quarta-feira, 5 de julho de 2017

No caminho da escola.



 
  Quando o grupo escolar do Educandário Dom Duarte foi fechado para reformas e os internos foram transferidos para o Attiê, esse era o ano de 1978, só foi trocado o local da baderna, para chegar na escola se fazia necessário uma boa caminhada.
  À princípio, todos seguiam a estrada da horta, beirando o lago do 24, se seguia uma estrada de barro que tinha do seu lado esquerdo a horta do Japonês e do direito uma plantação de mamonas, paralelamente à avenida Eiras Garcia, ao contrário da avenida, essa estrada tinha uma leve inclinação e os internos chegavam pelo fundo da escola.
  O colégio tinha uma grande área geográfica, seus pavilhões eram distribuídos de forma aleatória, em alguns caso, a distância de um pavilhão a outro não se fazia em menos de 40 minutos de caminhada.
  E então, meninos do 20 ficavam parados no grande Carvalho da encruzilhada, para esperar a turma do 11, nesse meio tempo, outras turmas se juntavam ao bando e partiam pela estrada, na hora da volta, o processo se repetia, ficavam esperando o grupo crescer do lado de fora da escola e iam de volta para os pavilhões, geralmente, fazendo guerra de mamonas ou cantando, na encruzilhada do Carvalho, cada turma seguia o seu caminho.
  À certa altura desse tempo, a Eiras Garcia foi pavimentada e a ordem nova era que todos tinham que ir para a escola por esse novo percurso, agora, o caminho tinha que ser pela portaria do seu Felipe e seguido pela calçada que beirava a avenida, e a espera agora se dava na frente da portaria, quando a turma estava grande, partiam todos para a escola nova.
  Mas, todos sabem que muito menino junto sempre dá o que não presta.
  O seu Valdemar era sapateiro e morava quase vizinho ao Educa, alguns meninos associaram os sapatos à carne e perguntou para o homem se ele vendia carne, o homem era bruto e respondeu à altura:
  _Carne é a puta que te pariu, seu filho da puta...
  A reação dos meninos foi imediata, muito riso e em seguida veio a galhofa, daquele momento em diante, os meninos passavam pela sapataria e gritavam:
  _"Carne." Até o homem aparecer, quando ele aparecia, gritavam em couro e corriam para o Educa.
  Já cansado de ser atormentado pelos guris, um dia armou-se de uma garrucha e ficou esperando, quando os meninos passaram, brandiu a arma no ar e mandou que eles gritassem, se tinham coragem.
  Ouve um silêncio, os meninos enfim tinham perdido, o seu Valdemar falou poucas e boas, os meninos ouviram em silêncio, silêncio coagido.
  Certo da vitória, o seu Valdemar entrou na venda, depôs a arma embaixo do balcão, a turma estava lá, parada com o sol em seus rostos.
  Com a sensação de quem havia vencido uma guerra, o homem jogou os cotovelos no balcão e olhou para o céu.
  Ao vê-lo, agora desarmado e com ar de paisagem, riram, gritaram "CARNE" e correram para a portaria.
  E, toda essa bagunça eu não participei, só fui testemunha, o seu Valdemar era o pai da minha grande amiga Verônica.

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