domingo, 14 de maio de 2017

Paz, em tempo de guerra.




  . Todo mundo sabe da minha paixão pela Alessandra Zaffani, que arrasto 10 caminhões ou mais pelo seu sorriso, ora... todo mundo sabe disso.
  . Não essa paixão carnal e mundana que, se sentem atraídos os homens pelas mulheres.
  Meu carinho pela linda moça é espiritual, quando a vi pela primeira vez, senti que já a conhecia de vidas passadas e, ainda que minha alma pulasse de alegria, meu cérebro só conseguiu produzir uma frase:
_Essa moça tem que vestir o azul sagrado do meu Dínamo.
  Dona de um sorriso hipnotizador e olhos castanhos quase verdes, a menina foi um prelúdio num tempo caótico, como se, no meio de todo horror da guerra, alguém se sentasse em paz, para ouvir uma linda canção.
    Já despontava o escrete feminino do Dínamo, como um grande time, a Osvaldão já nos havia dado a goleira Ângela, a irmã Arlete Sales, a Adriana Dourado e a Diana, de lá do lado das Tintas Wanda vieram a Mazé, a Cacilda e a Tânia, da COHAB Raposo vieram as irmãs Clemente... Edcléia e Sandra e meu amigo Francisco do Palmeirinhas mandou as guerreiras do Jardim João XXIII, a Viviane(Rincón), a Sandra Ambrósio, a Mirna e a Adriana Chin., muito poder de fogo e uma torcida fiel, em qualquer lugar que se fosse, éramos bem recebidos.
  A ânsia de crescer gerava o desconforto de ganhar sempre e isso gerava um conflito interno, aos poucos, foi-se perdendo a ternura, faltava-nos algo que não conseguíamos identificar e a coisa crescia.
  Integrante da comissão técnica, o Júlio Martins (Shêpa) disse que havia um time na COHAB Educandário e marcou um jogo contra, o Joel, velho rival dos jogos do infantil comandava as meninas.
  Havia chovido no sábado de manhã e, de tarde, o campo do Palmeirinha não podia ser usado, subimos pro campo do Estrela que ficava ao lado deste.
  Nunca fomos bem recebidos nesse campo e, por conta disso, eu sempre ficava irritado, no campo se ajustavam, o Dínamo em seu uniforme todo azul da Zanetti e o Atlético da COHAB, que vestia branco com detalhes em vermelho e, o que chamava a atenção era a beleza de algumas das jogadoras do outro time e geralmente com esses times, a goleada era inevitável.
  Quando a menina vinha com a bola na mão pra cobrar o arremesso lateral, ficou de frente comigo e deu-se o desmantelo.
  De súbito, a irritação deu lugar ao contentamento e a paz, feito quem vê uma alma conhecida.
_Shêpa, essa moça... quem é?
_Essa é a Alê, minha amiga, estuda no Educandário Dom Duarte e mora no meu prédio.
  Nos dias seguintes, virou uma obsessão tê-la ao meu lado e lancei mão de recursos não ortodoxos para isso.
  Tive informações de que o Joel estava se tornando viciado e, tendo dinheiro pra comprar um uniforme novo na loja, usei-o para comprar todos os uniforme do Atlético e, pra falar a verdade, o Dínamo nem carecia de uniforme novo.
  Com dinheiro na mão e sem roupas, o técnico se desfez do time e, como era o meu plano, o Shêpa assumiu o comando das meninas.
  Aos poucos, as meninas da COHAB Educandário passaram a integrar o elenco do Dínamo Futebol Arte... paz se fez, o time agora era poderoso e lindo.
  A moça de lindos olhos castanhos, quase verdes, agora embelezava o azul sagrado do meu Dínamo.

"Porque Cosme é meu amigo"...




  Na igreja católica, nessa data, comemora-se a festa dos santos que eram crianças e, em religiões de matriz africanas, faz-se o mesmo.
  Lógico que tenho noção de que grande parte das pessoas que moraram na Casa da Infância, não são mais católicas.
  Cabe a cada qual, seguir o que é do seu agrado e, longe de mim julgar a vontade alheia, a vida não me deu pedras, deu-me a tolerância.
  A tolerância quem me deu mesmo, foram as freiras da Casa da Infância do Menino Jesus.
  Puxando a memória, posso ver, misturados, véus brancos e turbantes, hábitos e batas, crucifixos e colares de contas...tudo isso na mesma cena.
  Em dia de Cosme e Damião, as freiras se aprontavam com roupas de gala, os meninos vestiam a roupa da Liga e subiam na Kombi do seu Paulo e, na minha memória sempre vem o maior exemplo de tolerância religiosa da minha infância.
  Num terreiro, que eu não me lembro o endereço, doces eram servidos aos meninos por filhas de santo gentis, enquanto o atabaque marcava o tom da festa.
  Claro que os salgados e doces marcaram, porém, a coisa mais linda era o vento que trazia a primavera, que batia nos vestidos das mulheres presentes e, os panos brancos esvoaçavam iguais, mostrando que Deus é o mesmo, independente da religião que professem os seres de cores diferentes.

