sábado, 1 de abril de 2017

A Rúbia.




Antes do meu tempo, elas eram chamadas de "Voluntárias”, soube disso faz pouco tempo, o Udiney me contou, o fato é que meus contemporâneos as chamavam simplesmente de moças.
É claro que era meio estranho chamar a Margarida de moça, porém, era uma regra e, regras são nada mais que regras, portanto, eram moças.
E, justiça seja feita, eram elas que, de fato, cuidavam das crianças, eu tenho lembranças da Olga escovando os meus dentes e da Cinira me banhando, quando eu nem conseguia fazer isso.
De todas elas, a minha predileção pendia pro lado da Rúbia, que era no meu ver a mais alegre de todas, efusiva, talvez seja o adjetivo que melhor a descrevesse, se todas as moças eram personagens de foto novelas, a Rúbia era comunista, tinha opinião e contestava.
Usava, na maioria das vezes uns jeans desbotados ou aquelas roupas soltas dos Hippies, sempre com sandálias franciscanas.
Cortava os cabelos bem curtinhos, bem à moda da Elis Regina e, feito a Pimentinha, tinha opiniões seguras, coisa rara de se ver nos adultos dos anos 70.
O outro fato, que me fazia ser apaixonado pela Rúbia é que, muitas vezes, quando ela folgava, me levava pra casa dela e, nessas saídas, tive o prazer de participar de algumas reuniões clandestinas do Partidão.
Sempre se mantinha na crista da onda, ouvia Belchior, Caetano e os Mutantes, me fazia ouvir as músicas e pedia que eu desse significado pra todas as letras, acabou que fiquei craque nisso.
Uma bela tarde, no horário de repouso, me arrastou para o hall das moças, não era costume dos internos, frequentar essas dependências.
No corredor, assim que deram conta da minha presença, as outras moças, em roupas de baixo, correram pros seus quartos, pra não ficar mal, fechei os olhos com as mãos e jurei que não ter visto nada, muito embora, até hoje eu me pergunte porque, diabos, a Cinira usava calcinhas de criança, daquelas enfeitadas com estampas do Mickey.
Entramos no quarto da Rúbia e como quem faz uma coisa proibida, fechou a porta e com o dedo indicador nos lábios, me exigiu silêncio, fiquei imóvel.
Pediu que eu me sentasse na cama e se ajoelhou perto de mim, depois estendeu a mão para debaixo da cama e de lá retirou uma vitrola, jogou a vitrola na cama e abriu o compartimento das pilhas, estavam todas lá, levantou o travesseiro e, com todo o cuidado do mundo tirou de lá um LP, mostrou pra mim, Taiguara... e uns dizeres meio indígenas.
Havia um disco censurado do cantor e, era aquele mesmo, passamos umas duas horas ouvindo o disco.

A promessa.


