sábado, 22 de julho de 2017

Os vigilantes do Educandário Dom Duarte.


Ser vigilante, quero crer, devia ser um trabalho muito duro, essa coisa de trocar o dia pela noite e zelar pela segurança de quarenta e cinco internos de um pavilhão, enquanto eles dormiam...então, esses intrépidos homens podiam ser heróis, muito embora, eles fossem todos, muito engraçados.
O seu Matheus usava um bigode bem fininho, media uns metro e meio e ostentava solas inacreditáveis de vinte centímetros nos sapatos e, mesmo assim, ele continuava pequeno, seu andar fazia tanto barulho que ele não conseguia dar um flagrante nunca, quando alguém conversava no quarto e ele ia verificar, os saltos o denunciavam, dava tempo de o infrator fingir que dormia.
O seu Carlos tinha uma barriga enorme e usava um gorro parecido com o do Chaves, que lhe cobria as orelhas, possuía um rádio à válvula de 1945, às vezes, ele entrava no segundo dormitório e nos mostrava, pegava estações de todo o mundo, quando o rádio chiava, ele dizia que era por conta de chuvas no Japão.
A minha cama, no segundo dormitório, herdei do Alcione, que foi embora do Educa no mesmo dia em que desembarquei lá, não convivi com o neguinho, mas, a fama dele ficou no pavilhão.
A fileira da parede esquerda do segundo dormitório era nessa ordem:
Eu, o Feliz, o Luiz Dias, o Viana, o Hélio Lucena e o João Lucena...na sequência, começando de mim, um corintiano seguido de um são paulino, juntados com as duas camas do meio, o Oscar corintiano e o Zé Antônio são paulino, portanto, um total de oito, quatro alvi negros e quatro tricolores.
Na época do seu Odilon, o único vigilante do pavilhão 14 era o Nenê, por conta de ele ser irmão do larista...isso indica que estamos no ano de 1978 e, pelo frio da lembrança, o mês era agosto.
Era noite de clássico e, por mais que fôssemos muito amigos, a rivalidade vinha à superfície.
O único rádio Evadin era de propriedade do Feliz, ele não podia deixar no volume muito alto, então, os outros meninos tinham que se esforçar para ouvir a narração do José Silvério .
Jogo eletrizante, no intervalo o placar era de zero a zero e, entre os oito, começou uma discussão, no meio da discussão o vigilante meteu o pé na porta e gritou:
_. Tudo mundo pro currédô.
E vai, os caras das seis camas da parede, mais os dois do meio, de pijama, num frio de lascar, de castigo no corredor.
Ficar em pé no corredor era o castigo mais executado no pavilhão 14, sozinho era barra, dividido com os amigos, nem tanto.
O que ninguém sabia, era que o esperto do Feliz trouxe o rádio no bolso do pijama, na época havia um fone único e, malandramente, ele se posicionou no fim da fila, os outros sete o cobriam, assim o vigilante não podia vê-lo com o fone na orelha.
A fila do corredor seguia a mesma ordem, um corintiano e um são paulino, conforme os gols foram saindo, o Feliz falava no ouvido do menino da frente, esse passava para o da frente, até chegar no primeiro.
Quando o São Paulo fazia um gol, o torcedor passava a notícia e empurrava o corintiano, na hora do gol do Corinthians, a cena era repetida, tudo na maior discrição, sob o olhar atento do vigilante e, o jogo terminou com o placar de 3 a 3.
Depois do fim do jogo, ainda ficamos mais uma hora de castigo e, no dia seguinte não houve gozação com ninguém.