sábado, 17 de junho de 2017

O lago




  É possível que as maiores mudanças que o Educandário Dom Duarte sofreu, foi durante a minha estada por lá, então vejamos:
  A fanfarra foi desfeita, o Grêmio se acabou, a colchoaria, a olaria e a cozinha central deram seus últimos passos, o lar 11 deixou de ser um pavilhão pra se tornar um asilo, a mata de trás da olaria e a horta do Japonês já não eram mais territórios do Educandário, conforme eu crescia, meus caminhos iam diminuindo, além dos amigos, os funcionários amigos estavam indo embora, aos poucos, o Educa foi perdendo o brilho da minha infância.
  Quando me fui, ainda que morasse no mesmo bairro, me recusava a transpor a portaria, não queria ver a casa da minha infância virar uma lembrança triste.
  Esse tempo durou até os meus filhos completarem a idade escolar, matriculei-os no grupo e, vi que meus medos não tinham fundamentos, o Educa havia melhorado, no tocante à educação, aproveitei e matriculei-os na Ozem, onde encontrei pessoas boas, educadores na melhor acepção da palavra.
  Meus meninos, feito eu, passaram a ter o Educa, nas melhores lembranças da infância.
  Sempre que eu estava de folga, fazia questão de levá-los ao prédio da Ozem, a tarde voltava pra buscá-los.
  Num belo dia, cheguei muito mais cedo e não queria ficar sentado na escada que dava caminho da cozinha para o Ozem, voltei pra perto do grupo escolar e me sentei na guia, de frente para o bambuzal, onde, em dias de aula, eu me sentava com os meus amigos, na parte de fora da guia precipita uma leve descida, que terminava no lago... esse lago não existe mais.
  Sentado ali, voltei mentalmente para aquele tempo, em que ali, existia um lago e, era um lago sem nome, dezena de árvores o circundava e isso dava uma sombra permanente, em horário de recreio, alguns casais corriam pra lá, debaixo da generosa sombra, se acariciavam e trocavam palavras de amor, mas logo vinha o padre Paulo ou o irmão Lacídes para expulsá-los de lá.
  Parecia uma água parada, as pequenas frutinhas e os galhos podres que caíam, as margens barrentas, davam a impressão de ausência de vida, nunca vi alguém pescando por ali, achava mesmo que naquela água rasa não haviam peixes.
  Por ser facilmente avistado da casa do Domingão, ninguém se arriscava a ficar muito tempo por ali, quase ninguém parava, era só passagem mesmo.
  Não tinha nome e, é provável que ninguém tenha feito uma foto dele, porém, todo mundo há de se lembrar de quando soldados do COI o atravessaram de moto, numa corda esticada nas arvores.
  E, para meu azar, essa foi uma mudança que eu tive que presenciar.
  Em 1982, reinava o clima de liberdade no Educa, os carrascos já haviam saído e os novos ares prometiam mudanças, marcamos um contra e misturados com os caras do 13, fomos enfrentar a rapa, ao passar pelo caminho da piscina, percebemos que o seu Paulo vinha com o trator na estradinha do lago, o Paulo tratorista era mais uma daquelas pessoas que ficaram na memória do menino que eu fui, mancava da perna direita por ter sido vítima de paralisia infantil e tinha um humor de cão, perguntamos o que ele ia fazer, ele disse que cavaria uma valeta e a água escorreria para contenção do campo, depois traria terra e taparia o buraco vazio, tudo rapidinho.
  Os meninos disseram que iam ficar para ver o serviço, eu disse que não ia ver, aquilo iria ferir a minha memória, deixar de jogar bola para ver um buraco sendo cavado? Sartei de banda.
  . Desci para o campo e me preparei para o jogo e, dava para ver o seu Paulo cavando a valeta, quando ele terminou a valeta, uma quantidade enorme de água inundou a contenção, aquela onde escoa a água da bica, e gradativamente foi se esvaindo.
  _. Pronto, já era o lago. Disse eu.
  Nesse mesmo momento, o Adailton do 20 gritou:
  _Peixe, peixe, muito peixe.
  Corremos e subimos o barranco, o lago estava seco, uma enorme poça de lama e os peixes se debatendo, dezenas de centenas de peixes, todos enormes.
  Em desespero, o seu Paulo gritou para que alguém corresse à cozinha e chamasse a dona Mercedes.
  Enormes panelas foram levadas para a cozinha central, devem ter ficado uma delícia, eu digo isso porque fiquei uns 3 dias sem comer na cozinha central, eu e a minha turma comemos peixe até de óculos.