sexta-feira, 30 de junho de 2017

O capitão



 
  Se eu fizesse uma pesquisa entre os meus muitos alunos (e, eu já fiz) descobriria que, o que eles mais gostavam em mim, não seria a minha postura ou os ensinamentos.
  A grande maioria, diria que a melhor lembrança que guardam de mim é o jeito explosivo e os meus gritos durante os treinos e partidas.
  Sempre obtive resultados assim, aliado ao bom conhecimento sobre estratégias e, sempre gritei pra mostrar comando.
  O que eles não sabem é que, isso foi um personagem que eu criei, na minha vida, raramente grito e meu temperamento está mais próximo de um frade que de um general.
  Meu mestre foi o capitão Pazzeli que, quando eu era guri, parecia um gigante, quando o encontrei adulto, vi que, se medisse 1,60 cm, era muito, contudo, a postura continuava a mesma, agora, ele já era coronel.
  Ah... meu caro leitor posso adivinhar-te agora, você acaba de se ajeitar na cadeira e pensar:
  _Caramba, lá vem mais uma história de futebol.
  Enganou-se redondamente, lá vem uma história de boxe.
  O capitão não era desses mestres velhinhos, com enormes barbas e ensinamentos orientais, muito menos ensinava a nobre arte do pugilismo com a esperança que seus praticantes saíssem pelo mundo espalhando a paz.
  Eu e o Celso do 24 tínhamos, entre nós, uma aversão gratuita e, isso já vinha de muito tempo, cedo ou tarde, iríamos acertar as nossas diferenças.
  A casinha do campão era o local mais apropriado para a prática do boxe, pouco antes do capitão chegar para a aula, iniciamos uma pendenga e ficamos em posição de briga, nós no meio e o resto dos guris sentados nas amuradas e atiçando a briga, no entanto, vimos o capitão descendo da administração e nos separamos, o capitão fez que não vira.
  Ao lado da casinha, formamos filas e, o professor comandou o aquecimento, agachamentos, flexões e polichinelos.
  Voltamos à casinha e ele começou uma palestra, a princípio, despretensiosa:
  _Sabem por que a União Soviética e os Estados Unidos jamais entraram em guerra entre eles?
  A pergunta era retórica, nenhum guri poderia ser doido o suficiente para interromper o capitão, depois do fôlego ele continuava:
  _Um tem medo do outro, a terceira guerra mundial jamais se dará, por conta desse fato, o medo é o maior aliado da paz.
  Na vida, façam as pessoas te respeitarem, ande sempre de cabeça erguida e, o mais importante, façam seus inimigos terem medo de você, por medo de você, eles jamais o atacarão.
  Enquanto abria a caixa com o material do boxe...
  _Meninos, o boxe não é um esporte, é uma arte, a arte de dominar os elementos, contrário ao que parece, somente o mais inteligente ficará em pé.
  Há quem ache que, num confronto desproporcional, o mais forte vencerá, ledo engano, quem assimilar melhor as regras e souber usá-las, vencerá a luta.
  Separou dois pares de luvas e simulou uma escolha aleatória, fechou os olhos e, na coincidência, escolheu a mim e o Celso.
  Eu era magrinho, o Celso tinha o dobro de corpo e meio palmo a mais no tamanho, calçamos as luvas e ficamos frente a frente, não precisamos simular uma rivalidade, fervilhavam os nossos olhos.
  De olhos grudados no Celso, ouvia as instruções do capitão.
_Fechem a guarda, mantenham a distância com o braço e jebeiem para furar o bloqueio...
  Com os pés fincados no chão e os olhos atentos, jebeei e dei um passo à frente, furei a guarda fiz uma sequência de jebs no rosto dele e saí.
  De trás da minha luva de defesa, pude ver que o olho esquerdo dele havia inchado e lagrimejava, o capitão continuava na instrução:
  _Mantenha o adversário no seu raio de ação.
  Sem poder me ver direito, o Celso bufava e baixou a guarda, dei um sorriso de escárnio e levantei as luvas, os ouvidos atentos no mestre:
  _Nunca deixe o rosto à mostra e mantenha a calma, a pressa é a sua pior inimiga.
  Facilitado pela falta de proteção, joguei mais uma sequência de jebs no rosto dele, o Celso perdeu a calma e partiu para o confronto, tentou me agarrar, sem distancia de corpo mandei um uper no queixo e ele me largou, quando preparava a mão esquerda para o cruzado final e, seria fulminante a pancada, o capitão segurou a minha mão.
  O Celso cambaleava e só não caiu no chão, porque o capitão o amparou.
  Abraçado ao Celso e segurando a minha luva, o capitão deu a luta por encerrada.
  _E, meninos, só assim é que se fala de paz... a paz é o medo da derrota.
  E, como eu era o seu assistente, fui levar os materiais para a administração, ao invés de nos despedirmos, disse para eu acompanhá-lo ao bar do Brás, disse que eu ia pagar uma cerveja, disse que não possuía níquel algum, me tranquilizou dizendo que amanhã eu pagaria.
  No balcão pediu uma Caracu para ele e uma Tubaína para mim, elogiou a minha conduta e disse que eu procurasse tentar ser professor, tinha certeza que eu iria me dar bem na profissão.
  Naquela tarde, ficamos, eu e o Celso, jogando pedras no lago, na disputa de quem fazia a onda mais perfeita,
  A inimizade havia acabado e, a partir desse dia, ficamos amigos.
  No dia seguinte, a aula era de atletismo, já veio gritando o capitão:
  _Todo mundo na pista, seis volta no campão e, é para já.
  Cara, seis voltas no campão era muito pesado, enquanto encaminhávamos para pista, passamos pelo capitão, a sua figura imponente lembrava uma estátua gigante.
  _Aliás, o Nilton não vai dar as seis voltas, ele me deve... esse infeliz vai correr 12 voltas.