sábado, 13 de maio de 2017

A lei das mães




É costume de muitos, dizer:
  _ "Na minha época é que era bom"...
  Eu não digo isso nunca, entendo que a minha época é agora, posto que, ainda vivo e sou feliz.
  Mas, filosofias à parte, vivi a minha adolescência e começo de juventude nos atribulados anos 80, quando nasceram os sons atuais, logo após as contestações e delírios do amor livre e a utopia da liberdade que as décadas anteriores anunciavam, é claro que, era gostoso se viver nessa época, mas era perigoso também.
  O maior índice de jovens "desaparecidos" da história se fez registrar nessa década.
  Vivíamos a liberdade, mas o medo espreitava em cada esquina, portanto, todo simples passeio podia ser o último.
  Liberdade era só uma expressão que o Taiguara cantava, meninos feito nós, sequer sabiam o que isso significava, de fato.
  Nas ruas, o policial, que tinha o curso primário, seguia uma conduta:
  Está na rua, é preto, mestiço ou pardo e não tem testemunha...mata e desova.
  Os jovens tinham a sua própria conduta:
  Nunca andar sozinho, andar em bandos dificultava o trabalho da polícia e te garantia a segurança, além da companhia dos amigos.
  As mães tinham o seu código e, essa era a conduta mais poderosa de todas:
  Fazer barulho e ser a testemunha sempre, salvar o filho da outra é zelar pelo seu.
  Quando começamos a frequentar os bailes, andávamos todos em bando, já que, sempre fomos um bando, "O bando dos neguinhos do Educa", assim éramos chamados nas ruas, haviam vários elementos de cor clara no grupo e mesmo assim eles se chamavam de pretos.
  Os primeiros que entraram na nova onda foram o Valdevino, o Viana e o Rogério(Japonês), que foram ao baile da Chic Show, na rua Paes Leme e chegaram no lar 22 contando do som, do calor e das minas, não nessa exata ordem, a partir desse dia, os fins de semanas mudaram radicalmente, eu o Biriba, o Dooley, o Coquinho, o João Augusto, o Tadeu, o Lindolfo, o Breu, o Pelezinho, o Zóinho, o José Faustino, o Matiole e mais uma turma, passaram a frequentar as noites e as matinês balançantes, primeiro em Pinheiros e depois a cidade de São Paulo ficou pequena.
  A essa turma, se juntaram muitos moleques da FEBEM da Raposo Tavares, moradores do São Jorge e do Jardim Peri-Peri e, é claro, alguns moradores da rua Osvaldo Libarino de Oliveira, nessa rua a turma se encontrava.
  Quando a turma estava completa, chegávamos ao total de 60, as vezes até mais, sempre juntos, essa era a nossa maneira de nos proteger.
  E, é claro que com tantos elementos, era difícil evitar as brigas com outras turmas, mas o grande número também servia para evitá-las.
  É sabido que, na maioria das vezes, internos não tem mãe, os que tem, estão longe delas, nunca poderíamos contar com a terceira conduta, a menos que....
  Numa noite fria, fomos para rua Osvaldão, eu, o Viana, o Valdevino e o Zóinho, íamos encontrar o Betão e o Cezar e partiríamos pro Palmeiras, encontraríamos o resto da turma lá na Lapa.
  Na metade da rua, notamos que a iluminação caiu, a rua ficou escura, mas continuamos a caminhada, quando chegamos na altura da casa do Cézar, que era a exata metade da rua, dois faróis altos foram jogados em nossas caras, gelamos e ouvimos o frase temida:
  _Mãos pra cabeça, aqui é os home.
  Sem ter tempo ou pra onde correr, obedecemos e encostamos na parede da casa do Cézar, fomos revistados, algemados e jogados no camburão da viatura, tudo muito rápido e silencioso.
   Em nossas almas, sentimos que o final havia chegado, eu não conseguia enxergar os amigos, mas sabia que eles pensavam como eu, súbito, o bater da porta gelou-nos.
  Depois ouviu-se o abrir da porta do motorista e o ligar do motor, clamávamos por um milagre.
  De repente ouvimos uma voz conhecida:
  _Moço, meu filho está aí??
  Era a dona Geralda, mãe do Cézar e do Betão e, ela sabia que seus filhos estavam em casa, tornou a gritar, fazendo com que os policiais descessem do carro:
  _Minha senhora, como é o nome do seu filho??perguntou-lhe um dos policial.
  _O nome dele é Roberto Carlos, continuava gritando a senhora.
  O policial abriu a porta traseira e jogou a luz do farolete em nós:
  _Tem algum Roberto Carlos aí??Acenamos negativamente.
  _Olha minha senhora, o rei deve estar fazendo algum show por aí.
  Os demais riram.
  Por conta dos gritos da dona Geralda, as casas foram se abrindo e os vizinhos se aproximaram da viatura.
  _Moço eu não estou duvidando da sua palavra, deixa eu ver quem está aí, pode ser que meu filho está com medo de mim.
  O policial entendeu, pois até o diabo tem mãe, deixou que ela ficasse na traseira da viatura e iluminou-nos, para que ela tirasse a dúvida.
  _Ah, quem está aí são os meninos do Educa.
  Gritando mais alto ainda, passou a dizer os nossos nomes, um a um.
  Quando os policiais bateram à porta e voltaram aos seus acentos, uma pequena multidão já havia se formado em volta da viatura.
  Aquela senhora havia tirado deles o prazer da execução sumária e eles, contrariados, passearam com a gente e, por fim, nos soltaram no Parque da Previdência, de lá pegamos a condução e fomos pra Lapa.
  No dia seguinte, fomos agradecer a dona Geralda, ela deu de ombros e disse:
  _Fiz o que qualquer mãe faria.