sexta-feira, 4 de agosto de 2017

O tempo emoldura.


A evolução é parte da natureza humana, tudo o que se vive, tudo o que se aprende, ficará guardado na memória.
Evoluir é tocar à frente, você jamais será aquilo que foi no passado, mas, sempre restará a memória de tudo.
Não, não são antônimas, a evolução e a memória, são apenas passageiras de aventura e, por vezes, caminham juntas.
Muitas paisagens hão de desaparecer e as pessoas vão, inexoravelmente envelhecer, essa é a força da evolução.
A memória pode trazer ambos, pessoas e paisagem, juntas, como eram no passado.
E, se envelhecer te fez cínico e descrente do que virá, lembrar dos fatos, com a cabeça de uma criança, será uma boa coisa a se realizar.
Todas as pessoas que passaram pelo meu caminho, contribuíram para a minha obra, a obra de viver, posto que, o meu passado e o meu presente me pertencem, essas pessoas são personagens dessa obra e, sempre agradeço a honra de tê-los conhecido...o que virá daqui por diante, pertence a Deus.
Então, direto da minha memória, ainda sem a evolução, mais dois personagens queridos e importantes.
Nas manhãs geladas de junho a cerração escondia a igreja, olhando da parte leste do pavilhão 14, nem se podia avistar o pavilhão 16, que estava uns 10 metros abaixo, acima dos pinheiros da estrada do 15 só se via uma névoa branca.
Do lado oposto, a horta do Japonês amanhecia branca, uma camada de gelo por cima da plantação, descer por esse caminho para alcançar a olaria era impossível, a terra vermelha se transformava em lama, uma descida íngreme findava no lago da olaria, isso não convinha às pernas do Lucídio.
O melhor caminho era a estrada do 12, apesar de o Lucídio ser mais velho, eu cuidava dele, suas galochas Verlon arrastavam nos pedriscos da estrada e ele sempre cantava, fizesse sol ou chuva, o neguinho Lucídio cantava, à medida que ele caminhava, as pedrinhas eram levantadas, numa pedra maior ele tropeçava e ria do infortúnio.
Apesar de ter entrevamento dos joelhos e, isso o impedisse de levantar os pés como todo mundo, ele nunca se lamentava, sorria com seus dentes perfeitos e muito brancos.
O Lucídio era do mesmo signo do Zabé, aquele tipo de pessoa que, mesmo que o ambiente e as circunstancias sugiram, são incapazes de fazer ideia do que seja maldade.
Mais à frente, terminava o mandiocal do 12 e começava o milharal do 11, o neguinho ficava parado no lado oposto da estrada, ainda cantando, eu me enfiava no mato e voltava com os braços carregados de espigas de milho, mais à frente encontrávamos o amigo Jacaré.
Passando pelas casas dos funcionários, que margeavam o grande lago, uma pontezinha de tronco dava acesso ao forno da olaria, nessa época do ano, esse era o melhor lugar do mundo para se estar.
Sempre se podia ver o seu João Matos com seu olhar melancólico, ao nos ver, sempre abria um sorriso e dizia:
_Dia.
O cheiro forte de óleo Diesel se confundia com o odor agradável do cozimento dos tijolos, quase sem qualquer dialogo, eu entregava as espigas ao seu João e sentávamos por instantes numa pilha pequena de tijolos, o amigo abria a garrafa de café, punha a metade de um copo e nós a dividíamos, o Jacaré já havia achado um lugar quente e se deixava ficar por lá.
Depois, eu e o neguinho íamos para a olaria, o seu João e os filhos trabalhavam por ali mesmo.
Na hora do intervalo, nos dirigíamos ao forno, o amigo já havia assado o milho, mais café e, como o seu João não era muito de falar, eu e o Lucídio o fazíamos rir.
Para nós, era inaceitável que ele não falasse nunca, o seu João tinha a voz igual à de um narrador esportivo, muito famoso na época, o EDEMAR ANNUSECK, da Jovem Pan.