sábado, 6 de maio de 2017

A conduta.


Se diz que, "tudo o que aqui se faz, aqui mesmo se paga", sempre acreditei muito nisso, portanto, sempre semeei a paz, na esperança de a colher mais tarde.
Não fique o leitor enfadado, pensando que vem por aí uma história de conteúdo espiritual, cheia de mi-mi-mis com fundo religioso, não...só vou contar uma história com dois tempos, para mostrar que a conduta certa tem, no final, suas compensações.
Continuando a estrada do pavilhão 14, cerca de uns 800 metros mais, se chegava ao Cenáculo, os mais antigos o chamavam de pavilhão 25 e, eu nunca entendi o motivo disso.
Nesse prédio, viviam as freiras e as noviças que praticavam a caridade e acredito que, ainda hoje o fazem.
Era muito comum, por aqueles tempos, essas amaríssimas mulheres, distribuir cestas de alimentos às pessoas necessitadas e enxovais para os bebês que estavam por chegar e ministravam cursos também, por conta disso, vários moradores dos arredores do Educandário Dom Duarte, aos fins de semana, procuravam o auxílio das freiras do Cenáculo.
Como eu disse, para se chegar à caridade das freiras, fazia-se necessário o uso da estrada do 14, parte dos meninos desse pavilhão achavam que a estrada lhes pertencia.
Bom, a Tereza não era uma menina comum, tinha um quê de beleza sim, no entanto, se vestia feito moleque e brigava também, tal e qual um moleque.
O parceiro e fiel escudeiro dela, atendia pela alcunha de Muçum, era escuro feito a amiga e tão boca suja quanto, uma pessoa que não reparasse bem, pensaria que se tratar de dois guris.
Quando passavam pela estrada, geralmente acompanhados de algum adulto, devolviam os palavrões que os internos lhes impunham e, quando desacompanhados, passavam correndo e provocando, na volta, eles usavam o caminho da igreja.
Eu nunca concordei com essa besteira de propriedade e, quando os meninos do 14 programaram uma armadilha, eu disse que não participaria, a minha opinião contava pouco e, à minha revelia, foi planejada a vingança.
No sábado combinado, os internos ficaram escondidos no bosque à espera das vítimas, eu fiquei no barranco das uvalhas, bem em frente ao pavilhão, não participaria, mas, teria uma visão privilegiada da contenda, como cabe à todo bom historiador.
Eram mais ou menos duas e meia da tarde, quando a Tereza terminou a subida da jaqueira e apontou na estrada, pude vê-la e ao Muçum, eles vinham com os olhares preocupados, pressentindo mesmo o perigo, dessa vez, porém, eles tinham companhia.
Havia com eles um guri menor, se a dupla tinha uns 12 anos, como era a nossa faixa etária, o guri branquinho e magrinho aparentava uns nove, dez anos, no máximo.
Quando o trio chegou à curva da estrada, na bifurcação que faz divisa com o lar 17, os internos saíram de seus esconderijos e os surpreenderam, alguns tinham torrões nas mãos, outros carregavam paus, contava-se sete contra os três, pulei do barranco e fiquei no meio:
_Opa, no pequeno ninguém encosta a mão.
Peguei o guri pela mão e, diante dos olhares de reprovação dos amigos, levei-o para o barranco.
Lá de cima, pudemos ver a maior comédia de todos os tempos, a Tereza, dava raquetadas feito gente grande, o Muçum se entregou fácil, mas a Tereza dava socos, pernadas e cabeçadas e, com as punhos fechados à frente da cara, chamava os meninos pro pau.
Quando parecia que a menina já estava cansada, ouve-se um barulho vindo da direção do 12, era um barulho característico de motor de fusquinha 1300, imediatamente os meninos do 14 somem no mato, o menino que estava comigo e, juntamente com os dois que brigavam, aproveitam e saem correndo.
Haviam duas opções, podia ser o carro do irmão Domingo ou o fusquinha do seu Odilon e,  quando o carro aparece, não era nenhum nem outro, era o padre Eduard, o americano.
Meus amigos não me quiseram mal por conta disso, todavia, eu fiquei uns meses rindo deles, sempre que eu ouvia um desaforo, vindo deles, batia no peito e dizia:
_. Pelo menos, eu nunca apanhei de menina.
Isso, meus caros, se deu no ano de 1979, pegue o calendário e vire as páginas rápido, só pare quando se passarem três anos, pronto... o ano agora é 1982.
Ainda somos amigos, só não somos mais crianças, não brigamos por conta de estradas, não somos mais os “Índios do 14”, pelos arredores do Educa, somos conhecidos por “Neguinhos do Educa”.
A Tereza agora é uma mulher linda, dança rock samba, é levada com uma habilidade sem igual, as largas ancas, a boca carnuda e o colo avantajado, não lembram nada a aparência quase masculina que ela ostentava no passado e não briga mais para passar, sua formosura lhe garante passe livre em qualquer caminho que ela queira e, por ela, os selvagens se atracam, agora é chamada de Tereza Aragão, por conta do sucesso do Jorge Bem.
Quando vi a Tereza num baile, morri de rir dos amigos, mas ela nem se lembrava daquele episódio, para a sorte dos amigos.
A primeira vez que estive na casa da Ângela Camargo Victorino, havia acabado de lhe propor namoro, recebi um sonoro NÃO, fiquei meio desanimado, mas não ia me entregar fácil mesmo, do lado de fora da casa dela encontrei um rosto conhecido, o rapaz me disse:
_. Hei, você não é aquele cara que me salvou no Educa???
Relembramos a cena e demos boas risadas, disse que era irmão da Ângela e que me devia muito, um dia iria pagar.
É claro que prontamente eu respondi:
_E para pagar é muito fácil, está vendo a sua irmã???fala bem de mim para ela.
Bom, aquele molequinho virou tio dos meus filhos.

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