quarta-feira, 12 de abril de 2017

O lugar mais lindo do mundo.


Nas manhãs de inverno, quando se perguntava se havia mesmo motivo em sair da cama, uma densa névoa cobria a estrada que levava ao cenáculo, uma bruma que dava impressão de se ter chegado ao céu.
Nas manhãs de primavera, antes do sol se firmar, florezinhas amarelas traziam as borboletas coloridas na subida da jaqueira.
Em alguns dias de julho, um bando de guris esperava embaixo da araucária gigante, o momento certo da penca de pinhões despencar.
Na frente do pavilhão 14 havia uma área sombreada, sombra suave produzida por uma fila de seringueiras bem podadas, atrás do pavilhão uma fileira de uvalhas floresciam e traziam as abelhas, do lado de fora dos dormitórios, uma enorme primavera estendia seus galhos com espinhos e dava flores lilás.
Mesmo conhecendo muitos lugares de São Paulo, o Educa nunca deixou de ser o meu cantinho, meu lugar mais lindo na terra.
Vindo de ônibus, de qualquer lugar, no começo da Raposo Tavares se sentia a temperatura amenizar, se podia sentir a mudança de ares, na curva do cemitério israelita o ar melhorava mais ainda, o coração se sentia em casa, quando se entrava na portaria e iniciava-se a subida de paralelepípedos vinha a sensação de se estar em casa, uma subida que valia pela beleza, do lado direito os prédios mais lindo estavam perfilados, do lado esquerdo o imponente campão se exibia, depois vinha o lago sem nome e o bambuzal, no fim do turismo fantástico se ficava em frente ao SENAI, uma curva à esquerda e vinha o teatro, sempre se dava sorte arrancar uma folha do buchinho que crescia em seu jardim em forma de círculo, no lado esquerdo uma longa depressão punha a piscina aos nossos pés e a vista do campão era muito mais imponente e, se iniciava a subida da jaqueira.
À despeito do meu jeito introvertido, os amigos do 14 eram mestres em tudo o que se referia a habilidades de criança, com eles aprendi tudo, de jogar bolinhas à andar de pernas de paus.
O irmão Augusto se referia a eles como índios e quando faltavam cobras no viveiro, recorria a eles para caçá-las.
Raros eram os meninos que ficavam na terra batida da entrada do pavilhão, salvos os meninos que tinham limitações físicas, o Lucídio e o Adalberto eram esses, raramente saíam dos arredores do pavilhão e gostavam de brincar na sombra das seringueiras.
Paralela às seringueiras, num plano mais baixo, corria uma estrada que findava no pavilhão 15, do lado direito tinha o bananal do 14, a poucos passos da nossa caixa de alvenaria, uma enorme árvore havia sido cortada, ficando ali somente a raiz e ela não morreu, no meio da raiz havia um enorme buraco, dentro desse buraco as abelhas fizeram uma colmeia.
Não se tratava de uma colmeia pequena, quem vinha da bifurcação do 12 ouvia o zunir das abelhas e isso contava uns cinquenta metros de distância.
Os guris do 14 dominavam o ambiente e sabiam tudo da terra, do tempo de plantio, época de amadurecimento e comportamento das plantas e dos insetos, só não dobravam o ar...eu e o Ovinho éramos os gafanhotos, os aprendizes.
Enquanto o Viana, o Edson, o Tequinha e o Spock se aproximaram do tronco, nos mantivemos a uma boa distância do perigo.
O sexteto era assim, quatro mestres e dois aprendizes.
Trouxeram uma câmara de bicicleta rasgada em tiras, um saco de estopa, uns pedaços de paus e uma garrafa de gasolina, não tenho certeza, mas, acho que o último artigo foi roubado do Fusquinha do seu Odilon.
Amarraram as borrachas nas pontas dos paus e cobriram com as estopas, quatro tochas, antes de as empaparem na gasolina, o Spock gritou para o Adalberto e o Lucídio se afastarem, eles observavam da parte mais alta do barranco, correram para a área do pavilhão e se esconderam.
O zumbido aumentou quando o fogo foi aceso, a tocha produzia uma fumaça preta e as abelhas começaram a se afastar, os quatro brandiam as tochas na direção do epicentro, em breve saborearíamos o mais puro dos sabores do mel.
Quando o Viana já havia pego um favo nas mãos, houve uma reviravolta e um enxame atacou o Spock e ele começou a gritar soltando a tocha, os outros, tomados pelo pânico, soltaram tudo e correram, eu e o Ovinho ganhamos a dianteira e descemos correndo o bananal, atravessamos-o e caímos no fundo do teatro, haviam uns guris do 13 ali, nos viram correndo em sua direção e se assustaram, pensaram se tratar de um ataque vietnamita, gritamos:
_Abelhas.
E esses engrossaram a turma de corredores, perto dos buchinhos haviam mais guris, que passaram a correr também, já estávamos longe e as abelhas não desistiam, ganhamos a picada que fica acima da arquibancada da piscina, correndo ao lado do lago a turma já chegava a uns vinte guris, os guris grandes que tocavam violão na arquibancada, entraram no pelotão e nada das abelhas pararem, a colmeia toda estava no nosso encalço, quando vencemos a subida do bambuzal, percebi que na gola longa da camisa do Spock uma abelha maior que as outras jazia tranquila, já atravessávamos os paralelepípedos rumo ao gramado do Grupo Escolar e então eu gritei.
_Spock, tira a camisa.
Ele, que gritava das dores das ferroadas, batia no próprio rosto.
_. Tira a camisa, você está levando a rainha.
E passaram todos a gritar para o Valter se livrar da camisa, no meio da grama, a camisa dele ficou e toda as abelhas foram para lá.
Param todos os guris no jardim da frente da escola e passaram a contabilizar os prejuízos, eu havia tomados umas cinco ferroadas, nenhuma no rosto, o Ovinho havia tomado umas três, todas no rosto e parecia um personagem de filme de terror, foi difícil não rir da sorte do amigo, por umas boas meia hora ficamos ali conversando e rindo, saímos em 6 do 14 e fomos arrastando quem estava no caminho, haviam uns vinte guris agora e história para contar no recreio da segunda feira.
Pelo caminho de volta achamos a terra de formigueiro, molhamos com cuspes e cobrimos a feridas, coisa de índio.
Quando chegamos ao 14, o Lucídio e o Adalberto já haviam enjoado de tanto mel.

