quinta-feira, 11 de maio de 2017

O fantasma do Marcio.




  . Quando me mudei pra Camaçari e, isso, já fazem 13 anos, montei um time de futsal, nesse time havia um goleiro chamado Marcio, não era nenhuma Brastemp, mas, era alegre, dessas pessoas que falam alto, brincam com todo mundo, fiz amizade de cara.
  Quando a coisa se complicava em quadra, ele sempre dizia uma frase:
  _Aí fica fácil, Paulista.
  Paulista é como me chamam, o Marcio tentava dizer que, se a coisa não melhorasse, ele ia abandonar o gol.
  O tempo passou e a frase pegou, aonde o Marcio me via, gritava:
  _Ai fica fácil paulista _ muitas vezes, eu nem chegava a vê-lo, só o ouvia gritar.
  Quando eu dava aulas de esporte, pros meninos da Pestalozzi, na Praça Abrantes, no meio de um exercício ou na hora de uma reprimenda, ele, do outro lado da praça, punha a cabeça pra fora da janela do ônibus e gritava, os meninos caíam na risada.
  Alguns anos atrás, ele se envolveu numa briga, essas coisas passionais que acabam mal e ele sumiu, pouco depois me disseram que o amigo havia passado dessa pra melhor, como um bom amigo senti, mas a notícia chegou-me com uns meses de atraso, continuei a vida.
  Dia desses, distraído vinha eu e meu neto na Praça Abrantes, olhando o chafariz, escutei uma voz distante:
  _ Ai fica fácil Paulista.
  Olhei em volta e não vi ninguém, a voz ecoou uma segunda vez, pude ver que um ônibus, desses que vão pra orla, já ia longe.
  Das duas uma, ou esse defunto está pedindo vela, ou a criatura está viva ainda, em todo caso vou marcar consulta no psiquiatra.

A pichação.




Entre os anos de 1979 e 80, havia entre nós jovens, uma incontestável insatisfação com a política, mas, eu e meus amigos, éramos crianças... pouco, podíamos fazer.
Na estrada que levava ao cenáculo, eu enrolava a linha na lata, com todo o cuidado para não embolá-la, o Viana, com toda propriedade, trazia um pipa que fora aparado pela rabiola, nisso ele era mestre.
Eu não sabia empinar, nem fazia questão de aprender, gostava de pô-lo no ar e, ficava olhando, vendo os movimentos, pura liberdade, o amigo Viana era o oposto da moeda, tinha habilidade pra confeccionar as mais lindas pipas e os manobrava com tal maestria, que, nunca o vi perder um centímetro de linha, bastava olhar para um adversário e, em questão de minutos, já havia cortado e aparado, costumava dizer que só as pessoas que ele permitia, tinham direito de empinar no seu espaço aéreo.
O toca-fitas ficava embaixo de uma arvore, bem na curva da estrada, a voz do Milton cantava "Olho d'água", o Viana gostava da sonoridade das músicas do Clube da Esquina, vendo que eu tinha dificuldades em desenrolar a linha, foi me ajudar.
_Esses nomes... Todos tem um sentido escondidos, né?
_É, são pessoas que morreram ou desapareceram na luta.
E, como eu era o outro lado da moeda, tinha a inteligência, que os meninos não costumam ter nessa idade.
_Cuidado para não ter seu nome numa canção dessas.
Nessa altura, não fazia sentido esconder do amigo, que eu frequentava reuniões clandestinas do partidão, o Miguel e o Satírio eram os acompanhantes nessa luta, o Viana que não ligava para política, disse que ia me proteger, dizia que tinha uma dívida comigo, já que eu havia conseguido o que a escola julgou impossível... alfabetizá-lo.
Embarcamos nessa aventura, isso era muito mais que roubar frutas do Bráulio ou passear no Taboão da Serra em lombos dos cavalos e, muito mais perigoso.
Um dia, meu amigo Rogério, que todos chamavam de Punk, deu-nos, em troca de seis pipas, duas latas de tinta spray, ficamos doidos para usa-las.
Nessa época, o ônibus da Castro fazia o itinerário da Praça da Bandeira, depois de passar em Pinheiros, pegava a Avenida Brasil e seguia até a Nove de Julho... Na avenida Brasil, perto da igreja da Nossa Senhora do Brasil, haviam umas mansões abandonadas, resolvemos que ia ser ali que deixaríamos a nossa marca, o Satírio e o Miguel roeram a corda, sabiam que por esses lados residiam muitos militares e fomos só eu e o Viana.
Levamos as latas numa mochila verde, dessas que os recrutas ganhavam no exército e vendiam pros civis, descemos em Pinheiros, na Faria Lima e seguimos a pé, se tivéssemos que ser parados, seria nesse percurso, tinha que ser uma que se visse da avenida, essa tinha uma cerca gigante com pontas de lança, escalamos e jogamo-nos pra dentro, enquanto eu me escondia no jardim e via o movimento, o Viana abriu a mochila e tirou as latas, ficou com uma e me deu a outra, ele montou guarda, corri até a parede frontal e escrevi: ABAIXO, corri pro muro e o Viana foi escrever o resto da frase, lá fora, uma pessoa que passava no ônibus gritou, o Viana chegou ao meu lado, preparávamos para pular o muro de volta, quando olhei pra parede... que merda, o neguinho havia escrito DITADORA, corri pra parede, fiz duas riscas cruzadas em diagonal e escrevi a palavra certa, pulamos as lanças de volta e ganhamos a rua, jogamos as latas ao lado de uma árvore, o Viana não quis dispensar a mochila, subimos até a Rebouças e seguimos, antes de chegar na metade do quarteirão, fomos emparelhados por uma Veraneio preta e vermelha:
_Encostem-se à parede!
Viramos pra parede e colocamos as mãos na nuca.
_Quais as idades?
_Eu tenho 12 e ele tem 13_Disse eu, o Viana estava petrificado de medo.
Mandaram e entramos no camburão, a música do Milton me veio à mente, será que ele faria uma, com o meu nome?
Ficamos em silencio toda a viajem, o carro parou, mandaram que pulássemos e pulamos pra fora, olhamos e conhecemos o local, era o ponto da FOSECO, na Raposo Tavares, meio caminho do Educandário Dom Duarte, assim que chegamos ao banco do ponto, eles ligaram o carro e foram embora.
Ficamos em silencio parte da viajem e, do nada, o Viana gritou:
_Que porra que foi isso?
Sem saber o que dizer, dei de ombros e disse:
_Sei lá, nosso anjo da guarda fez hora-extra.
_Moleque, vou sempre andar com você, você é um filho da mãe mais sortudo do mundo.
E, ninguém entendeu nada, dois guris rindo com gosto.
Quatro dias, foi o que durou a pichação na Avenida Brasil, mas, todos os nossos amigos viram.
Dias depois, quando íamos pro centro, vimos, no muro do cemitério da Consolação a palavra DITADORA riscada e corrigida, ninguém entendeu o fato dos dois neguinhos caíram na gargalhada.