Já disse várias vezes que, fui criado por mulheres, muitas mulheres, sem ter a parte paterna na minha criação, fui meu próprio pai.Contrariando o que as pessoas pensam, meninos criados por mulheres não são efeminados, esses são meninos criados pela avó ou por mães solteiras.Meninos que são criados por várias mulheres são profundos respeitadores do sexo frágil, tornam-se cavalheiros e as defendem com unhas e garras, são capazes de enfrentar um batalhão sozinhos e só se ajoelharam diante de uma mulher, sem a velha lengalenga de se qualificar como hetero, na cabeça dele, Deus fez a mulher com o seu melhor material, do resto veio ele.Se na infância, a bola nos regia e nos mantinha unidos, na adolescência descobrimos o encanto das meninas, seu perfume e seus lábios carnudos.Deixamos de ser gladiadores e nos tornamos amantes, as meninas vinham de séculos de repressão e, no início da década de 80, a represa se rompeu de vez, todo simples rolê acabava em sexo...podem perguntar, se não me acreditam.Os moleques do pavilhão 22, principalmente às segundas-feiras, antes de dormir, contavam as aventuras do fim de semana com requintes de detalhes, uns poucos tinham uma namorada fixa, feito o Tadeu, o resto contava de uma garota por semana essa coisa virou uma obrigação, contar as aventuras para os amigos era como contar as façanhas do futebol.Indo pra Pinheiros, nos empolgamos e acabamos fazendo bagunça no Buzão, o motorista parou na Paineira e fez menção de que ia chamar a polícia no posto que ficava ali, como ele havia trancado as portas, pulamos pela janela e sumimos, cada qual por um lado, esse foi o dia que eu corri mais que o Valdevino, que era recordista dos 100 metros rasos.Dei um balão e saí na estação de trem, quando cheguei à Chic Show já estavam todos na fila e entramos no salão, uns 70 graus de temperatura justificavam o apelido do salão..."Panela de fritar macaco", antes de começar as coreografias do nosso grupo, uma cervejinha caia bem, metemos as mão nos bolsos e vimos quantas garrafas vinham...estupidamente gelada.Cada um com seu bolinho e cada bolinho com passos ensaiados, entrar em rodinha alheia era crime e o infrator tomava cambau.
No nosso sagrado círculo, uma menina passou, é claro que meninas não tomavam cambaus e, cavalheiro que sempre fui, enlacei o braço dela ao meu e a conduzi pra longe daqueles selvagens, no meio desse caminho as luzes se amorteceram e começou a sessão de lentas e, já que a tinha, virei-a de frente pra mim...meus olhos jamais tinham visualizado uma beleza assim.
A pele da garota era negra e brilhava na profusão das luzes, nos olhos rasgados e pequenos tinham traços orientais, a boca era vermelha de batom e grossos lábios convidavam, um nariz perfeitamente pequeno, as covinhas apareciam nas bochechas quando ela sorria, um anjo, de longe, a mais linda moça que eu havia visto nos meus longos 14 anos, me lembro de esfregar os olhos pra me certificar de que não se tratava de miragem.
Dancei uma, duas e como ela não fazia questão de desapartar de mim, me deixei durante toda a playlist de lentas.
Esqueci-me dos amigos por completo, mesmo na hora dos Funk’s, ficamos agarrados, num beijo que só acabou quando o baile se findou.
Na saída, comuniquei aos amigos que ia levar a dama pra casa.
_Aonde você mora, princesa?
_Morro do Querosene.
Estava tão encantado com a beleza da moça que, resolvi ignorar a pontada que me veio, quando ouvi o nome do bairro dela.
_Beleza, vamos conhecer um bairro novo.
Durante a viajem dos dois buzões, o beijo continuou, nem vi onde entramos, só pensava que ia me dar bem.
Subimos um escadão, uns caras mal-encarados estavam em frente da casa dela.
_. Quem é o playboy? Perguntaram os sujeitos.
Playboy, eu??tive vontade de brigar, mas não ia, por nada nesse mundo, por a perder o meu troféu, ignorei.
Os pais dela não estavam em casa e, prontamente me mandou sentar no sofá da sala, foi ao quarto e jogou um som no ambiente, instintivamente bati a mão no bolso da calça, pra conferir, estava lá o preservativo, respirei aliviado.
Ao som da melodia, ela se sentou ao meu lado e nos acariciamos por longo e tranquilo tempo.
_Ah, eu hoje vou me dar bem.
Enquanto beijava, acariciava lhe as partes íntimas e ela gemia aos meus ouvidos, eu me sentia o cara mais feliz da face da terra.
Sábio mesmo é aquele ditado que diz que "Alegria de pobre dura pouco".
Repentinamente aquele anjo se levanta, tira a blusa e a calça e diz:
_isso só vai funcionar de verdade, se me bater.
Eu ouvi claramente, mas perguntei, pra ela confirmar que eu havia entendido errado, pra minha desgraça ela confirmou e, enquanto pedia uns tapas, tirava o que restava das roupas.
Muito triste, mas resoluto, levantei-me, arrumei as calças e saí daquela casa.
Estava com tanta raiva que, se tivesse encontrado aqueles que me chamaram de playboy, os teria feito engolir as palavras, durante a volta pra casa, ecoavam as palavras da Rúbia em minha mente: "Nunca tratar mal a uma mulher" essa promessa fora feita na Casa de Infância, quando eu tinha 8 anos.
É claro que contei aos amigos, essa desventura e, é claro que virou a piada preferida da nossa turma.