segunda-feira, 8 de maio de 2017

Meu melhor amigo. (Parte primeira)


  . Quando cheguei à Casa de Infância do Menino Jesus, em 1970, tinha 4 anos de idade e, antes, passei um ano no Instituto Sampaio Viana, meu irmão fora deixado numa maternidade, pois era ainda de colo.
  Da copa de 70 me lembro pouco, passei o ano todo aborrecendo as freiras para que elas dessem conta de trazer o meu irmão.
  . Numa tarde, a madre Brasil me levou para a portaria, dizendo que a partir daquela data ela iria poder dormir tranquila, na portaria estava o meu irmãozinho, que nem idade tinha para estar lá, acabou virando o xodó das freiras e das moças.
  Hoje eu sei que, se não fosse isso, ele teria sido adotado por alguma família, provavelmente jamais nos veríamos de novo.
  Mas, nesse primeiro ano conheci o Fernandinho, que tinha o apelido de macaquinho e, em termos de natureza, era o oposto de mim.
  De pequena estatura, tinha mesmo a habilidade de um primata, subia na tela do pátio e pulava pro lado dos mais velhos, provocava uma briga e voltava rindo, antes mesmo que as moças se dessem conta do que havia acontecido.
  Eu era retraído e contemplativo, sentava na beira da alvenaria da piscina e ficava olhando os meninos brincando na gaiola, logo vinha o amigo com duas espadas feitas de jornal na mão e dizia:
_Essa é a sua, vamos tirar os piratas do nosso navio.
  Cruzávamos as espadas e corríamos em direção à gaiola, digo, navio...e assim, começava mais uma guerra.
  Por sermos tão amigos, juntos, formávamos uma pessoa só, na hora das broncas os nomes vinham sempre juntos, como se Nilton e Fernandinho fossem nome e sobrenome de uma pessoa.
  Nas horas de recreio, quando o recreio era na quadra, assim que a Cinira se distraia, subíamos na seringueira e sentávamos em seus longos galhos, olhando a avenida Nazareth, ficávamos apreciando os carros que passavam:
_O vermelho é meu, o azul é seu...e, se o carro fosse um DKV, era sempre do outro.
  Ficávamos ali por muito tempo mas, assim que a moça percebia a nossa ausência, vinha pro pé da árvore e passava a gritar o nome e sobrenome e o castigo era certo.
  Sempre dividíamos os castigos, numa tarde de inverno, para que a paz reinasse entre os meninos, a Margarida nos deixou de castigo naquela salinha que ficava no canto esquerdo da quadra e trancou a porta, passamos pela janela e, descobrimos que ela dava no fundo do teatro, exatamente embaixo do palco.
  Todas as roupas, as fantasias e instrumentos usados nas peças faziam daquele canto mal iluminado um país de sonho, depois disso, fazíamos sempre bagunça à espera do castigo.
  Além dos castigos, dividíamos as cintadas e, é claro que, não podia ser diferente, sempre que um via o outro chorando, desandava a rir.
  Um dia a Olga resolveu nos repreender no lavatório, levantou o chinelo e partiu em nossa direção, com largo espaço, cada um correu numa direção, batia na parede e voltava na direção oposta, a Olga corria para um lado e, não conseguia pegar e partia para outro.
  Com o chinelo levantado, tentava alcançar os meninos e nada...os outros meninos viam tudo da porta do dormitório e riam muito.
  A Olga que era muito branca ficou vermelha e arfava de cansada, os meninos continuavam a correr e a pular com o apoio da torcida, a Olga se deixou cair no chão e gritou:
_. Vão embora, suas pestes.
  . Na festa de São João, fizeram do mastro da bandeira da quadra, o pau de sebo.
Se subir numa árvore já é difícil, imagine subir num ferro besuntado, na ponta havia um enorme saco plástico cheio de brinquedo e milhares de doces.
  Eu nem tentei, os adultos e as crianças se revezavam na tentativa, perguntei para o Fernandinho se ele não ia tentar, ele deu de ombros e disse que depois iria, sem pressa.
  Como tínhamos tíquetes pra gastar na festa, fomos comer e brincar nas barracas, de quando em quando uma pessoa se arriscava a subir e o mesmo resultado...nada.
Assim que se acabaram os tíquetes o Fernandinho me disse:
_Vá e fique na gruta.
   Disse isso e partiu na direção do pau de sebo, assim que todos viram que ele iria tentar subir, fizeram um cordão humano em volta, eu que já sabia o que ia acontecer, fiquei fora do cordão e rindo, por antecipação.
  O Fernandinho pegou um saco de estopa e amarrou-o na cintura, com a habilidade que justificava o apelido, subiu num lance só, lá em cima pegou o enorme saco e o segurou no ombro, com a outra mão soltou a estopa e a jogou nas penas, pra que o sebo não as sujasse, escorregou.
  Ao chegar no chão, viu que todos o rodeavam, todo mundo queria um pedaço da glória, correu, todos o seguiram em direção à lavanderia, quando todos chegaram na porta de vidro, iniciou uma corrida na direção oposta, rumo à rampa da portaria, na entrada da portaria jogou o saco no jardim e se jogou, quando as crianças que o seguiam não o viram subiram a rampa que levava ao refeitório, cá embaixo nós nos acabamos nas guloseimas e dividimos os brinquedos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário