domingo, 27 de agosto de 2017

Depois da prorrogação.


Quem pensou que eu não ia falar de futebol se enganou redondamente.
Eu disse, em postagem passada que, quando interno da Casa da Infância do Menino Jesus, não gostava de futebol e, isso é uma coisa que, quem me conheceu depois de 1976, não pode acreditar, pois na foto de 1979, eu apareço com o amigo Viana, defendendo o Grêmio, a seleção do Educandário Dom Duarte.
Eu não gostava de assistir transmissões de futebol e, quem assistia nos anos 1970, talvez concorde comigo, era um negócio triste de assistir, em preto e branco e de longe, quase não se podia ver a bola.
Outra coisa que não ajudava a prática do esporte era a quadra, aquele concreto grosso me dava medo, eu era daqueles guris que nunca se machucava, nunca teve uma fratura, nunca havia se cortado, então, eu não jogava bola nem por um decreto.
Meu asco com o futebol chega ao ponto de eu não me lembrar de nada da copa de 1970, quando eu estava no pátio do "Nossa Senhora" e me lembro de, neste mesmo ano, ter assistido a novela "Irmãos Coragem" e vou mais além, me lembro de ter visto a chegado do homem à lua, isso foi um ano antes.
Duas coisas aconteceram, num espaço de seis meses, que mudaram a minha trajetória, não fosse isso, o mundo jamais conheceria o professor Niltão, o carismático técnico do Dínamo.
Quem já estava marcado para sair da Casa da Infância e ir morar no Educa, fazia duas visitas à nova casa, uma nas férias escolares e uma na festa da Liga, isso servia para que o aluno tomasse um conhecimento do lugar que passaria a ser seu novo lar.
Na primeira visita, eu, o Josué Batata e o João Augusto descemos o barranco do campão do Educa e ficamos admirando o gramado, nos apaixonamos pelo espaço, sobretudo pela grama, entramos para pisar, nesse momento acontecia uma partida, pensei:
_Nossa, dificilmente uma pessoa se machuca por aqui.
Bom, nós estávamos perto do escanteio, dentro do campo, um guri loirinho que usava a camisa de goleiro, nos chamou de doidos, por estarmos dentro de campo, no meio do jogo.
Saímos, passamos por trás dele, a trave enorme estava forrada com a rede e, como ele ainda nos olhava com arrogância, bati na rede esticada e disse:
_. Quando eu vier morar aqui, vou enfiar uma bola nessa sua rede, só para você deixar de ser besta.
E, isso eu fiz mesmo, mas aí, já é outra história.
E mesmo tendo me encantado e feito tal promessa, na Casa da Infância eu continuei na mesma.
Havia uma professora de Educação Física e eu, desgraçadamente, não me lembro o nome dela, ela dava exercícios e corridas, depois disso, jogava a bola para os meninos e saia, eu pegava um livro e me sentava.
No último dia de aula, fizeram uma grande partida de despedida, São Paulo e Cruzeiro iam jogar, eu no time do Cruzeiro, o último reserva, se alguém quisesse sair eu entraria.
Todos os meninos, todas as moças, todas as freiras e todos os funcionários estavam na torcida, eu nunca havia visto a quadra tão lotada, gritaria sem fim e eu com o Conguinha desamarrado, doido para que aquilo tudo se acabasse, nossa técnica era a madre Brasil, ela pedia que eu prestasse atenção no jogo, a deles era a madre Marcia.
1 a 1 no placar, fim de jogo e prorrogação, em quadra, os dois melhores goleiros da Casa da Infância se antagonizam, o Sebastião e o Valdir Lustosa estavam pegando até pensamento, a cada defesa plástica do Valdir, o Sebastião fazia uma mais bonita e vice-versa.
A torcida aclama os goleiros, acaba que fica do jeito que eles queriam, disputa de penalidades.
Se durante a partida toda foi difícil fazer gol, em cobrança de pênaltis é que eles não iam deixar passar, o Valdir batias palmas, o Sebastião esticava os braços e dobrava as pernas, com a torcida dentro da quadra a gritar, os batedores amarelaram.
Bola no ângulo, eles pegavam, bicuda, eles pegavam, os jogadores se acabando e eles pegando, começaram a bater os reservas, tudo igual.
Vem os últimos reservas de cada time, o Vladimir foi à quadra pelo São Paulo, a madre Brasil me gritou:
_. Amarra o cadarço bebê.
Tive que empurrar o povo para me posicionar, o Vladimir era craque, sentou o dedo, o Valdir foi buscar e caiu naquele chão grosso.
Pronto, se eu convertesse meu time levava o troféu, o Adilson gritou que eu erraria dez vezes, se tentasse, o Sebastião chegou na frente da bola e disse que ia pular na direita, enquanto ele falava, avistei a Tânia atrás do gol, na rampa, fiz mesura para ela e ela sorriu com seus lábios grossos e os olhos castanhos mais lindos do mundo, apontei para a bola e para aquela deusa.
Ouvi o apito, levantei os dedos por dentro do Conga apertado e dei a bicuda, no canto que ele pediu e ele se esticou, a impressão que eu tive foi que ele pegou, porém, o povo gritou gol, por trás do Sebastião a bola jazia quieta, o peso de uns vinte guris me levou ao chão, me faltou o ar, só voltou quando a madre Brasil tirou todo mundo de cima.
Dez anos depois dessa, encontrei o Sebastião na praça das Bandeiras e ele me disse que, foi graças à ele, que eu havia ingressado no mundo da bola.

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