Nesse assunto, eu
queria ter mais a dizer, pois sendo afro descendente, quase não conheci tal
movimento, pelo menos, ninguém me disse na cara.
Talvez a postura que
eu tenha adotado desde a infância, de me manter sempre altivo e olhar as
pessoas nos olhos, tenha me despido da roupa de vítima, pois quem não tem
sentimento de inferioridade, jamais será discriminado.
Tirando a passagem,
que já contei da Consolação, quase nunca senti o preconceito contra a minha
pessoa, porém, houve um caso em que senti o contrário disso.
Estando eu com meus
amigos do Movimento Negro, resolvi contar-lhes que era filho de branco, esses
me olharam com pesar, como se eu não merecesse estar no meio deles, por uns
instantes, tive o desconforto de quem é discriminado.
Por sorte, lancei
mão do resto da biografia do meu pai:
_. Sim, branco,
sambista e morador do Bexiga.
E, para a minha
alegria, houve um alívio geral, todo mundo voltou a sorrir, afinal, branco
sambista, não é lá muito branco.
Essa atitude, tomada
por meus amigos, precipitou a minha saída do movimento, ficou-me claro que, o
preto é tão racista quanto o branco e se, sempre considerei o racismo como a
mais baixa das burrices humanas, não podia eu, andar acompanhado de tais cavalgaduras.
Ah, houve outra vez
e, essa foi no ginásio, serve como parâmetro de ilustração da minha postura
diante do fato e, um final surpreendente.
Fui mesmo, o único
negro numa escola e ainda, o único interno de um colégio.
Não como aquele
garoto da série, os outros alunos não eram hostis, muito pelo contrário, o fato
de eu ser negro e interno, me fazia o garoto mais popular da escola.
Um dia, jogando na
quadra, em hora de intervalo, dei um drible seco que entortou a coluna do
Marcos, um guri loirinho que gostava de ser o tal, quando ele caiu na quadra,
os outros guris que jogavam, junto com os que assistiam, começaram a rir e
cantar, essa é a coisa mais natural entre meninos de ginásio.
O Marcos se sentiu
humilhado, não podendo revidar à altura, lançou mão do recurso torpe de
ofender:
_O que é isso aí,
Negão???
A linha de fundo da
quadra terminava a dois palmos de uma parede de um metro de altura, atrás dessa
parede, principiava um barranco de uns três metros.
E foi em fração de
segundos que, passei-lhe a rasteira, recolhi-o, como quem recolhe um saco de
batatas e já estava com ele pendurado, pelos pés, na amurada.
Nunca achei que o
pobre do Marcos fosse membro da Ku Klux Klan ou simpatizante do partido
nazista, mas ele havia transposto uma invisível barreira e tinha que se
desculpar.
_E agora, seu
branquelo de bosta, pede desculpa ou vai comer terra...
A cena foi mesmo
espetacular, quase todos os alunos da escola estavam a olhar, havia uns
professores e funcionários também e, de protagonista, eu estava bem na cena.
É, mas se, o leitor pode acreditar que um guri de 13 anos é capaz de segurar um outro, com a
mesma idade e com o mesmo peso, pela canela, por mais de dez segundos...está
redondamente enganado.
O Marcos caiu mesmo,
já se levantou com um enorme galo na testa, levaram-no à enfermaria e ele saiu
com um enorme faixa na cabeça e, enquanto todo mundo me dava tapinhas no ombro,
como saudação pela atitude, eu permaneci em silêncio, sabia que havia
exagerado.
Encontrei com ele na
saída e, podendo pedir desculpas, não o fiz.
No dia seguinte, eu
e o Djalma chegamos juntos no portão da escola e havia um grupo grande de
alunos à minha espera, uma menina que era vizinha do Marcos me deu a notícia:
_A avó dele vem para
tirar satisfação, a mulher é muito braba.
Todo mundo que vinha
chegando, ao saber da notícia, ficava do lado de fora, os que já haviam
entrado, ao saber da novidade, saiam para esperar o que estava por acontecer.
_E agora??Perguntava
eu, para mim mesmo.
O Djalma planejava
mil planos, falava em reação, golpes e mil coisas e, eu sabia que não podia
fazer nada, o que é que eu podia fazer contra a avó de alguém???Nada.
Duas quadras do
portão da escola, vinha o Marcos acompanhado da avó, apesar de machucado, tinha
um ar de quem vai se vingar, a avó não parecia muito velha, daquelas mulheres
grandes de braços roliços, com bochechas rosadas e corpo largo, lembrava
aquelas Mamas italianas das festas da Nossa Senhora da Achiropita, resolvi que
tomaria dois tapas e abriria a corrida.
O Marcos já me
apontou de longe, enquanto a senhora se encaminhava na minha direção, abaixou a
cabeça e as sobrancelhas se moveram, formando um V, dei tudo por perdido.
_. Foi você, o guri
que machucou o meu neto.
_. Sim senhora, eu
mesmo.
Ela se aproximou-se
mais, meus olhos se fixaram nos verdes dos olhos grandes dela, ela passou a
gritar:
_E, eu posso saber
com qual autoridade???
_. Seu neto teve uma
atitude de racismo para com a minha pessoa.
Ela murmurou muito
baixo, alguma palavra que não deu para entender e, seguiu-se um silêncio tão
grande, que deu para ouvir um Bem-Te-Vi ao longe, o rosto da senhora, que
estava à instante carregado de ódio foi modificando, até toda tristeza ficar visível,
ela teve que se abaixar para alcançar a minha altura:
_. Me desculpa
menino, te garanto que isso nunca mais vai voltar a acontecer.
Com a mão direita,
apertou a minha bochecha, a mesma mão que ela usou, em cheio, no rosto do
Marcos, deu mais tapas e continuou, mesmo quando eles sumiram na esquina dava
para ouvir as pancadas e os gritos do Marcos.