quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Um tempo tenebroso.


Em 1975, o Brasil foi assolado por um surto de meningite, se no mundo todo, o vírus fora erradicado, no país progressivo que rasgava a Amazônia, prendia e matava inimigos políticos, a doença ganhou corpo, matou pessoas e tomou posse do país, virou epidemia.
Não, não se assuste com o discurso, essa visão veio bem depois, na época eu era apenas um guri que lia os romances da Benedita da rouparia e as revistas da portaria, as notícias alarmantes do rádio e da televisão pouco mudava o rigoroso cotidiano da Casa da Infância do Menino Jesus.
A única medida que podia ser tomada no combate ao vírus foi tomada e então, a dona Augusta foi chamada a defender a vida dos meninos internos.
A dona Augusta era uma senhora negra, dessas que lembrava a figura de descendentes de escravos, usava saias rodadas e um torço cobria os cabelos brancos, chinelos e uma meia grossa completava o figurino, dificilmente um guri que a tenha conhecido, não vá se lembrar da tia Anastácia do Sito do Pica Pau Amarelo ou da Bá, a ama que cuidava da Escrava Isaura.
A função da dona Augusta era consertar as roupas e, ela o fazia na mão mesmo, pouco se via a habilidosa costureira sentada na Singer do século XIX.
Com a ajuda de seus melhores ajudantes, o Hélio e o Sebastião, confeccionou bolsinhas de pano, cada qual levava duas pedrinhas de cânfora, amarradas num grosso cordão, era um colar nos pescoços dos meninos.
Participei dessa empreitada, não como ajudante, pois não tinha habilidade, porém, era bom ouvinte e ela gostava de contar suas histórias, aquele espaço em que ficava a rouparia, fizesse sol ou chovesse, era sempre frio, a dona Augusta vivia com saudades do sol.
Nas filas ou nas salas de aulas, os guris viviam cheirando o colarzinho.
Mesmo que, mais tarde, fosse confirmado que a cânfora não tinha qualquer propriedade eficaz no combate à meningite, sempre compro um potinho de Vic Vaporub, o aroma me lembra a dona Augusta.