quinta-feira, 2 de março de 2017

O Pingo.


Muito se engana, quem pensa que a Osvaldão termina na casa do clã dos Borges de Minas, a família do Alemão e do Wallace, na verdade, ela só termina na rua do Balão.
Não obstante, a comunidade, compreendia a área desde a esquina do Zé Luís até a casa da Japonesa, dali em diante, era outro universo.
Esse mundo, a que me refiro sempre, era povoado de pessoas que, diferentes entre si, eram iguais. Onde a pernambucana família do seu Manoel e o Zé Mineiro eram vizinhos de porta e velhos conhecidos, a Eva dava gritos com o filho Carlinhos e, se podia ouvir em toda extensão da rua e, o Rubinho, que puxara carroça a infância inteira, agora era uma das atrações da rua.
O Corcel 2 do Nelcindo Diniz era o ponto de medida do meio da rua e, dessa medida se podia ver o fim dela, atrás dos carros do Ailton Pedrosa.
Era uma rua marcada de personagens ricos, o que dizer do velho Dila, que tinha um passado nebuloso no crime e, recuperado, era uma das pessoas mais respeitadas da rua, não pelo passado, mas, por ser palhaço mesmo.
Em certa época, mudaram-se para o sobrado do irmão do Velhinho, um casal sensacional, eram a dona Deodata e o seu Irineu...estranho, nunca me vem à memória o seu Irineu vestindo uma camisa, sempre me lembro dele sem a camisa, tenho a impressão de que, no inverno, ele não saía de casa.
Deixa lá, era um casal muito amável e a filha Nice e, não podia ser diferente, era a própria definição da simpatia, dir-se-ia que, essa família caiu como uma luva nesse universo particular e, ainda havia aquela netinha deles, uma que ainda pequena, já usava óculos.
Marcante, era o sorriso do casal, marcante também era a fúria do Pingo, além da família, havia na casa um casal de cães, enormes eram os cães, o macho feroz atendia pelo nome de Pingo.
O Pingo povoava os pesadelos dos meninos e adultos da rua, de quando em quando, ele jogava as enormes patas na grade e, ela parecia que, a qualquer tempo, iria ser derrubada. O seu Irineu descia e acalmava o bruto.
Entre as habilidades que o Rubinho dominava, estava a capacidade de imitar o latido dos cachorros, sempre que passava na frente da casa, latia ...em resposta, o Pingo ficava mais furioso e balançava as paredes.
Não era raro, aos domingos, todos saíam para a rua e a Osvaldão parecia um tapete de retalho, mulheres conversando, velhos em suas prosas e crianças a brincar, muitas crianças mesmo.
Não sei se, finalmente o Pingo conseguiu arrebentar a grade ou a dona Deodata não trancou o portão, só sei que o Pingo estava na rua, em centésimos de segundos a rua ficou vazia, todos dentro de suas casas ou a espreitar pelas frestas das cercas, da minha, eu olhei a cena, o Pingo cheirava o ambiente, parecia procurar as crianças que a poucos faziam o alarido.
Contrariado, a fera olhava em volta e não achava ninguém, olhou na direção do muro do cemitério, quem sabe haveriam algumas crianças por lá e foi naquela direção.
O Rubinho que estava no bar da dona Maria Baixinha, queria evitar que o Pingo fosse para rua e, talvez pudesse ser atropelado, fez a única coisa que lhe pareceu lógico naquele momento...latiu.
O Pingo que já estava quase chegando na João de Lorenzo, parou e foi na direção do autor dos latidos, eu pensei:
_. Esse é o fim da carreia de palhaço do Rubinho.
Qual nada, o Rubinho não teve medo, ficou ali mesmo. O Pingo sequer mostrou hostilidade, ficou ao lado dele e aceitou o carinho, o Rubinho se ajoelhou e o abraçou, encorajados, os meninos saíram de seus esconderijos e se somaram ao cachorro que gostava de crianças.
Quando o seu Irineu se deu conta do ocorrido, teve que, constrangido, tirá-lo das garras dos meninos.

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