dormir e tal e coisa, depois soltou uma sonora gargalhada e disse;
_Cara, tô louco pra dar um sal nas estudantes.
Anos atrás, fiz uma palestra pra jovens estudantes e me perguntaram qual era a motivação do jovem da periferia na luta contra a ditadura, respondi na bucha:
_As calças apertadas das estudantes. A plateia veio abaixo, os risos duraram uns cinco minutos.
Voltando a história, esperávamos nas escadas do Santa Amália e pra impressionar uma loirinha, o Viana começou a debater com um estudante, o tema era Graciliano Ramos, o outro falava e o Viana rebatia, parei e fiquei admirando a contenda, orgulhoso do amigo, discorreu sobre tudo com maestria e tudo com palavras simples, acaba que ganhou a disputa, como consequência, levou a loirinha pra um rolê.
Voltou da Fradique Coutinho cheio de marra, dentro do ônibus da Castro, eu disse:
_Caramba neguinho, nunca imaginei que você fosse acabar lendo o livro, fiquei orgulhoso de você.
No fim de uma gargalhada, ele me saiu com essa:
_Ler? Eu não li nada, tudo o que eu falei foi o que você havia me dito.

O encantador de cães


O Adalberto era um amigo que eu conhecia da Casa de Infância, conhecia ele desde os cinco anos, nos domingos de visita, a mãe dele e do Gilberto, levava sempre lanches a mais, pra mim e pro meu irmão, esse habito continuou no E.D.D, portanto, eu nunca reclamei da falta de visita.
Quando chegamos ao lar 14, pra conseguir respeito, briguei com um dos internos, mas a vida é irônica e, esse desafeto, acabou sendo o meu melhor amigo. No começo, chamavam-no de Maninho pequeno, já que havia o Floriano, que era o maninho grande.Um dia, sem mais nem menos, ele determinou que, daquele momento em diante, seria chamado pelo seu sobrenome e ponto final...ninguém, nem grande e nem pequeno questionou, todo mundo passou a chamá-lo de Viana.
O Adalberto tinha um problema nas pernas, que o impedia de se locomover com facilidade, ele tinha um atestado, o que fazia dele, um, dos únicos dois, dos 45, que não jogavam futebol no 14, o outro era o Sebastião (esse, não era por motivo físico e sim por opção sexual).
Eu e o Viana, às vezes com mais amigos, às vezes com menos amigos, mas sempre nós dois, vivíamos as mais loucas aventuras que dois guris podem viver. Sempre que roubávamos as frutas no Bráulio Silva( o pomar) repartíamos com o Adalberto, que quase não saía das imediações do pavilhão, um dia, só de brincadeira, o Viana sugeriu que devíamos levar o Adalberto conosco um dia, ele imaginou que o outro fosse recusar, por saber da sua condição, no momento que a ideia surgiu, os olhos do Adalberto se ascenderam e, por mais argumentos que jogamos, pra impossibilitar a aventura, nada demoveu a vontade do nosso amigo, se o Viana, que era um guri duro na queda aceitou, imagine eu...o problema é, que se alguma coisa acontecesse com o Adalberto, nossa alma iria arder no inferno.Depois que o Adalberto saiu, combinamos que ele só iria até a cerca e esperaria a gente recolher as frutas e, isso já seria uma aventura e tanto.No dia seguinte, mais ou menos, às 9:00 horas da manhã, estávamos eu, meu velho amigo e meu novo amigo, indo roubar frutas, descemos o caminho da olaria, rumo ao lago, que beirava a mata, que ficava atrás do pomar(toda essa extensão de terra hoje é o CDHU Educandário), enquanto avançávamos, o cansaço do amigo era evidente, o brilho nos olhos aumentava e o Viana ria.
Chegamos à cerca de arame farpado, que limitava o terreno do pomar, subi numa arvore, tinha que saber se a barra estava limpa (isso se chamava "manjar cana") lá, de cima ouvi latidos de cachorros, normal... o vigia possuía dois pastores alemães, que serviam para manter longe os invasores, o lado das mexiricas estava limpo, desci e o Viana já havia entrado, segurava o arame pra eu entrar, fiz sinal pro Adalberto ficar ali mesmo, tirei a camisa de gola rolê, dei nós nos braços e no pescoço, o Viana fez o mesmo, o Adalberto jogou a dele pra mim, coração acelerado...avançamos.Começamos a colher as frutas, enchemos as três camisas, joguei a minha nas costas, o Viana jogou a dele e pegamos a terceira, cada um de um lado e fomos pro lado da cerca, onde o Adalberto estava, quando faltavam uns vinte metros ouvimos os latidos dos cachorros, eles corriam em nossa direção, largamos a camisa do meio, e corremos, cada um com uma.
Não me lembro, como foi que passamos pela cerca, carregando o peso, só sei que corremos muito, na parte de descida, tropecei num galho de arvore e cai, o Viana parou e riu de mim, de repente os risos dele viraram pânico.
_Cadê o Adalberto?
Gelei, só de pensar, foi então que percebemos que os cachorros não latiam mais... silencio total, dava pra ouvir os grilos da mata, apanhei um pedaço de pau e corremos de volta, perto do ponto da cerca, ouvimos a voz do Adalberto, parecia que cantava, apressamos o passo, demos com a cena inacreditável.
O Adalberto estava sentado, os dois cães, deitados, cada um de um lado, enquanto cantava pra eles, os acariciava, ao perceber que nos aproximávamos, os dois rosnaram, o Adalberto fez shhhhhh e eles se acalmaram, ele fez sinal para que voltássemos e pegássemos a camisa que deixamos cair, obedecemos, quando voltamos ele fez sinal para que fossemos na frente e esperássemos por ele.
Coisa de uns 10 minutos ele nos encontrou, não falamos nada no caminho de volta, já era quase noite, na manhã seguinte, o Viana contou pra todo mundo, avisou pra todo mundo que não mexessem com o amigo, pois ele era feiticeiro. No domingo de visitas a família do Adalberto cresceu, a mãe dele teve que trazer a parte que cabia ao Viana também.

