sábado, 4 de março de 2017

Já mudei de ideia.


  Sempre amei a nobre arte, desde muito pequeno fui devoto de Muhammad Ali, aquele semideus, que bailava nos ringues.
  Por conta disso, um lutador, no meu ver, tinha que ter classe.
  Eu e mais um bocado de pessoas, torcemos o nariz quando vimos um tal de Tyson despontar no mundo do boxe, aquilo não era luta, era um massacre.
  Em 1988, Larry Holmes era o dono do cinturão, longe da categoria de Ali, mas tinha um jeito cavalheiro de boxear, sempre que saía para trabalhar, aguardava o ônibus no bar do Klebão, lá dava pra ver quando ele entrava na rua João de Lourenzo, até ele descer a rua, dava tempo de chegar ao ponto de ônibus, que ficava no portão do Educandário Dom Duarte.
   O boteco do Klebão era o point dos esportistas, todo mundo que parava ali, pra uma brêja, ficava horas e horas falando de esporte, tinha uma televisão no balcão, a programação era só esporte, se saísse disso, a freguesia reclamava, a dona Célia não tinha direito nem a novela.
   Certa tarde, enquanto eu fazia um tempo por ali, um programa mostrou a luta, luta não...massacre contra um Zé Ruela, que o havia derrotado nas Olimpíadas, quando o cara caiu, já estava desacordado.
   Diante dessa atrocidade, mostrei minha indignação:
_Isso não é um lutador, trata-se de um animal, só o Holmes pra dar jeito nisso.
   O bar estava lotado, só duas pessoas me apoiaram, o Klebão e o Pascoal bicheiro, os outros 50 me vaiaram, o mais afoito deles era o Carlos Roberto Brigido e iniciou-se um bate boca, eu falava do boxe elegante do passado e ele enaltecia as qualidades do açougueiro Tyson, quando anunciaram que o buzão já iniciava a descida, eu já tinha fechado a aposta...uma caixa de cerveja e corri pro ponto.
Entre o dia da aposta e a luta, passaram-se uns meses e quando nos encontrávamos, provocávamos, nesse meio tempo o impiedoso baixinho atropelou uns dois adversários e eu dizia:
   Se cuida Mike Tyson The Legend, sua hora vai chegar, pode esperar.
   Nessa época eu trabalhava de vigilante no período da noite, assisti a luta na Usina Elevatória de Traição, portaria 4.
   Puts...passei vergonha, o Holmes não foi nocauteado, porque passou o tempo todo segurando o baixinho, no quarto assalto fiquei torcendo para ele soltar e ganhar uma porrada no meio da cara.
   Saldei a minha dívida e na primeira defesa de título do fenomenal Tyson, eu e toda a galera do bar do Klebão, pulamos de alegria, quando ele fez mais uma vítima.

