terça-feira, 25 de julho de 2017

Falando de racismo



 
  Nesse assunto, eu queria ter mais a dizer, pois sendo afro descendente, quase não conheci tal movimento, pelo menos, ninguém me disse na cara.
  Talvez a postura que eu tenha adotado desde a infância, de me manter sempre altivo e olhar as pessoas nos olhos, tenha me despido da roupa de vítima, pois quem não tem sentimento de inferioridade, jamais será discriminado.
  Tirando a passagem, que já contei da Consolação, quase nunca senti o preconceito contra a minha pessoa, porém, houve um caso em que senti o contrário disso.
  Estando eu com meus amigos do Movimento Negro, resolvi contar-lhes que era filho de branco, esses me olharam com pesar, como se eu não merecesse estar no meio deles, por uns instantes, tive o desconforto de quem é discriminado.
  Por sorte, lancei mão do resto da biografia do meu pai:
  _. Sim, branco, sambista e morador do Bexiga.
  E, para a minha alegria, houve um alívio geral, todo mundo voltou a sorrir, afinal, branco sambista, não é lá muito branco.
  Essa atitude, tomada por meus amigos, precipitou a minha saída do movimento, ficou-me claro que, o preto é tão racista quanto o branco e se, sempre considerei o racismo como a mais baixa das burrices humanas, não podia eu, andar acompanhado de tais cavalgaduras.
  Ah, houve outra vez e, essa foi no ginásio, serve como parâmetro de ilustração da minha postura diante do fato e, um final surpreendente.
  Fui mesmo, o único negro numa escola e ainda, o único interno de um colégio.
  Não como aquele garoto da série, os outros alunos não eram hostis, muito pelo contrário, o fato de eu ser negro e interno, me fazia o garoto mais popular da escola.
  Um dia, jogando na quadra, em hora de intervalo, dei um drible seco que entortou a coluna do Marcos, um guri loirinho que gostava de ser o tal, quando ele caiu na quadra, os outros guris que jogavam, junto com os que assistiam, começaram a rir e cantar, essa é a coisa mais natural entre meninos de ginásio.
  O Marcos se sentiu humilhado, não podendo revidar à altura, lançou mão do recurso torpe de ofender:
  _O que é isso aí, Negão???
  A linha de fundo da quadra terminava a dois palmos de uma parede de um metro de altura, atrás dessa parede, principiava um barranco de uns três metros.
  E foi em fração de segundos que, passei-lhe a rasteira, recolhi-o, como quem recolhe um saco de batatas e já estava com ele pendurado, pelos pés, na amurada.
  Nunca achei que o pobre do Marcos fosse membro da Ku Klux Klan ou simpatizante do partido nazista, mas ele havia transposto uma invisível barreira e tinha que se desculpar.
  _E agora, seu branquelo de bosta, pede desculpa ou vai comer terra...
  A cena foi mesmo espetacular, quase todos os alunos da escola estavam a olhar, havia uns professores e funcionários também e, de protagonista, eu estava bem na cena.
  É, mas se, o leitor pode acreditar que um guri de 13 anos é capaz de segurar um outro, com a mesma idade e com o mesmo peso, pela canela, por mais de dez segundos...está redondamente enganado.
  O Marcos caiu mesmo, já se levantou com um enorme galo na testa, levaram-no à enfermaria e ele saiu com um enorme faixa na cabeça e, enquanto todo mundo me dava tapinhas no ombro, como saudação pela atitude, eu permaneci em silêncio, sabia que havia exagerado.
  Encontrei com ele na saída e, podendo pedir desculpas, não o fiz.
  No dia seguinte, eu e o Djalma chegamos juntos no portão da escola e havia um grupo grande de alunos à minha espera, uma menina que era vizinha do Marcos me deu a notícia:
  _A avó dele vem para tirar satisfação, a mulher é muito braba.
  Todo mundo que vinha chegando, ao saber da notícia, ficava do lado de fora, os que já haviam entrado, ao saber da novidade, saiam para esperar o que estava por acontecer.
  _E agora??Perguntava eu, para mim mesmo.
  O Djalma planejava mil planos, falava em reação, golpes e mil coisas e, eu sabia que não podia fazer nada, o que é que eu podia fazer contra a avó de alguém???Nada.
  Duas quadras do portão da escola, vinha o Marcos acompanhado da avó, apesar de machucado, tinha um ar de quem vai se vingar, a avó não parecia muito velha, daquelas mulheres grandes de braços roliços, com bochechas rosadas e corpo largo, lembrava aquelas Mamas italianas das festas da Nossa Senhora da Achiropita, resolvi que tomaria dois tapas e abriria a corrida.
  O Marcos já me apontou de longe, enquanto a senhora se encaminhava na minha direção, abaixou a cabeça e as sobrancelhas se moveram, formando um V, dei tudo por perdido.
  _. Foi você, o guri que machucou o meu neto.
  _. Sim senhora, eu mesmo.
  Ela se aproximou-se mais, meus olhos se fixaram nos verdes dos olhos grandes dela, ela passou a gritar:
  _E, eu posso saber com qual autoridade???
  _. Seu neto teve uma atitude de racismo para com a minha pessoa.
  Ela murmurou muito baixo, alguma palavra que não deu para entender e, seguiu-se um silêncio tão grande, que deu para ouvir um Bem-Te-Vi ao longe, o rosto da senhora, que estava à instante carregado de ódio foi modificando, até toda tristeza ficar visível, ela teve que se abaixar para alcançar a minha altura:
  _. Me desculpa menino, te garanto que isso nunca mais vai voltar a acontecer.
  Com a mão direita, apertou a minha bochecha, a mesma mão que ela usou, em cheio, no rosto do Marcos, deu mais tapas e continuou, mesmo quando eles sumiram na esquina dava para ouvir as pancadas e os gritos do Marcos.