A castanheira


Definitivamente, eu gosto muito de árvores, meu hobby predileto é plantá-las, já plantei árvores em lugares absurdos da capital de Sampa.
Elas sempre habitaram a minha vida, antes do Educandário Dom Duarte eu já tinha essa paixão, na Casa da Infância uma enorme seringueira reinava absoluta no canto da quadra, a coisa que eu mais gostava de fazer era subir em sua copa, de lá, se podia ver uma grande extensão da avenida Nazareth.
Quando cheguei ao Educa essa paixão cresceu e virou amor, dificilmente, o leitor não irá encontrar, nas minhas narrativas, uma árvore.
Elas são grande parte da minha infância e, como tal, são amigas da minha infância.
Já contei da jaqueira da subida, do abacateiro da bifurcação, da araucária gigante do bosque, das uvalhas de trás do pavilhão e dos pinheiros que ladeavam a estrada do 12, me lembro que quando desembarquei no 14, em volta do prédio amarelo havia uma imensidão de árvores, acalmei o coração e me disse:
_. Ah, eu posso morar num lugar lindo assim.
Talvez alguns dos antigos moradores do 14, contemporâneos meus, possam ter esquecido dela e, eu posso entender isso, por vezes, ela causava revolta nos meninos.
Do lado direito do pavilhão, se estendia uma enorme área de terra vermelha batida, que vinha do barranco das uvalhas e terminava por trás da fileira de seringueiras, isso compreendia uns trinta metros quadrados, do lado de fora da rouparia, ela imperava, seus galhos eram fortes e grossos e se abriam para os lados, sua sombra dominava a área toda, incluindo a rouparia e o refeitório, em tardes de verão, ali sempre era o melhor lugar para brincar ou contar histórias.
O que revoltava os meninos era a obrigação diária de limpar aquele pátio, não pelo trabalho em si, é que a castanheira jogava constantemente a sua produção, as castanhas vinham ao chão, cada três ou quatro delas, envolvidas em uma proteção de espinhos, esses eram uma tortura para a pele, havia uma época do ano que essa área parecia um tapete marrom, de tanto espinho.
Em compensação, na época certa, a castanha que vinha dentro, depois de cozida, fazia toda a tortura valer à pena.

O Brasil é branco

7, em cada 10 brasileiros, descendem de negros.
No entanto, só 3, entre eles, tem consciência disso e, os outros 4
votam em gente branca, consequentemente, o congresso nacional é branco.
Nosso inimigo, somos nós mesmos.

Sem mi-mi-mi.


O "brasileiro" diz que não é racista, até que se sente lesado, nesse caso, o ladrão sempre vai ser o cidadão mais escuro, o culpado, a liberdade dada fez com que não nos indenizassem pelos 300 anos de escravidão e nos vestiu com o estigma do ladrão a ser preso.

A consciência de seu próprio crime.


Antes de pensar em consciência, o negro tem que despir-se da roupa de vítima.
E aceitar-se como o vilão de si mesmo, durante os séculos e séculos, ele se acomodou nessa posição confortável.
O branco não inventou a escravidão, ela já existia na Africa e, eram os próprios negros que vendiam seus irmãos.
Em algumas casas de cultura africana, a escravidão ainda é presente e, isso nada tem relação com os brancos, a escravidão faz parte da hierarquia.
O negro tem que assumir que, quem o massacra é ele próprio.
Pois o negro que vira cristão, não tem mais cor, o negro que se instrui se chama de afro-descendente, o negro que se politiza vira vermelho e o que enriquece fica branco.