sexta-feira, 3 de março de 2017

Pirataria

Um amigo, que é amigo de profissão e de rede social me perguntou porque eu passei a postar os vídeos com o link do meu blog e assiná-los.
  Para explicar, eu tive que contar uma historia... senta, que lá vai historia.
Tem 12 anos que me mudei pra Bahia, de mala e cuia, com esposa e filhos, e vim morar em Camaçari.
  Camaçari é vizinha de Salvador, quem mora em Camaçari, não fica sem ir, pelo menos, uma vez por mês, à capital e, como eu faço amizade fácil, conheci o Carlinhos.
   Carlinhos é um ambulante que vende artigos piratas na rampa que dá acesso à rodoviária de Salvador, muito comunicativo, como a profissão exige, mostrou-me uns CDs com filmes, os quais eu não havia assistido ainda, na época, eu não sabia da capacidade da minha internet e levei uns 5 CDs à um preço ínfimo, tudo bem.
   Ao chegar em casa deparei com essas porcarias que os caras gravam da poltrona do cinema, uns não tinham sincronia entre a ação e o áudio e, em todos eles, podia-se ouvir as risadas e os palavrões do público.
   Fazer o que???joguei no lixo e esqueci do assunto, todas as vezes que eu encontrava o Carlinhos, conversava, conversava e não comprava nada, no fim das contas era sempre, um bom papo.
   Tentando a todo custo me empurrar alguma coisa, me ofereceu alguns CDs de música, dessas músicas regionais, para não ser mal educado, disse-lhe:
   _Eu gosto de MPB, fora desse contexto, eu fico muito mal humorado.
   E, sempre que ele se sentia prejudicado, vinha com essa:
   _Pô, aí você me quebra.
   Dai em diante, se seguiu um longo tempo, em que ele tentava me empurrar um produto sorrindo e, eu, sorrindo, declinava.
   Nos últimos anos, como é natural acontecer, meus filhos cresceram, me deram netos e compraram carros, não exatamente nessa ordem, parei de tomar o ônibus para ir à capital, então, não vi mais o Carlinhos, nisso, se soma uns bons 3 anos.
   Conhece aqueles tiozinhos que gostam de viajar de ônibus???pois é, esse cara sou eu, driblei a carona dos filhos e do genro e, na véspera do último natal, peguei o buzão para Salvador.
   Na volta, quando principiei a subida na rampa da passarela, o Carlinhos me avistou, abriu o sorriso e os braços e nos cumprimentamos demoradamente.
   _Ô paulista, eu tenho cá um baguio que você vai gostar.
   Pegou uma caixinha de DVD muito bem acabada, colorida e me deu, li a capa:
   _150 vídeos com o melhor da Música Popular Brasileira.
   Já, o Carlinhos batia em minhas costas, com ar de quem já vendeu...._Hum, hum !!!
   Na parte de baixo, em letras menores, estava escrito:
   "extraídas do canal de NILTON VICTORINO FILHO".
   Pensei em soltar uma estrondosa gargalhada, mas, me contive.
   A cara de vitória do ambulante estava muito engraçada.
   Enfiei a mão no bolso das calças e tirei o RG:
   _Carlinhos, olha o nome que está escrito aqui.
   Ele pegou a cédula e a leu em voz alta, pegou o DVD e conferiu.
   Seguiu-se um breve silencio.
   _Caramba, pirateei o amigo.
   _O mínimo que você tem a fazer, é me dar esse de graça.
   Levou só uns centésimos de segundo a reflexão, colocou a caixinha perto das outras:
   _Aí o amigo me quebra.

Ainda invicto


Todo esse tempo e nunca fui assaltado, tem gente que pensa que é mentira, pode ser sorte ou é a lua mesmo.
Dia desses, eu me encontrava no lugar e no dia mais fácil de ser assaltado em Camaçari.
Em frente do Correio, do outro lado da prefeitura municipal, era feriado e se você quiser ser assaltado, esse é o lugar, se for feriado então, prato cheio.
Não que eu quisesse estar ali, estava com pressa e não queria entrar na rodoviária pra seguir viagem pra Salvador.
Havia no ponto sete pessoas, todas elas com celulares no ouvido, uma moto passou e parou ali na frente, dois ocupantes, o da garupa desceu, puxou o revolver que estava dentro da calça e anunciou o assalto, o único que teve o trabalho de tirá-lo do bolso fui eu, as outras pessoas já estavam com eles na mão e só entregaram, fui o terceiro que estendeu o celular, o assaltante fez que não viu.
Estiquei a mão e mostrei o meu celular:
_Meu irmão, não quero essa bosta não.
Recolheu todos os sete e eu enfiei o meu no bolso, subiu na garupa da moto e queimou o chão.
Situação embaraçosa, todo mundo com cara de tacho e, por consideração, me ofereci pra ligar pra polícia, todos concordaram.
_Não vai dar não, esqueci-me de carregar.

quinta-feira, 2 de março de 2017

O castigo.


