quinta-feira, 1 de junho de 2017

O reencontro.




  Depois que sai do Educandário Dom Duarte, não saí de vez, fui morar ali por perto.
  Eu morei por um tempo na rua Osvaldo Libarino de Oliveira e, dividia as despesas com um bocado de ex internos, eram eles;
  O Valdevino, o Viana, o Zé Almir, o Mauricinho, o Everaldo...a casa pertencia ao Mauricio, o Toninho e o Oliveira, esses eram de outra geração, já que eram 10 anos mais velhos que nós.
  Sendo vizinho do Educandário, sempre que batia a saudades dos tempos idos, eu dava uma esticadinha e olhava os caminhos da infância.
  Depois fui morar no bairro da Liberdade e, as saudades, a gente matava de outro jeito.
  Na rua Xavier de Toledo, onde hoje se localiza a Financiadora Mappin, não a loja, prédio da financiadora, havia uma pastelaria chinesa, dessas típicas com azulejo branco, cuja os donos não falam português e, em determinados momentos, dá a impressão de que eles estão xingando o freguês.
  Creio que esse habito começou em 1982, alguns ex internos começaram a se encontrar, tomar umas cervejas com uma ótima pizza e lembrar do passado e toda história virava piada ou saudade... assim nasceu um compromisso que foi seguido durante um tempo.
  Dia de pagamento e vale o local era sagrado, o dono baixava as portas e os fregueses ficavam no estabelecimento, a filha dele, que era universitária e falava a nossa língua, servia.
  Logo cedo, a conta era dividida entre todos e cada um ia para um ponto de São Paulo, não antes de marcar o próximo encontro.
  Desses encontros me lembro do Ditinho, do Biriba, do Zé Antonio, do Zé Baiano, do Loucão, do Perão, do Pelezinho, do Dooley, do Edson Pirata do 16, do Jordão, dos irmãos Lucena do 14, do Gibi do 19, do Luiz Bandido do 14, do Tavares, do Zezinho da cozinha e muitos mais, de todas as gerações de internos e funcionários.
  Aliás, uma das coisas mais marcantes do tempo, foi a marcação do encontro no dia do comício das Diretas-Já.

terça-feira, 30 de maio de 2017

Tempo da fúria




  Passos não tem endereços certos, caminhos são escolhidos em cima da hora propícia, alguns hão de escolher o lado de lá da ponte, outros vão ficar deste lado, onde as águas são claras e límpidas e, ainda existem os que não escolherão caminho algum, penderam pra sempre entre o bem e o mal, sabendo que o mal ou o bem é uma questão de visão ou de perspectiva.
  Uns poucos, muito poucos, podem abrir um portal do tempo e ver o seu futuro provável e, talvez assim, podem mudar os passos que a vida lhe reservou.
  Fui criado pra ser católico, amar como Jesus amou e tal e coisa... mas a percepção, me deu o livre arbítrio, e vendo que a maioria dos pregadores da palavra se perdiam na vaidade mundana, entre a escravidão da religião e a devassidão, me tornei um cristão reservado, depois da primeira comunhão abri mão dessa condição e, se Maria substituiu a minha mãe, virou meu símbolo de fé, se não houvesse Maria, eu seria ateu.
  E, sempre houve uma Maria a endireitar o meu caminho ou virar o meu olhar na hora exata do perigo, todas as freiras da ordem que administrava a Casa da Infância tinham Maria no primeiro nome, os olhos castanhos de uma Maria me salvou da morte no baile do Pombal e, outra Maria seria decisiva na minha hora crucial.
  Quando deixamos a brincadeiras dos pavilhões e o futebol parou de mover nossas vidas, crescemos e nos juntamos todos no lar 22, a infância havia passado e viramos adultos de uma hora pra outra, veio o tempo de fúria, em bailes mostrávamos poder e conquistávamos territórios, o número maior servia pra aniquilar e amedrontar a quem se pusesse no caminho.
  Alguns de nós já andavam armados e já faziam suas vítimas, as noites de São Paulo passaram a oferecer perigo, saindo do Asa Branca, dois caras correram em minha direção e pararam, sacaram os revólveres e descarregaram-nos, surpreendido com a rapidez da ação, só me coube o tempo de fechar os olhos, os doze estampidos me ensurdeceram, quando abri os olhos, a multidão havia se espalhado e um corpo jazia na calçada da Rua Paes Leme, desse amigo eu sabia pouco, que morava no bairro do Campo Limpo e tinha 14 anos de idade, imaginei que houvesse uma mãe pra chorar a perda.
  Ainda que ele estivesse a menos de um palmo de distância de mim e, isso fosse um grande argumento pra eu sair dessa vida, me deixei ficar.
  A Sorte é um espírito que anda ao seu lado e te promete fidelidade eterna, o outro espírito chama-se Medo, ele não fala, por vezes, só sussurra.
  Ainda que os amigos fossem os mesmos da infância, muitos deles já não eram os mesmos, uma sombra havia tomado suas almas e tudo indicava que eu seguiria o mesmo caminho.
  Na festa da primavera do colégio Vidigal, tiveram a infeliz ideia de me convidar pra encenar uma peça, argumentei que não ficaria bem de príncipe, meu porte e a minha cor não combinavam com tal personagem, o argumento da turma era exatamente esse mesmo, apresentar um príncipe negro seria uma quebra de tabu, relutei o máximo que pude e, no fim aceitei.
  A princesa da peça era a Ana Maria Puopolo e, chamar a Aninha de princesa era a coisa mais natural do mundo, tal era a beleza da moça.
Sequer havia um beijo na cena, apenas um abraço rápido e a plateia delirou, os amigos do Educa apareceram por lá e puxavam o coro, o tio da moça estava lá e não gostou de nada daquilo, me fuzilava com os olhos.
  Quando terminou a peça, ficamos ali pelo pátio a conversar e o cara ainda a encarar, incomodado com essa situação, resolvi que iria tirar satisfação, desse no que desse.
  Antes que eu saísse do bolinho e caminhasse na direção do homem, um revólver foi posto no bolso da minha jaqueta, enfiei a mão no bolso e o segurei pela coronha sem tira-lo de lá.
  A Aninha e a mãe dela seguravam o homem, ele tentava vir na minha direção, notei que a Aninha começava a chorar.
  A arma pesava no bolso e meu dedo indicador já dormia no cão, só faltava o impulso pra partir, subitamente percebi que uma força me impedia de andar, naquele pátio lotado o tempo avançou e, eu vi o futuro.
  Como se eu não estivesse no meu corpo, vi as coisas de cima.
As pessoas corriam pra se proteger, o homem caído na escada de saída e o sangue a escorrer nos degraus, guardei a arma quente no bolso e desci a escada correndo, não tinha como não pisar na poça vermelha, ganhei a rua e corri em direção à Raposo Tavares, quanto mais eu me distanciava da escola, os gritos da Ana Maria se faziam mais altos.
Quando voltei pro presente, as duas já haviam arrastado o homem para a escada, sabia que a Aninha estava me defendendo, virei de frente para os amigos e entreguei a arma para o Viana.
  _Vai ficar por isso mesmo?
  _Vai...Talvez fosse até o certo a se fazer, mas tem um porém.
  _Qual é?
  _Eu jamais faria Maria chorar.