Pouco tempo depois ele foi desinternado, sentimos falta do amigo, fomos roubar frutas uma centena de vezes mais, em todas elas, tivemos que correr dos cachorros.

Edna, a Tempestade.


Uma bela amizade não tem que ser, obrigatoriamente, uma leve brisa.
Vou além, amizades tempestuosas são mais sinceras e, sem a obrigação da amabilidade diária, a amizade vai florescer firme, brigas constantes acabam por dar um caráter de oficialidade ao relacionamento pois, brigar é um privilégio que só damos aos melhores amigos.
Quando nos afastamos de uma amiga com que brigamos constantemente, fica um vazio tão grande que, parece que uma parte de você se foi também.
Conheci a Edna quando eu já era adulto e ela era ainda uma criança, filha de um amigo que morava na minha rua, a rua Osvaldão.
Por ter esse temperamento voluntarioso e uma empáfia natural, não era uma criança que eu admirasse.
Dessas crianças que gostam de impor sua vontade aos gritos e brigam por nada, o tempo todo.
É claro que, eu também sofro do mesmo mal e, isso me faz ser arredio com pessoas assim, ela me fazia lembrar de mim mesmo, nos meus piores momentos.
Quando eu já tinha dois filhos, ela engravidou sendo ainda adolescente e, foi morar com um dos meus melhores amigos, não fosse isso, talvez nem tivéssemos sido amigos.
Um casal na casa dos trinta e outro quase nos vinte, a minha esposa e o marido dela davam-se muito bem, para nós, qualquer coisa era motivo para uma discursão e, brigando nos entendíamos.
A filha mais velha dela e o meu caçula, nasceram no mesmo mês, com diferença de uma semana, comemoraram 1 ano na mesma festa.
Mesmo desse jeito, crescia entre nós uma consideração de fazer inveja a muita amizade de ocasião.
Um dia ela inventou de aprender a fazer salgados, fritou o rissole, espetou-o num garfo, saiu à rua e foi à minha casa, tive a honra de ser a primeira pessoa no mundo a experimentar o salgadinho da Edna.
Disse para eu saborear com os olhos fechados e, como uma mãe que alimenta um filho, encaminhou o garfo ao endereço.
Quando mordi, percebi que havia passado no sal, abri os olhos e a vi, parecia uma criança que anseia pela nota.
Mastiguei aquele quilo de sal, engoli e disse:
_. Esse é o melhor de todos os rissoles que eu tive a honra de experimentar.
Sobre a sinceridade...ela é uma arma que só se usa contra os inimigos, para preservar uma grande amizade temos que mentir e consumir muito sal.
Essa moça é uma das melhores quituteiras do planeta.