Nessa, vou pedindo desculpas pras moças.
As mulheres, esse maravilhoso presente de Deus, que fazem os meninos suspirarem, que silenciam uma conversa animada, que nos causam dores na alma e nos tiram o sono, nos faz poetas e patetas.
Tudo isso, num tempo mais tarde, na infância nosso maior material de adorno tem outro nome... bola.
Feito isso, deu pra perceber que vem aí mais uma aventura de futebol, futebol e amizade.
_Caramba Niltão, você só pensava em bola? Perguntará o leitor.
_Absolutamente, eu pensava em coisas como, a paz mundial, ganhar na loteria esportiva, conhecer o Simba Safari e quebrar a cara do George Foreman. É... pensando bem, eu só pensava na bola mesmo.
Na verdade, eu não conseguiria falar desse amigo, sem falar de uma partida de futebol memorável.
Antes disso, um prólogo que vai, no fim do texto, dar sentido à narrativa:
No final de 1979, mais ou menos, houve uma verdadeira revolução no Educa, quase todos os grandes foram "expulsos", os buldogs da dona Camila passaram a fazer parte da paisagem, os irmãos foram embora, o pavilhão 11 foi desativado e mais tarde viraria a creche, livre dos grandes o pavilhão 15 virou um lar de meninos com idade de seis e sete anos.
Os meninos do 15 viraram a grande atração, quando eles desciam, em fila indiana, para o refeitório central, causava certa euforia nos outros internos, qualquer um que estivesse na frente da fila, dava licença pra eles, eram os caçulinhas de todos. Vendo um deles, que se movia muito rápido e entre todos era o mais bagunceiro, meu amigo Viana disse:
_Aquele ali parece o Ligeirinho, aquele ratinho das histórias infantis, todos concordamos e o apelido pegou.
Então vamos ao assunto:
O Valdir Lustosa havia vindo da Casa de Infância, mais um dos meus amigos mais velhos, tinha o irmão Paulo e eles moravam no lar 24.
Disse em outra postagem, quando falei do Sebastião, que na Casa da Infância haviam dois grandes goleiros, o outro era o Valdir.
Ainda que ele fosse um "fora de série" no gol, o time do 24 era de medíocre à ruim, suas belas defesas não salvavam o time.
Nosso próximo adversário seria o 24, a hegemonia do 14 era tão grande que a expectativa era um massacre, com muitos gols.
Cego pela arrogância encontrei o Valdir no Attiê, na hora do recreio, falamos sobre o jogo próximo e devo ter sido bem pretencioso, ele ameaçou de partir pra pancada, formou-se uma rodinha em volta, uns me seguravam e outros o seguravam.
_Tá pensando que vai ser fácil assim? Vamos deixar vocês de joelhos, vão ver, vão ver.
Alterado, mas tentando me manter calmo disse, entre o riso sarcástico:
_Só um milagre vai salvá-los da ruína.
É, fui prepotente, arrogante e nada humilde, vai dizer o leitor.
Sabendo que, se eu alegasse ter doze anos à época, não seria uma boa desculpa, admito que fosse bem canálha nesse episódio. Pessoa mais espiritualizada, diria que eu iria pagar nas próximas encarnações.
Porém, isso não acontece no meu caso, se Deus espera o momento certo pra ajustar as contas com todos... no meu caso, o castigo vem na hora, sempre foi assim.
Da sexta pro sábado, sem aviso nenhum, caiu um verdadeiro dilúvio, fomos dormir com uma chuva medonha e ela perdurou a noite toda, a manhã toda e cessou as 13:00 horas e o jogo estava marcado pras 14.
O campão do Educa era um sonho, grande, bem localizado e imponente, mas em termos de drenagem...
Quando chegamos ao local do combate, veio-nos uma vontade de chorar, o campão havia se transformado numa gigante piscina de lama, pensamos em conversar pra adiar a partida.
O Luís Paulo que, já era preto, trajava um uniforme muito preto. Olhou-nos de rabo de olho, o apito já à boca, balançou a cabeça numa negativa.
O time do 24 chegou, vestindo camisa, calção e meiões cinzas, o Valdir vinha sorrindo na frente da fila, olhei pro céu e o sol era firme, a torcida estava disposta a ver um espetáculo pastelão e gritava pra partida começar logo.
Naquele lamaçal nada adiantaria nosso toque de bola, se o Negão e o Mamede eram os mais rápidos laterais ou se o Tadeu era o melhor jogador de todo o Educa, se o trio de volante do 14 era o mais eficiente do campeonato, a gente mal conseguía nos manter em pé.
