domingo, 4 de junho de 2017

O All Star importado.



 
  Depois de um tempo, garrei uma raiva tão grande de tênis que, passei a só usar sapatos, os tênis tinham tendência a me dar azar...acabavam me colocando em cada situação que, Deus me livre.
  Diferente daquele Tiger que a fofa da dona Djalmira havia me dado de presente, esse eu comprei com o meu suor.
  Bom, quem viveu no começo dos anos 1980 sabe da dificuldade que era, se possuir qualquer artigo fabricado fora do Brasil.
  Refrescando a memória de quem viu e explicando aos mais jovens, a nossa nação tinha os portos fechados, os cidadãos dessa terra eram obrigados a engolir todas as porcarias que eram fabricadas aqui, tudo o que vinha de fora, por conta das taxas abusivas, eram quase impossíveis de se obter.
  Se esse tênis, nos Estados Unidos, era usado pelos pretos pobres dos guetos, aqui era um luxo para poucos, um luxo que dava status e, por ser um neguinho da moda...claro que eu merecia um desses.
  Morando no pavilhão 22 e trabalhando no almoxarifado da Procuradoria Geral do Estado, juntei exatos quatro meses do meu salário e ainda faltou dinheiro, que remédio, tive que recorrer ao seu Tinoco, que me passou outro sermão, mas me deu o dinheiro.
  A coisa funcionava desse jeito, na Faria Lima ou em outro ponto de Pinheiros, havia um cara, que atendia pelo nome de Ananias, ele abria o capô da Variante e exibia seus artigos importados, ou contrabandeados, como se dizia na época.
  Essa era uma atividade ilegal, por isso ele vivia mudando de ponto, os seus fregueses sabiam do risco e falavam baixo, a qualquer momento poderiam dar de cara com o Dops, aí o bicho pegava.
  Bom... depois de dar o dinheiro ao Ananias, tinha-se um prazo de 3 meses de espera, isso era o tempo de ele viajar, comprar o produto e te entregar a mercadoria, se acontecesse algo diferente nesse período...o azar era seu.
  Peguei meu but no sábado e depois de calçá-los, o exibi aos amigos do segundo dormitório do pavilhão 22, os amigos comemoraram e ficou de eu os usar no domingo, na matinê da Chic Show.
  Pinheiros, rua Paes Leme e coisa e tal e, eu de tênis zerinho.
  Nesse dia, entramos com a galera de sempre, chegamos juntos eu e o Viana e esperamos o Valdevino, que parou na lanchonete com a namorada dele, dentro do salão o DJ anunciou com orgulho que aquela equipe de som já dava bailes naquele local, para mais de 11 anos e não havia tido nenhuma briga, nesse período todo.
  O Tadeu tinha uma namorada que não era muito certinha, fomos ao bar para tomar umas cervejas e o Tadeu ficou com ela, o Valdevino também ficou com a mina dele, pudemos ver os dois de longe.
  A menina que estava com o Tadeu deu entrada para um patrício de Osasco, o Tadeu não gostou, partiu para o pau, a turma de Osasco enquadrou o Tadeu, o Valdevino foi socorrer e começou a briga de dois internos contra uns vinte...historicamente falando, a primeira treta do salão da Chic Show de Pinheiros.
  Nós, o resto da gangue, estávamos a uns 40 metros do epicentro, assim que começou a troca de murros, o resto do povo fechou a roda e, por mais que tentássemos, não conseguimos chegar até eles e, de longe com as luzes piscando, pudemos ver a mais linda luta de todos os tempos, nem o cinema poderia reproduzir essa cena fantástica, o Valdevino bailava e desferia golpes, juntava as mãos em defesa e quando dava um soco, caíam uns 4.
  Quando finalmente conseguimos alcançar os amigos, a treta tomou proporções de guerra e, por segurança, abriram as portas de emergência, lá fora virou guerrilha urbana, nas ruas de Pinheiros, não eram mais o Butantã contra Osasco, virou mil contra mil e só acabou quando a tropa de choque dispersou todo mundo, correndo em cima ponte Eusébio Matoso, enquanto ria, via meu tênis azul ainda limpo.

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Uma coisa que incomodava.




