terça-feira, 30 de janeiro de 2018

No tempo dos Blacks.

1982 foi um ano ótimo, a inesquecível seleção do Telê arrasava, futebol da mais pura arte, tão bom o escrete que, Adílio, um craque que caberia como titular em qualquer equipe do planeta, ali, era reserva.
Eu trabalhava na rua da Consolação e as empresas de ônibus marcaram uma greve para o primeiro dia da Copa do mundo, Brasil x União Soviética.
Bom, para mim não teve efeito nenhum, a viação Castro nunca entrava em greve alguma, sendo assim, assisti o jogo todo na sala do pavilhão 22, acompanhado dos meus irmãos e o maluco do Paulo Palaia, o chefe.
No entanto, de nada adiantou ser o melhor time de todos os tempos, não fomos campeões.
Nesse tempo, São Paulo foi tomada pelo movimento Black, o Soul e o Funk eram as febres dos salões, isso, aos domingos, aos sábados os bailes aconteciam em casas comuns.
O sujeito que possuísse uma boa coleção de discos e um aparelho de som compatível, livrava-se dos móveis e a sala virava pista de danças.
Alguns dos moradores dos arredores do Educandário Dom Duarte se tornaram famosos por esses bailes domiciliares, na rua Santa Bárbara o Daniel dava um som de elite, no alto do morro do Uirapurú o Hélio fazia um combinado perfeito entre Funk e partido alto, a sede da favela do Arpoador comportava um grande número de pessoas, baile classe A, perto do mercado Paraná, quem dominava as bolachas era o Nego Wilson, os bailes da sede da Vila Operária eram também de lascar.
O melhor de todos era o baile que o Paulo dava em sua casa, na subida da rua Érico Veríssimo, no jardim Cambará.
Os discos mais novos à mão e as maiores raridades, o Paulo tinha, a casa dele ficava lotada de amantes da Black Music e os Neguinhos do Educa eram convidados especiais, VIPs mesmo.
A sequência de um bom baile era simples: cinco balanços, três rock-sambas e cinco lentas.
Muitas amizades e casamentos, começaram e se sacramentaram por causa deses bailezinhos e a "função" se solidificou graças à esses também.
Bom, as noites de sábados eram pesadas para os DJs e, lá pelas quatro e meia da madrugada, o baile tinha que terminar, senão a coisa ia até as dez da manhã...então, era usada uma tática chamada de "Espanta negão", que consistia no seguinte:
O dono da festa tinha sempre um disco de forró escondido, quando chegava a hora de se despedir da moçada, jogava ele na vitrola, assim que a música ecoava no ambiente, todo mundo pegava o rumo de casa, em questão de minutos, a casa ficava deserta.
Numa bela noite, o Paulo se sentiu com muita sorte, conseguiu um encontro com a Rosana, a linda negra, irmã da Tereza Aragão, chamou-a para um rolê e deixou o som na responsabilidade do primo Eduardo:
_Quando der cinco horas você joga esse disco para tocar, era um disco do Luiz Gonzaga... vou voltar um pouco depois.
O Paulo tinha a esperança de que, quando voltasse, poderia saborear os lábios carnudos da bela Rosana, numa casa vazia.
O problema do primo era que ele só entendia de balanço, deixou a festa correr frouxa, a turma gostando e a noite virando dia.
Às cinco ele pegou o tal disco, nem prestou atenção na faixa, tascou na agulha a música "Riacho do navio".
O problema é que essa, do Gonzagão é um xote e, com boa vontade, a linha harmônica da melodia é muito parecida com a levada do rock-samba, o povo ficou, segurando e rodando as minas acima das cabeças, com passinhos decorados.
O Paulo chegou às seis horas, sua sala ainda lotada, meteu a mão na agulha e expulsou o povo.

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