Na hora que os times se cumprimentavam, o Valdir ainda ria quando me apertava a mão:
_Eu acredito em milagres, e você?
Nesse momento eu fui ao inferno e voltei e, se tinha uma coisa que pouca gente sabia era que o Valdir era feito o Ayrton Senna, normalmente um ótimo goleiro, na lama ele era imbatível.
Estava em silencio quando nos juntamos no meio do campo, o Viana falou:
_Vamos jogar feio, se tiver espaço, paulada no gol.
E foi mesmo um jogo feio, sem passes, sem toque de bola, sem jogadas de efeito e a torcida se divertido com o espetáculo, a chuva voltou e todos se amontoavam na casinha da arquibancada.
Fizemos o combinado, de qualquer lugar batíamos pro gol, cada chute que dávamos o Valdir fazia uma defesa mais linda e ele ganhou o carinho da torcida.
No primeiro tempo ainda, o Luís Paulo marcou uma penalidade pra nós e ninguém contestou, fui pra bater, posto que, eu era o batedor oficial.
Ajeitei a bola na única parte de grama da área do gol que fica na frente da bica, a torcida gritava o nome do Valdir, ignorei e bati com convicção, esticou-se e buscou a bola, nunca havia perdido um pênalti na minha vida, quando o rebote voltou pro meu lado, me desequilibrei e cai na lama. É claro que virei à piada do jogo, parte da torcida gritava o nome do goleiro, a outra parte me xingava.
Poucos minutos depois, outra penalidade foi marcada, fui pra bola pensando em vingança, antes disso o Tadeu pegou a bola e disse que ele ia bater, minha liderança havia sido desafiada e ninguém do time me apoiou puro pesadelo eu vivia.
Naquele instante, fazer um gol era imprescindível, a vergonha batia em nossos ombros, gente que geralmente torcia por nós, agora gritava o nome do Valdir e ele sorria.
Se na minha vez a defesa foi plástica, o Tadeu bateu firme no canto oposto, à meia altura e o miserável do Lustosa buscou e encachou ela e sorrindo uma gargalhada alta, bateu no peito.
É do brasileiro, essa coisa de torcer pro mais fraco, ainda que eles nem chegassem ao meio do campo, a torcida gritava 24, em alto e bom som.
O pesadelo perdurou o jogo todo, sem poder jogar, chutávamos de qualquer lugar e o Valdir fechava o gol, empurrados pela torcida, todos os jogadores ficaram dentro da área, 11 goleiros e o desespero aumentavam e isso nos contagiou, paramos de agredir, tudo se caminhava pro zero a zero.
O Luís Paulo já consultava o relógio, faltavam poucos minutos pro fim do jogo, uma falta foi marcada na intermediária, conforme eu ajeitava a bola, o arbitro olhava o relógio, o Viana foi pra ponta da barreira, ajoelhei e fiquei falando em voz baixa, falando com a bola, o Luís Sérgio passou por mim e perguntou o que eu estava fazendo, respondi que estava fazendo uma promessa.
Última chance coloquei o pé esquerdo ao lado da bola e calculei um perfeito angulo de 45 graus, dei três passos pra trás e bati.
A bola passou a quatro dedos da cabeça do Viana, rodando na caminhada pra trave e ia no endereço certo, O Valdir saiu com o corpo todo no ar, a impulsão o fez deitar, pareceu um voo, foi lá no angulo pegou a bola com as duas mãos e, ainda no ar, a trouxe para o peito, quando caiu espalhou a lama, entre os olhares de todos e a euforia da torcida, ficou uns breves centésimos de segundos no meio da lama, deu um grito desafiador e esse grito foi pra mim.
Já o Luís Paulo tinha o apito na boca, só faltava soprar, pra aquele pesadelo chegar ao fim.
Ainda com a bola na mão e olhando na minha direção, tive a impressão de que ele ia jogar a bola em mim, deu uns passos pra trás, pra tomar distancia e dar o chutão.
Mais um passo pra trás e escorregou na lama, com a bola na mão, caiu pra dentro do gol.
O silencio que se fez, foi um misto de comédia e tristeza, ninguém acreditava naquela cena, antes de apitar o gol, o Luís Paulo soltou uma longa gargalhada.
Depois do jogo, o próprio goleiro fazia piadas de si, os dois times se cumprimentaram cobertos de lama.
Pra cumprir a minha promessa e me redimir, passei um mês ajudando o a tomar conta dos pivetinhos do 15.