O gêmeo do mal



Em dias de verão, pelas tardinhas, o sol pintava com um amarelo vivo, o céu, por cima da mata da olaria
Assim, os nossos dias eram coloridos e, não importava a condição de órfão, eu nunca estive sozinho na vida, tinha os amigos e alguns eram como irmãos, tinha meus autores e minhas canções, por vezes se misturavam o Guimarães Rosa e o Bituca e o meu viver a infância ia mesmo tomando jeito de literatura, literatura cantada.
Ainda guardava, da infância, o Belchior e o Casimiro de Abreu, esses nunca saíram da parede da memória, ao passo que eu crescia, outros gênios se juntaram à galeria, nomes novos para compor a sinfonia da minha vida, feito Beto Guedes e Érico Veríssimo.
No entanto, minha cultura não me fazia retraído ou tímido...jogava futebol, rodava pião, roubava frutas no pomar, pulava sela e enrustia bananas...feito todo índio do Educa.
Quando chegou a adolescência, um mundo novo sê-nos mostrou e, nos arrastou em seu redemoinho.
Esse mundo novo, se mostrava muito mais drástico e complexo, exigia respostas rápidas e atitudes firmes, num sentido mais amplo, a mesma cena que trazia o doce colo de uma mulher, podia ser precedida pela trajetória de um tiro em sua direção.
E nessa nova cena, o prazer do sexo vinha acompanhado do perigo eminente e, eles são parceiros antigos.
Primeiro, para acabar de vez com essa coisa de achar que um raio nunca cai duas vezes na mesma arvore, vou contar da Casa da Infância, por lá eu já havia me deparado com um sósia, o seu nome era Delevado... pessoas com o mesmo corpo, rosto. Tudo idêntico a você, são até comuns de acontecer, no entanto, a probabilidade dessas pessoas se encontrarem é muito remota, de estarem no mesmo país, na mesma cidade, no mesmo bairro...na mesma casa então...
Ainda que o Delevado fosse uns dois anos mais velho, nos divertíamos com isso, por vezes, ele ficava de castigo por mim e vice-versa, todos achavam que se tratava de gêmeos, o raio havia atingido a minha arvore uma primeira vez.
Quando passamos a curtir os bailes, eu já havia completado os quatorze verões e tinha uma dívida com o sexo oposto, por esse tempo eu devorava tudo o que se seguia em minha reta, não precisava ser bonita, se tivesse um corpo mais ou menos...o jacaré virava bolsa, paguei com juros e correções monetárias.
A Beth já havia comemorado seus vinte e quatro anos, quando me viu num baile na Santa Bárbara, entre os "Neguinhos do Educa', disse que foi tomada de um inexplicável amor à primeira vista, me soou meio brega isso, mas relevei, uma pessoa com mais dez anos da minha idade, era bem provável que soubesse muito da matéria que me interessava nessa época, o sexo.
Ficamos e saímos pelas madrugadas e com o tempo fui descobrindo fatos de sua vida, que já era mãe e já havia tido uma união estável, a separação se deu por conta de seu cônjuge ter se tornado traficante, aliás, no começo dos anos 80, essas pessoas eram chamadas de contrabandistas.