sábado, 27 de maio de 2017

A vingança



  Os mais espiritualizados costumam dizer que a vingança é nociva para a alma, mas como eu nunca tive vocação pra santo, prefiro a máxima popular, que reza, "a vingança é um prato que se saboreia frio”... gelado, de preferência.
  Na primeira geração do Dínamo, nos demos ao luxo de ficar 2 anos sem jogar em casa, vários desses jogos foram realizados em favelas, onde impera as leis locais, muitas vezes, apanha-se e, não se tem o direito do revide.
  Eu sempre disse, para o meu time:
  _"Casa deles, regra deles"
  No caso do Dínamo, nunca foi bom negócio revidar, havia sempre muita criança junto.
  A "seleção" disputou um festival, certa feita, na favela do São Remo (Jardim Rio Pequeno - SP), fomos com os 3 times, o feminino, o infantil e o amador...que era chamado de SELEÇÃO.
  Nos 2 primeiros jogos tudo bem, vencemos fácil e levamos os troféus, bem como manda o figurino.
  Na mesa, quando ainda apresentava a ficha do time amador, encostou do meu lado, um jogador e me perguntou:
  _. Trouxe a sacola???
  Um frio percorreu minha espinha, percebi que a partida não ia acabar bem e, como não fujo mesmo de briga, fiquei tranquilo.
  A partida foi de arrepiar, arbitro que só via o que convinha ao dono da casa, violência desproporcional, enfim, tudo que se cabe num bom processo criminal, quatro jogadores expulsos e, como havia sido prometido...goleada.
  O cretino da mesa, atendia pelo apelido de Piúta, no finzinho do segundo tempo, já que tinha o placar elástico a seu favor e a vantagem numérica em campo, resolveu tripudiar...tendo o gol livre à sua frente, sentou-se na bola.
  O Berruga, que vinha no embalo, chutou-lhe...tumulto, minha vontade primeira foi, subir o gás dele, os meninos do infantil e as meninas estavam, do meu lado, fui obrigado a pedir para o meu time ter calma.
  Encerrou-se o jogo, pegamos nossos troféus e fomos para a Avenida Rio Pequeno, esperar o ônibus do Nelcindo Diniz, para ir para casa.
  Anos se passaram, o Dínamo mais forte que nunca, e ...sempre a sombra do passado assombrando, eu nunca esqueci essa partida, ficou entalada como uma espinha de peixe.
  Pois é, como eu disse não sou uma pessoa muito espiritualizada, juro que respeito a paz, mas, eu gosto mesmo é de guerra.
  E qual não foi minha surpresa no terceiro Cingabol, quando foi anunciado um novo time da zona Oeste.
  Chamava-se Real Parque e, adivinha quem era o técnico???
  KKKKKKKKKKKKKK...o tal do Piúta.
  . Na reunião da Secretária de Esporte de São Paulo, passei por ele e ele não me reconheceu.
  . Ficou decidido que, o campeonato seria realizado no módulo pontos corridos, o time que chegasse na última partida com o maior número de ponto seria o campeão, medalhas, troféu e tudo que se tem direito.
  . Meu time já vinha no embalo e manteve a regularidade nas partidas, nos bastidores, haviam dois favoritos ao título...O Dínamo e o Real Parque.
  No dia da partida esperada, teve até participação especial, o Alisson, primo do Maciel Henrique, apareceu...só pra eu lembrar dos tempos do Butantã.
  Quando chegou a hora de entregar os documentos, dos jogadores na mesa, era habito que a Stephanie Victorino fizesse isso, eu pedi para ela me dar a honra e, quando o técnico adversário acabou de conferir os papeis, eu falei, em tom baixo:
  _Trouxe a sacola ???
  Naquele instante, os olhos dele arregalaram-se e...a ficha caiu.
  Para azar dele, meu time voava baixo, naquele dia os meninos estavam implacáveis.
  8 x 1, sem choro nem vela.