quinta-feira, 20 de abril de 2017

O plano B


Um dos amigos, ao qual eu tinha mais consideração, era o Zilmo.Já da Casa da Infância nos dávamos bem e, no Educandário Dom Duarte nos separamos, ele foi morar no lar 13 e, quem é do meu tempo vai lembrar dele, pois o nome é bastante incomum, se não lembrar por isso, ão de lembrar que ele tinha, vez em quando, ataques epiléticos.
Duravam, esses ataques, coisa de uns poucos minutos e, me lembro que, quando eles acabavam, o amigo se sentia humilhado, além da falta total de controle da situação, chamava a atenção de todos e com isso, sempre vinha o coitadismo por parte de quem não o conhecia.
Fora esse detalhe, o Zilmo era igual a todos os índios do Educa, fazia as mesmas coisas e ainda defendia o gol do pavilhão 13.
Sempre ficávamos conversando de frente do teatro, quando não estávamos perseguindo o lagarto do bambuzal, ou perto do lago da piscina e, como ele era besta feito eu, tínhamos assuntos de sobra e nos chamávamos de "A dupla café com leite".
Fora dos limites territoriais que pertenciam aos pavilhões, sobrava uma grande faixa de terra ao Educandário Dom Duarte, essa área tinha que ser zelada, quer dizer carpida e limpa.
O grupo encarregado dessa limpeza era chamado de "Força Tarefa", nessa empreitada eram chamados os internos, de todos os pavilhões e o comando ficava à cargo do irmão Wilson, que, além de ser o enfermeiro do colégio, era o chefe da banda.
O verdadeiro exército de meninos com enxadas às costas parou em frente ao cenáculo, eram 7 horas da manhã, uma névoa de madrugada ainda podia ser vista na difusão dos raios matinais, no meio de todos os meninos estávamos eu e o Zilmo.
Descemos em fila até o sopé do barranco e marcamos nosso eito, um ao lado do outro, à medida que as enxadas batiam no chão, uma fina poeira subia do capim gordura e impregnava o ar.
O sol já se punha alto, o calor aumentava e o metal da enxada batia num compasso fúnebre, uma batida no chão, uma arrastada na terra e uma fração de silencio e recomeçava tudo de novo.
O suor escorria da minha testa, olhei pro Zilmo e, branco que ele era, estava vermelho e ria.
_Tá rindo do que, moleque?
_É hora do plano B.
_Tá falando do que?
Não disse mais nada, tirou o Kichute dos pés e os pôs de lado, juntou um monte de mato carpido, como quem prepara uma cama.
Puxou a respiração e deu um grito sinistro e caiu ao chão, se contorcendo como se estivesse tendo um ataque, a maioria dos meninos não sabiam como lidar com aquilo, só eu fui socorrê-lo.
Em coisa de poucos segundos, o bolo já havia se formado em nossa volta e o irmão Wilson se lamentava por não ter trazido a caixinha de primeiros socorros.
Depois que o Zilmo voltou a consciência, me foi dada a ordem para levá-lo de volta ao seu pavilhão, saímos do grupo, ele capengando e apoiado no meu ombro, quando dobramos a estrada do 14 nos ajeitamos e rimos à valer, passamos o resto do dia empinando pipa no barranco do 17.

35 anos de casamento.


Mas, não foram ininterruptos, esses 35 anos.Houve um intervalo em que eu e a Angela Camargo Victorino estivemos separados.
Num belo dia eu cheguei transtornado em casa, os meninos ainda pequenos, meti o pé na porta e gritei:
_Mulher, estou cansado dessa vida, quero a minha liberdade.
E fui decidido, peguei o meu apito, minha camiseta de São Jorge e, o resto que ficasse pra ela e, pisando firme, saí porta afora.
Ela me viu sair e não disse nada...Ah, se ela dissesse.
Esse longo período durou exatos 15 minutos, bati na porta, que não havia levado a chave.
Só me sorriu, um riso irônico.
_Fia, hoje tem jogo do Timão na televisão.
_Seja bem-vindo de volta, depois do jogo lave a louça.
_Eu gostei foi do romantismo.
_O quê??
_Nada.