  Nessa passagem, vou falar de um mal que aflige a sociedade e, por acontecer com muito mais frequência do que é divulgado , nos incomoda demais...a violência familiar.
  Por compensação, no desenrolar dessa história, vou contar de fatos históricos e, de quebra, vou relembrar de uns quatro personagens queridos e você vai matar as saudade deles.
  Quando eu tinha pouco mais que 16 anos, sai do Educandário Dom Duarte e fui morar na goma do Maurício, onde moravam o Toninho (Testão), o Oliveira e mais uns 5 ex internos.
  Por esse tempo, a comunidade da rua Osvaldão se podia contar nos dedos e o córrego Bota frias era o que limitava esse contingente de pessoas.
  De quando em quando, alguém tentava construir um barraco no outro lado do córrego, alegando auto risco de vida, a prefeitura era avisada e derrubava o barraco, um pouco mais de tempo e aparecia outra pessoa para construir lá, vinha de novo a prefeitura e procedia da mesma forma.
  O Paraíba tinha por nome Romualdo Correia dos Santos, trabalhava no Cemitério Israelita e, além de ser um sujeito muito legal, tinha uma penca de filhos, grande parte desses, eram meninas.
  Não era nenhum gênio em leitura, mas era fera na matemática e entendia de comércio como poucos.
  Sem precisar invadir terras do lado oposto do córrego, achou uma estreita faixa de terra nas costas dos barracos e, espertamente levantou um barraco de palafitas, tal e qual os barracos da 'Favela de Alagados', por ser suspensa a moradia, evitava que as águas lhe incomodassem e metade do seu barraco ficava dentro do córrego, essa foi a principal desculpa para que o povo começasse a invasão da área vazia.
  O Paraíba era mesmo muito esperto, além de morar bem, construiu no seu barraco uma Casa do Norte, em pouco tempo progrediu e foi-se.…dizem que voltou à terra natal.
  Com a devida desculpa, em poucas semanas, no lado oposto do córrego já haviam mais de cem barracos, a invasão foi quase total.
  Contando da calçada, ao lado do bar do Kleber, uns vinte metros adentro, essa parte ficou intacta, sempre que vinha alguém para pegar o terreno, o Flavinho, que morava na laje do avô, cuja a entrada ficava na Eiras Garcia, vinha e dizia que tinha ordens da prefeitura para zelar por aquele pedaço de terra.
  E, por um longo tempo, essa conversa colou...só quem conhecia o Flavinho sabia da verdade, bom... o Flavio era meu amigo e sempre que ele me contava a verdadeira história, eu me acabava de rir.
  Aquele pedaço de terra, há anos, era usado para o cultivo da Cannabis e, então o Flavinho era o maconheiro mais feliz do mundo, produzia para o seu próprio consumo.
  Num belo dia, entregaram o agricultor à polícia, por sorte, ele não estava em casa, mas procederam a derrubada da horta, na saída da polícia, já havia gente com cavadores e meia hora depois, já havia ali, um novo barraco.
  Para esse barraco, mudou-se um casal com pouca idade, uma moça quase sem muita beleza e silenciosa e seu jovem marido, esse tipo de sujeito que te olha de rabo de olho e parece um rato, o tipo de pessoa que ninguém se sente bem em ficar ao lado, tinha esse sujeito, o habito de dar surras na moça, do nada, se ouviam as pancadas, os gritos e tudo parava, dali um tempo o cara saía na frente da casa e acendia um cigarro.
  Tem aquela história clássica..."Em briga de casal”…Todo mundo que morava por perto se sentia incomodado e, o que se pode fazer...
  Numa bela noite, assistíamos televisão, eu, o Viana e o Mauricinho, quando o Toninho veio da rua e abaixou o som, para que nós pudéssemos ouvir os gritos da moça apanhando.
  Não houve um comando, levantamos juntos do sofá e não nos conversamos, saímos de casa e descemos a João de Lorenzo, quando dobramos ao lado do bar do Kleber, o cidadão já havia terminado o serviço e já estava pitando o cigarro, nos viu e ficou tranquilo, como se não tivesse qualquer pecado no mundo, juntamos o sujeito e o arrastamos conosco e, ele gritava feito mulher.
  A primeira intenção nossa foi arrastá-lo até um terreno baldio, dos muitos que ainda haviam na Eiras Garcia, passando do bar do Kleber vinha a oficina do Arlindo, quando passamos em frente, ele abiu o imenso portão de ferro, nos olhou e em seguida saiu para a rua, jogamos aquele lixo humano lá para dentro e o Arlindo nos trancou.
  Meia hora depois, saímos, eu e o Viana, ficamos em silêncio ao lado do Arlindo a esperar o Mauricinho, ele chegou e disse:
  _. Ainda está vivo.
  Antes de dobrarmos a Osvaldão, vimos o Arlindo jogar o lixo na rua.
  . Nunca mais, o valentão nos deu o prazer de sua companhia.

quinta-feira, 1 de junho de 2017

O reencontro.




  Depois que sai do Educandário Dom Duarte, não saí de vez, fui morar ali por perto.
  Eu morei por um tempo na rua Osvaldo Libarino de Oliveira e, dividia as despesas com um bocado de ex internos, eram eles;
  O Valdevino, o Viana, o Zé Almir, o Mauricinho, o Everaldo...a casa pertencia ao Mauricio, o Toninho e o Oliveira, esses eram de outra geração, já que eram 10 anos mais velhos que nós.
  Sendo vizinho do Educandário, sempre que batia a saudades dos tempos idos, eu dava uma esticadinha e olhava os caminhos da infância.
  Depois fui morar no bairro da Liberdade e, as saudades, a gente matava de outro jeito.
  Na rua Xavier de Toledo, onde hoje se localiza a Financiadora Mappin, não a loja, prédio da financiadora, havia uma pastelaria chinesa, dessas típicas com azulejo branco, cuja os donos não falam português e, em determinados momentos, dá a impressão de que eles estão xingando o freguês.
  Creio que esse habito começou em 1982, alguns ex internos começaram a se encontrar, tomar umas cervejas com uma ótima pizza e lembrar do passado e toda história virava piada ou saudade... assim nasceu um compromisso que foi seguido durante um tempo.
  Dia de pagamento e vale o local era sagrado, o dono baixava as portas e os fregueses ficavam no estabelecimento, a filha dele, que era universitária e falava a nossa língua, servia.
  Logo cedo, a conta era dividida entre todos e cada um ia para um ponto de São Paulo, não antes de marcar o próximo encontro.
  Desses encontros me lembro do Ditinho, do Biriba, do Zé Antonio, do Zé Baiano, do Loucão, do Perão, do Pelezinho, do Dooley, do Edson Pirata do 16, do Jordão, dos irmãos Lucena do 14, do Gibi do 19, do Luiz Bandido do 14, do Tavares, do Zezinho da cozinha e muitos mais, de todas as gerações de internos e funcionários.
  Aliás, uma das coisas mais marcantes do tempo, foi a marcação do encontro no dia do comício das Diretas-Já.