domingo, 11 de junho de 2017

O bullying.



 
  Nessa história, vou omitir um nome, o nome do valentão, entendo que seus filhos e netos não merecem ler e saber, que ele praticava uma coisa tão hedionda, só vou dar uma dica pros meus contemporâneos, ele era interno do pavilhão 20.
  O padre Paulo foi um dos personagens mais contraditórios da minha infância, trabalhava para o sistema e pregava a subversão... É, eu nunca entendi mesmo a posição política do padre cearense, que era o titular da paróquia da Consolação.
  Esteve atuante na diretoria dos "Irmãos", sobreviveu às reformas e continuou com a dona Camila e, depois da deposição dela, assumiu o posto e foi o maior responsável pela humanização no trato dos internos e, feito isso, foi embora.
  Em 1977 eu entrei no Educa, no grupo escolar, eu era da turma dos mais novos, tinha 10 anos e, um pouco maior que a maioria dos meninos dessa idade, isso dava aos maiores, a impressão de mais velho e, isso me livrava de ser vítima deles, a tal da "lei do mais forte".
  A mesma sorte não tinha o Josué Barbosa do 12, que tinha o apelido de Batata, não por ser loirinho feito o guri do 14, esse era pelos olhos estufados para fora, diziam que seus olhos lembravam batatas e ficou Josué batata, mais um que, era oriundo da Casa da Infância do Menino Jesus, meu antigo orfanato.
  Nessa época, o padre Paulo fazia, em hora de recreio, palestras de bom comportamento para os internos, além de acabar com a nossa hora de recreação, ali no pátio, ele discorria sobre assuntos bem desagradáveis, falava de coisas erradas que fazíamos e, até de troca-trocas, que alguns meninos tinham o habito de praticar pelos matos do Educa.
  Cara, havia um monte de meninas ouvindo essas sandices, era mesmo sem noção, aquele cabeça chata.
  A aula de religião também era ministrada pelo eclesiástico, que tinha diploma de professor da Universidade Federal do Ceará, sempre pregava a união das pessoas, enfocava mesmo na questão, de um jeito bem comunista, fazia questão de enfatizar que só a força da união poderia mudar o estado das coisas, Dias Gomes o descreveria, naquele tempo, de "Padreco Vermelho".
  Sempre juntos, eu, o Batata, o Dooley, o Valdir, o Djalminha e o Edson Fuscão, no pátio, do lado oposto dos banheiros, existe as paredes janeladas de uma sala, um corredor curto e outra sala de frente, isso forma um meio quadrado ou um retângulo, um espaço de 5 por 3 metros, se muito, o acabamento das paredes lhes dá um beiral, esse beiral era nosso banco, quase o horário de recreio todo, passávamos sentados ali.
  Ainda que fosse proibido, alguns alunos jogavam uma bola dente de leite no pátio, um deles, o dito-cujo, chutou a bola e atingiu o rosto do Batata, que usava um óculos de hastes marrons, evidente que o Batata não gostou, pegou a bola na mão e, como se fosse um goleiro, soltou-a no ar e chutou com toda a força que podia, a bola ganhou grande altura e subiu para o telhado, todo mundo que estava no pátio ficou na expectativa da volta dela e...ela não voltou.
  Esse, que tinha o habito antigo de ser valentão e tinha 15 anos, mesmo a bola não sendo dele, gritou para o Batata:
  _8 e 15, moleque. Traduzindo da língua educandariana, isso queria dizer:
  _. Vou te pegar na saída.
  O Batata entrou em pânico e, não era para menos, vá o leitor ver um guri de 10 anos, junto de outro de 15 anos, nunca haverá equilíbrio na contenda.
  Nunca acreditei em cabeças coroadas, vendo o Josué em eminente perigo, uma revolta cresceu e eu me levantei.
  _Não tem oito e 15 nada, isso acaba agora.
  No mesmo instante que eu me levantei, o Dooley se levantou, se eu pulasse num abismo teria a companhia dele, o Fuscão fez o mesmo e, só ficou o Batata sentado com medo de tudo, não teve outra alternativa que não a de nos acompanhar.
  O dito cujo ficou no meio do pátio com cara de desdém, apoiou as pernas abertas no chão e ria, não daria trabalho nenhum àqueles pivetes.
  Gloriosamente, ele resistiu uns 3 minutos, o Fuscão o atingiu com um cruzado de esquerda, quando caiu, fora nós, uns oito ou nove meninos aproveitaram para “tirar as broncas”.
  O que não evitou que fossemos apontados como os autores do tumulto, na sala da diretoria, o padre Paulo, ao fazer a pergunta crucial, a fez olhando pra mim:
  _Quem começou tudo isso, Nilton?
  Os outros meninos desviaram os olhares, diferente deles, eu gostava de desafiar o padre e o encarei, apontei-lhe o dedo:
  _Foi o senhor, quem começou tudo.
  Abismados, os meninos e o padre olharam pra mim, tranquilamente, eu disse:
  _Quando pequenos se juntam, não existe um grande que ouse enfrentá-los, aprendemos isso na aula de catequese.
  Os meninos riram, pela primeira vez na vida eu vi um homem preto ficar vermelho, primeiro veio à cólera, quando as minhas palavras fizeram sentido, ele foi se acalmando e voltando a sua cor normal, como quem guerreia consigo mesmo.
  Levantou-se da cadeira e nos deixou, saiu pra não explodir, ficamos saboreando nossa vitória, não a contra o valentão, dobrar um adulto letrado é uma gloria, quando se tem 10 anos.
  Voltou uns vinte minutos mais tarde e, nos mandou embora e, nunca mais falou a respeito.
  A última notícia que tive do Fuscão foi que ele era treinador de boxe no clube do CMTC.
  O Batata foi a primeira pessoa que eu soube que se converteu ao protestantismo.
  A última vez que vi o padre Paulo, ele estava no meio de uma multidão... no comício da Diretas Já.

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