Ah, o dito cujo fazia parte da gangue do Pivete, aquela turma que apavorava toda a vizinhança por esse tempo.
Num baile na favela do Uirapuru, me foi apresentado o ex da moça, assim que lhe apertei a mão, tomei um susto, ele também se assustou e juntos, demos um passo para trás...O raio havia caído de novo.
Foi como se eu me visse no espelho, os meus amigos e os amigos dele esfregaram os olhos e a Beth ria.
Um silêncio se fez, ficamos a nos olhar, pasmos e aturdidos...absolutamente tudo igual, até a altura.
_Prazer, Adir.
_Prazer, Niltão.
_Que doideira.
_Cara, você é bonito.
Se eu não dissesse uma besteira dessas, acabaria perdendo a minha identidade, as mais de 50 pessoas que estavam a ver a cena, contorceram-se de rir.
Então, como nem tudo na vida são flores, passei a ficar com medo de passear pelo João XXIII, numa dessas vai que...
Porém o medo não era tanto que pudesse me esquecer da satisfação dos carinhos da Beth e, é claro, continuei saindo com ela. Conheci o pai dela, um trabalhador que saía de madrugada para trabalhar no Metrô, foi difícil colocar na cabeça dele que eu não era o Adir, aquele sujeito, que na cabeça dele, havia levado a sua filha para o mau caminho.
Era de praxe, terminada a noitada, levávamos as moças para casa delas, somente quando a última era entregue, seguíamos para o pavilhão, todo o bando junto.
De frente do Attiê, existia um bar, ao lado desse, uma rua principiava uma queda e se descia para uma várzea, essa rua seguia até um escadão murado, que dava na rua Santa Bárbara, a Beth morava ali e era a última mina a ser entregue, o bando todo ficaria ao pé do escadão e eu levaria a moça em casa, uns beijinhos, umas afofadas e ia embora, tranquilo e calmo.
Depois dos beijos e carinhos, desci o escadão, os amigos estavam em frente ao posto de madeira, ouvi gritos nas minhas costas e me virei.
Era o pai da moça, eram umas 6 horas e o sol ainda não havia se apresentado, por conta disso, demorei a perceber o que ele trazia na mão direita, os amigos sumiram numa corrida e adivinhando o que ele carregava, apressei o passo.
Ele estava caindo de bêbado e gritava palavras desconexas, só se entendia que ele falava o nome do Adir.
Eu já corria, quando enfim entendi o que ele falava:
_Adir, seu filho da puta...vou beber o teu sangue.
Naquele corredor fechado o barulho do tiro foi ensurdecedor, quando dobrei a esquina, o tiro estraçalhou no poste de madeira, menos de um dedo do meu nariz, ganhei a rua e encontrei os amigos no Atite, mais dois tiros foram deflagrados e ele ainda gritava.
Na volta para o Educa, jurei que nunca mais ia para nenhum baile, aquilo era muito perigoso...no sábado seguinte, o Paulo fazia o melhor de todos os bailes da região, na hora da lenta beijei a boca da menina que eu nem conhecia e agradeci a Deus pela linda juventude.

