sábado, 29 de abril de 2017

Seu Tinoco


Aprendi, muito cedo, que todo mundo tem histórias para contar, a pessoa que vive tem História.
  Sempre fui amante da história da humanidade, qualquer pessoa que andou sobre a terra, contribuiu, ainda que não saiba, para contar um pouco dela.
Acabei de me lembrar do seu Francisquinho, vô da Cristiane Idalia, que nas tardes ociosas de sábado, me contava das aventuras da juventude dele, envolvido no cangaço, na Bah
  Toda pessoa, que tenha uma idade avançada, tem várias histórias, então eu parava, ouvia e guardava e, por ser apaixonado pela matéria, procurava classifica-la no espaço-tempo.
Como eu disse antes, o seu Tinoco era mais conhecido pelo mau humor e por ser sovina, já que, as cadernetas de poupanças e o dinheiro da condução era com ele, dono de uma memória de elefante, sabia quanto, todo mundo devia.
  Tive o prazer de ver o Tinocão encostando o diretor(Domingão) na parede, pra cobrar-lhe o que devia.
Como eu disse, era um contador à moda antiga, de lápis preto e livro caixa, tirando alguns textos que ele ditava, pra constar dos autos, o resto eram historias e fotos antigas, contava do tempo que a avenida Heitor Antônio Eiras Garcia, nada mais era que, uma trilha de tropeiros e que, foi por essa picada, que chegaram as armas que foram usadas pelo regimento avançado de Pinheiros, vindas do Paraná, na briga contra a ditadura de Vargas.
Dentro de uma escrivaninha, havia um fundo falso, dentro deles centenas de fotos, quando ele contou a história da primeira foto, as outras foram brotando, cada dia uma, as vezes, uma foto dava história pra 3 ou 4 dias, "histórias de um coração que, se fechou"...Ele gostava de contar, meu mundo enriquecia à cada narrativa e, ele era minucioso, nas datas e nas sensações, como se revivesse tudo.
Uma certa manhã, achei uma foto, desses fotos comuns dos anos 20, a clássica foto de moça com chapéu, decote de babado e broche no peito, a moça era de uma beleza tal, que o retrato se sobressaía no monte, peguei a foto e a coloquei na mesa, ao vê-la, o olhar se perdeu, foi a primeira vez, que eu o vi pesaroso e frágil.
Contou de uma menina, que estudara com ele e um amigo, os 3 fizeram o colégio e o curso técnico, numa Universidade de nome, ele e a moça estavam de casamento marcado e iriam pro Acre, cuidar de seringais, estavam no Boom da borracha.
  De repente os 2 fugiram, casaram-se e foram para a selva.
No fim da narrativa, seus olhos estavam marejados e eu estava indignado:
_. Pô, seu Tinoco...está aí uma história que eu não precisava ouvir, deprê.
Fiquei triste, como quem havia descoberto a raiz de tudo.
  Vendo a minha tristeza, ele tocou a mão no meu ombro e disse:
_. Fica triste não...eu não estou aqui???
_. Sim.
_E então, tem 50 anos que esses cachorros morreram de tifo, no meio da selva Amazônica.
E desatou a rir de mim.
  _Você achou que eu fosse ranzinza por conta disso???
  _Sim, claro.
_. Faço cara feia, para ninguém me pedir dinheiro.

O Francisquinho.


É claro que houveram tempos difíceis, em que a Osvaldão foi assolada pela violência e nos afligimos, vendo tiroteios à luz do dia, no entanto, isso compreende um curto espaço de tempo e a rua voltou a ser o que sempre havia sido, uma rua de paz.
Era habito dos moradores, sair para conversar na rua, algumas mulheres punham as cadeiras do lado de fora e, enquanto colocavam os papos em dia, cuidavam de suas crias, que jogavam bola ou bolinha de gude.
Por essa época, eu trabalhava à noite, aos fins de semana peguei o habito de descansar numa placa de concreto que ficava bem na frente da minha casa, debaixo e, à sombra da minha paineira.
Sempre tive o dom de ouvir e, sempre fui recompensado por isso.
Por esse tempo, conheci o Francisquinho, pai da dona Maria, que é mãe da Cristiane Idalia e dos gêmeos Cosme Teodoro e Dam Santos, em quase todos os sábados e domingos ele vinha pra prosear comigo, se eu não estivesse em frente de casa, ele batia palmas e gritava:
_Seu Mirtu está em casa???
E eu já saía reclamando:
_Pô Francisquinho, se vai falar meu nome errado, pelo menos fala Nirtu.
Então ele fazia uma cara de moleque gaiato, que fazia lembrar o seu neto Terê e caçoava:
_Esta não, seu Mirtu, esta não.
Apesar da idade avançada, enquanto contava suas histórias e anedotas, gesticulava com a rapidez de um jovem e, quando eu oferecia um lugar a meu lado ele se recusava, ele tinha que fazê-lo em pé, de frente pra pessoa que o ouvia.
Geralmente coisas de sua terra Ipiaú na Bahia e todas ligadas às pessoas de lá e ao cangaço.
Na verdade o cangaceiro Paulo Silvino nunca chegou a invadir a cidade, todas as histórias giravam em torno da expectativa e essas narrativas datavam do tempo de sua infância, eram portanto, as memórias de uma criança.
De tanto me ambientar nas narrativas, virei um especialista no assunto e as vezes ele começava:
_Chico da Zélia, lá vinha montado em seu cavalo...
E eu perguntava:
_Qual, o filho de Mané Filó???
_Esse mesmo, seu Mirtu, esse mesmo.
Isso, acontecia em todos os sábados e domingos e, quando a tarde se fazia noite, ele olhava pro lado de sua casa e se despedia.
Boa noite seu Mirtu, a gente proseia outra hora.
Grande alma que, uma pessoa só poderia conhecer na rua Osvaldão.

Um segredo.


Coisa que nunca contei pra ninguém na infância e´que, por muito tempo guardei pra mim, é o fato de ser portador de transtorno obsessivo compulsivo, mais conhecido por TOC, são pessoas que, entre outras esquisitices, repetem os mesmos gestos até a exaustão, com o tempo e sem ajuda profissional, aprendi a superar grande parte disso.
Então, imagine a minha angustia, dentro dum pavilhão com o piso todo quadriculado e, eu, só podendo pisar nos quadrados marrons.