sexta-feira, 16 de junho de 2017

A escola nova.


   Sempre fui avesso à condição de protagonista, de natureza retraída, vivia minhas aventuras sem me mostrar, me conformava em ser mais um participante ou a testemunha, se, por alguma eventualidade, as coisas me apontavam como autor de algo, me fazia de estátua e tirava o foco da minha pessoa e.… a vida continuava e então, essa aventura me pegou desprevenido e quase me custou muito caro.
  E cá estava eu, sendo interrogado por 4 milicos, na sala da diretora, achando que a minha história seria interrompida violentamente, optei por não responder nada, meus interrogadores davam sinais de estafa e um deles tirou do coldre a arma, jogou-a em cima da mesa e, eu o respondi com um tumular silencio, queria que tudo se acabasse, queria dizer-lhes que tudo não passara de um engano, mas tinha certeza que não ia colar...
  Em 1979, o Grupo Escolar do Educandário Dom Duarte foi fechado, já não podia atender à crescente demanda da região, que se multiplicava à passos largos, todos foram remanejados para a nova escola, que se chamava Escola Estadual do Primeiro Grau Luiz Elias Attiê.
  Quem saía do pavilhão 14, descia o caminho da jaqueira e à direita do Aprendizado seguia sentido à administração, na estrada que levava à portaria, seguíamos para o lado oposto, passando pelo lago do 24, nessa altura, já terminava o território do Educandário Dom Duarte , seguia-se uma longa estrada de terra batida, de um lado a horta do Japonês, de outro, uma vasta extensão de mamoneiras, cana de burro e capim gordura, chegávamos ao fundo da escola, alguns mais afoitos, pulavam o muro.
  Quando saíamos do pavilhão, éramos uns 10, a turma ia aumentando, os outros internos dos outros pavilhões iam se juntando, entre as brincadeiras e as bravatas, sempre seguíamos cantando, essa caminhada fez com que as amizades se consolidassem, na nova escola os internos deixaram de ser a maioria esmagadora, mas ainda eram a força dominadora.
  Na saída, pegávamos o sol à pino, mas a turma voltava cantando, muitos dos internos, que eram dispensados mais cedo, esperavam no portão, não havia graça nenhuma, a caminhada sem a companhia dos amigos.
  Sempre, um guri começava uma canção, em seguida todos acompanhavam:
  _. Quanto tempo temos antes de voltarem aquelas ondas, era um tipo de coral andante.
  Lembro do menino que morreu, apanhado por um raio, na quadra, eu nunca soube o nome dele, para falar a verdade, eu nem o conhecia, mas, estava lá.
  . Havia uma aula vaga e ainda que as nuvens de tempestade apontassem ameaçadoras no céu, tínhamos a bola, a quadra ficava num plano mais alto, do lado de fora do pátio.
  Quando começou a chuva, estávamos com a partida empatada, ela aumentou e como ninguém fez menção de sair, fiquei em quadra, com a chuva forte, ouvia-se o barulho dos trovões e os raios cortavam os céus.
  O tal menino estava no meu time, o escanteio, naquela época, era cobrado com as mãos, com a bola nas mãos, ele se preparava para arremessa-la na área, eu estava desmarcado na área, a visibilidade era pouca, mas se a bola viesse na minha cabeça...
  Um raio clareou aquela quina da quadra, sentimos a descarga elétrica, a claridade foi tanta e o barulho tão alto que, durante uns 5 minutos fiquei cego e surdo, lembro que alguns amigos me levaram, pelos braços o caminho da quadra até o pátio.
  Dizem que ele foi reduzido ao tamanho de um boneco.
  Aquele foi um inverno muito rigoroso, as aulas tiveram que ser suspensas, não se podia ficar parados, sem que as mãos fossem congeladas, no pátio ouvíamos o Gil cantar:
   _"Observando estrelas, junto à fogueirinha de papel".
  E, literalmente as fogueirinhas de papel, fazíamos com os nossos cadernos.
  Era a época da "Disco", na sétima série, o Xodó fechava a sala e dava bailes, dançava feito gente grande, as músicas da Donna Summer.
  Minha alça de mira apontava em outra direção, na primavera, ensaiamos e encenamos Capitães de areia, sem a ajuda de nenhum adulto.
  Em outubro, quando eu já havia passado em todas as matérias, aconteceu...
  Minha turma agora era outra, eu andava com um pessoal mais engajado, de boas notas e de comportamento não recomendado, que gostavam de política, música, futebol e garotas (não necessariamente, nessa ordem).
  Eram os: Arthur, o Gilvan, o Dalcides, o Romão, o Gibi, o Porfírio e o Aparecido.
  Na hora do recreio, enquanto esperávamos na fila do mingau, algum garoto soltou uma bola no pátio, como sempre acontece, a bola foi chutada por outro garoto, chutada por outro...e, virou um racha.
  Alheios à fila da merenda, eles passaram a correr e a driblar, um deles chutou com mais força, a bola subiu e bateu na parede lateral, ali havia um quadro, no quadro a foto do governador do estado de São Paulo, com faixa no peito, o quadro se espatifou no chão, os meninos que jogavam, recolheram a bola e saíram correndo, a merendeira chamou a coordenadora, quando a Maria Luiza chegou, deu de cara com o quadro no chão e como já havíamos pego nossas canecas, ficamos ali, é claro que ela achou que fomos nós os autores daquela façanha, fuzilou-nos com os olhos, o Aparecido disse-lhe que não havia sido nossa culpa, quando ela perguntou quem havia sido, ele se recusou a dizer, a faxineira juntou os cacos de vidro e a moldura, a coordenadora tinha a foto do governador nas mãos.
  Eu estava encostado no balcão da cantina, diante da cena, não pude resistir e falei:
  _. Não entendo todo esse carinho por uma pessoa que não foi eleita pelo povo.
  Irada, ela se virou e disse que eu estava sendo subversivo, eu retruquei à altura e iniciou um diálogo, ela atacava e eu contra-atacava, o pátio começou a ficar lotado, a cada resposta minha, seguia-se acalorados aplausos, sem o habitual constrangimento de ser o centro das atenções, permaneci firme.
  Quando ela se retirou do pátio, seguiu-se uma balburdia, as pessoas gritavam palavras de ordem e se recusavam a entrar nas salas, à essa altura a polícia já tinha sido chamada, tentava entrar, meus amigos de classe já haviam tomado o controle e trancado o portão de entrada, alguns meninos estavam em cima do muro e atiravam pedras na viatura, lembro de ter visto a professora de história, dona Claudia (comunista de carteirinha) passar por mim e dar um sorriso de orgulho.
  Se os meus amigos estavam gostando muito daquela brincadeira, eu estava com medo daquilo tudo, ver as carteiras sendo arremessadas para fora das salas de aula e crianças na mira da polícia, não era o meu sonho de democracia.
  . Mais tarde, quando a polícia dominou a situação, a coordenadora enumerou todos os cabeças, disse que eu estava sozinho, mandaram os outros embora e ficaram comigo na sala da diretora.

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