sábado, 19 de agosto de 2017

O fujão


Alguns meninos viraram lendas por terem conseguido fugir do colégio, os muros altos e a vigilância atenta das pessoas que cuidavam dos internos na Casa da Infância do Menino Jesus, faziam dessa missão, uma missão impossível.
Mentira, a única pessoa que eu soube, que logrou êxito foi o Álvaro, no entanto, nessa narrativa eu cuidarei de outra pessoa, aliás, os dois eram muito amigos, entre eles...a fome e a vontade de comer, senta que lá vem história.
O Chicão fora batizado com o nome de Francisco de Assis, uma homenagem ao santo protetor dos animais, as mães gostam dessas coisas, pensam que estão assegurando, pelo nome, que o rebento será uma pessoa de paz, na maioria das vezes, o tiro sai pela culatra.
Deixa eu interromper a narrativa, só para constar que o batismo do Chicão se deu no mesmo dia que o meu, a minha madrinha foi a doutora Zilda Arns e a dele foi a tia Erotildes da segunda série, desculpe-me e voltemos à história.
Nem de longe, o Chicão tinha um comportamento de santo, ele gostava de ficar pendurado nas rampas, da segunda ele se jogava no jardim, as vezes na quadra, na última de cima, ele também ficava, enfrentava as moças, brigava com os outros meninos...bom, o menino era o cão chupando manga, ao cubo e, sempre que ficava de castigo, dizia que na primeira oportunidade que tivesse, fugiria e se meteria no mundão.
Particularmente, eu gostava muito dele, mas, essa amizade me custava muita manutenção.
Um dia, nós nos brigamos e passamos a não nos falar por um tempo, coisa de uma semana, ao cabo desse tempo, me veio o Chicão e disse:
_Nilton, vamos voltar a conversar???
_. Não.
_. Por que???
_. Tem uma semana que não fico de castigo.
E, de tanto a praga me aborrecer, cruzamos os dedos mindinhos.
Presta atenção para como isso funciona, nossa moça era a Cinira, ela era do pátio do São Miguel, cursávamos a segunda série, portanto, o ano era 1974, morou na jogada???
Mais uma interrupção, vamos de volta lá.
Algumas vezes, a Cinira nos levava a brincar na quadra, era proibido brincar no jardim, subir a rampa e entrar na portaria e vai todo mundo brincar de esconde-esconde.
Alta tarde, todo mundo no pique e, ninguém achava o Chicão, para que a brincadeira pudesse ter continuidade, fazia-se imperativo que todos saíssem à cata do moleque.
Bateram em todos os cantos e, nada do Chicão, a Cinira foi alertada, ela chamou as freiras, todo mundo na busca.
A última pessoa que o havia visto, disse que ele estava perto da porta da lavanderia, essa porta estava destrancada, a porta que dava acesso à garagem também.
Conclusão lógica, o Chicão se escafedeu.
A notícia passou com alegria pelo pensamento dos meninos, o revoltado havia cumprido o que prometia há tempos.
Uma das freiras acabou com a alegria deles, disse que o menino não tinha familiar nenhum em São Paulo, todos os parentes dele moravam no interior.
Ninguém mais comemorou a fuga do amigo, a ideia do Chicão vagando pelas ruas, sem destino, nos entristecia.
Todos tristes, de volta ao pátio, era sexta-feira, dia de lavagem geral.
Quatro meninos eram escalados para lavar os corredores e halls, eu e o Wilson pelo São Miguel, Zé Almir e Vander pelo São Pedro, essa atividade começava às 8 da noite e terminava às 10, 11 ou meia noite.
Era muito divertido, enquanto o resto do colégio dormia, uns poucos felizardos se divertiam e acabavam dormindo tarde, só que essa noite não foi divertido, o pensamento no Chicão estragou tudo.
Depois de terminado o serviço, a Cida Preta nos dava um café reforçado acompanhado de biscoitos generosos, feito pelas vovozinhas da cozinha, que já haviam ido para as suas casas.
A mesa ficava no hall, bem de frente à escada que levava à lavanderia, comíamos e conversávamos sem pressa.
Um arrastar de pés veio daquela escada, todos ficaram atentos, de lá uma voz falou:
_. Caramba, estou morrendo de fome.
O Zé era o mais velho de todos e foi o primeiro que correu, o Chicão apareceu cambaleando.
Ele não havia fugido, havia entrado na rouparia, para se esconder e pegou no sono.