Em memória do amigo Betão.


Era o ano de 80, inverno rigoroso, tanto que, me demorei para decidir se ia ficar no pavilhão ou ia sair com os amigos, pegar um som, posto que, era sábado.Quando decidi, fui atrasado, o ponto de encontro era sempre o mesmo, sempre íamos para a rua Osvaldo Libarino, ali, na ponta da favela, juntávamos a turma e andávamos à cata dos bailes, lá moravam o Biá, o Cesar e o Galego. Quando cheguei, pude ver que, ao lado da pick-up Ford do Macalé, que já não andava há muito tempo, havia uma fogueira e 3 meninos se aqueciam nela, eram os dois Djalmas e o Betão.Os dois Djalmas eram internos do Educandário Dom Duarte feito eu, o Betão morava com sua família, gostava de uma boa piada e quando começava a rir, dava trabalho pra parar.Era daqueles sujeitos da paz, de boas amizades e muitas piadas, pra falar a verdade, já começava a graça na família... sendo filho de Santista e tendo 2 irmãos Corintianos, a peça torcia pro Palmeiras, ou seja: piada, logo de testa.Quando me juntei a eles, era o que ele fazia mesmo, os outros 2 riam compulsivamente, perguntei onde estava a turma, ele disse que alguns tinham ido pra Flamengo, mas lá estava devagar, resolveram conferir o baile da Santa Barbara, perto do final do João XXIII, era assim que funcionava... o pessoal saia no rolê pelo bairro, cada grupo prum lado, depois todos se juntavam no melhor som, a gente podia ficar tranquilo, que dali à poucos, alguém viria dizer qual o melhor rumo.Enquanto ouvia as piadas do Betão, aquecia as mãos no calor da fogueira e dava uns goles no copo de vinho seco, que passava de mão em mão (à isso se dava o nome de "fazer a carioca").
Enquanto ele falava, ajeitava o cabelo, para arredondar o Black, os olhos verdes brilhavam no reflexo das chamas, chamá-lo de Betão já era uma piada, ele era menor que o irmão mais novo... o Rogério, a mãe tinha lhe dado o nome do rei Roberto Carlos e, é claro que isso era, sempre motivo de risos.
Em toda a turma, ele era o único que não tinha diferença com ninguém, quando havia uma discussão entre os amigos, lá estava o Betão pra separar os desafetos.
Ficamos nessa madorna um bom tempo, repentinamente, ouvimos uma correria, alguns meninos desciam a João de Lorenzo em desespero, foram ao nosso encontro, o Reginaldo ainda arfando perguntou da turma, disse que no meio do baile na Flamengo, o tal do Caveira havia prendido os nossos amigos, queria uma fita que ele não soube explicar.
Caveira era um sujeito de maus bofes, que se denominava dono do Jardim São Jorge, o Pelezinho (12) e o Coquinho (24) estavam sob o seu controle, disse o Reginaldo (que era primo do Betão), se a turma não corresse, eles iam sofrer.
Os Djalmas eram pivetes, eram corajosos, mas, pivetes... eu e o Betão nos entreolhamos e foi o Betão quem falou:
_ É... Niltão, não vai dar pra escapar dessa não.
Eu não falei nada, meus amigos estavam em perigo e, ainda que, fossemos o time reserva e a probabilidade de a gente tomar uma surra fosse grande... amigo é amigo.
Enquanto percorríamos o caminho até lá senti a adrenalina explodir, pensava na briga, eu tinha 14 anos e boa estatura, os outros quatro eram baixinhos, tudo bem, eu teria que brigar por mim e pelos outros, e pensar que uma dessas eu estaria dormindo.
Deu pra saber onde era o lugar certo pela música, tocava Bar Kays, ao nos ver, o DJ puxou a agulha do toca discos e ficou de costas, na defesa do aparelho de som.
Ganhei a sala, os meus amigos atrás de mim, o Caveira saiu da cozinha, ela media uns 4 dedos a mais que a minha altura, usava óculos escuros, caminhou ao meu encontro, ergui os braços e as mão, em gesto de Angola, ele fez o mesmo, ficamos numa distância de menos de um palmo, um do outro.
Quando eu ia começar o diálogo, o Caveira deu um pulo pra traz, os outros membros da quadrilha fizeram o mesmo, olhei pra traz e pude entender.
Já do meu lado, o Betão gritava, com a mão direita enfiada nas calças:
_Cadê os meus amigos???
Nunca havia visto o meu amigo daquele jeito, parecia um psicopata, dois dos amigos do Caveira pularam a janela e sumiram na noite, enquanto ele gritava, pigarreava e piscava, até eu fiquei com medo.
O Pelezinho e o Coquinho saíram de um dos quartos e se postaram na nossa frente, o Betão fez sinal com a cabeça, pra gente sair, ficou ali, olhos fixos nos caras, quando percebeu que já estávamos todos do lado de fora, saiu, ainda de frente pra eles.
Ganhamos a rua em silencio, ninguém saiu da casa, caminhamos 2 ou 3 quarteirões e o Betão rompeu o silêncio:
_Niltão, tá na hora de a gente correr.
_Correr pra que? Você não está com o berro na mão???
_. Quando foi que eu disse isso???
Aí bateu o pânico, iniciamos a corrida, deu para escutar alguns tiros, mas já estávamos no nosso território.
Enquanto corríamos, escutávamos o Betão gargalhar.