terça-feira, 13 de junho de 2017

O teatro do Educandário Dom Duarte.




  Não quero ser repetitivo demais, portanto não vou dizer, de novo, o quanto eu apreciava esse prédio, na minha memória, ele só perderá para o pavilhão 14 e para o campão.
  Muitos momentos importantes vivi ali e, uma vida não se conta com regras de cronologia, se conta em momentos, como flashes que vem ao acaso.
  A mangueira do 14 era vizinha do teatro, de cima dela ou a seus pés, eu sempre podia ouvir as músicas que vinham dos seus autofalantes, músicas que ainda ouço e, me transportam para esses tempos felizes e coloridos.
  A missa de domingo era celebrada ali, bem como as festas da Liga, depois da missa havia sempre um filme ou um show.
  O inesquecível Giuliano Gemma protagonizava o clássico filme "Por teto, um céu de estrelas", faroeste italiano com muitos tiros que, conta a história de uma vingança, a pouca luz da noite do Oeste deixava no breu a plateia, nas cenas de suspense dava para ouvir o bater dos corações aflitos dos meninos e, se a cena fosse exagerada, vinha um sonoro NÓÓÓ seguido de apupos e risadas.
  Explica-se que, na língua educandariana, nó era uma redução de Nossa Senhora, que se usa de interjeição para conotar espanto, esse “nó” que os meninos largamente pronunciavam, servia para manifestar vários sentimentos, como espanto, incredulidade, desaforo ou dúvida, sendo usado em duplo sentido, quando se queria dar conotação bizarra às coisas e momentos.
  Num domingo desses, um mágico se apresentou para essa plateia, se apresentava como mexicano...Gonzáles ou Morales, confesso que não me lembro o nome da criatura, porém, pelo sotaque, não chegaria ao bairro de Santo Amaro.
  Logo no primeiro truque, aquele manjado de cartas, deu a primeira mancada, todos os meninos perceberam a falha, um deles denunciou:
  _Nóóó, a carta estava na outra mão...nóóóó.
  Daí para frente, a coisa só ficou pior, ele se desculpou e fez um outro truque, esse foi pior que o primeiro e a turma:
  _Nóóó, encanei.
  Aparentemente, se tratava do pior mágico do mundo, esqueceu o portunhol e se desculpou com os meninos, um adulto e profissional pedindo desculpa para crianças.
  Fez mais alguns truques e, a mesma coisa se sucedeu, os nós e as vaias se agigantavam.
  O estranho é que ele não parecia apavorado, a cada fracasso, ria um riso cínico e, anunciou o último número, para tal precisaria de um voluntário da plateia.
  Não tenho bem certeza se o Marco Roberto do 15, que tinha uns oito anos, se ofereceu ou se foi empurrado ao palco.
  O mágico infeliz pediu o máximo de concentração de todos e todos riam, estava claro que não funcionaria esse outro truque, fosse qual fosse a marmota.
  Dirigiu-se com calma aos seus pertences e tirou de lá uma capa preta, uma enorme capa preta e, cobriu o guri com ela, ele não media mais que metro e meio de altura, evidentemente que a capa lhe servia como um cobertor... gritou uma palavra estrambólica e retirou a capa...o menino havia sumido de verdade.
  Fez-se um silêncio constrangedor, o mágico saiu rindo do palco, quando estava no meio do corredor que separava as duas metades das cadeiras da plateia, interrompeu a caminhada, cessou a risada e gritou, olhando em redor:
  _Nóóóó.