Em memória de um amigo especial.


Não conheci o Valdir Nascimento no Educandário Dom Duarte, quando de lá sai, fiquei um tempo morando com o meu pai adotivo, o Ditinho da gráfica, no centro de Sampa.
E conheci-o, nesse tempo, ele era chefe da cozinha do Maksoud Plaza, disse-me que aprendera a profissão com o irmão Simão, quando era interno do pavilhão 16, homossexual assumido, tinha ideias próprias e uma dignidade na postura e, por conta disso, estava sempre envolto em discussões calorosas.
Quando eu cheguei no Educa, ele já estava saindo.
O Valdir costumava dizer que, toda pessoa, independente de religião, raça ou opção sexual tem que andar de cabeça erguida e fazer valer seus direitos. Nesse tempo, que o adulto em mim estava quase por se formar, esse adulto deu-me os últimos ingredientes e, é claro que ele virou um amigo de primeira grandeza.
Mais tarde, lhe apresentei a Ângela, de quem ele virou mais amigo ainda do que era meu.
Num tempo de dificuldade financeiras, convidamos-o para morar conosco, na Osvaldão e, ele experimentou, pela primeira vez na vida, o prazer de ter uma família, para os meus filhos, ele sempre será o tio Valdir.
Quando soube que era portador do vírus HIV, como era do seu feitio, não fez drama e encarou a situação de frente e, quando sabia que o fim se aproximava, internou-se.
Disse que queria poupar as crianças e, não queria que os amigos o vissem no fim, sem um sorriso.

O descanso merecido.


Quase todas as tardes, a arvore do meu quintal espicha a sombra pra calçada, minha rua é calma e quase nunca, passa um carro ou transeunte.
Levo pra lá, a minha cadeira de praia e fico a apreciar a calma que a vida me proporcionou, de quando em quando, uma pescada e desperto, o neto brinca com um cachorro e grita sempre, fico a contemplá-los, sob o céu azul de Camaçari.
O vizinho, que é a fofura em pessoa, me pergunta:
_ Ô Paulista, tá cansado de que???
Muito calmo, me deixo cair na minha confortável cadeira e devolvo a gentileza na mesma moeda, sem me esquecer que fui educado em colégio de freiras:
_Vá cuidar da sua vida, seu FdP.

O cachorro do Arlindo


Arlindo era um sujeito normal, desses que vão à missa as quintas de noite e aos domingos pela manhã, aparentava uns 25 anos e morava só.
Dele, a vizinhança só sabia que trabalhava com tecnologia, técnico de alguma coisa, supunham.
A casa simples que ele morava não ficava à vista do povo, um muro enorme a escondia, acima do muro haviam uns fios e uma câmera de vigilância pendia, sempre que alguém se aproximava do portão, se podia ouvir o latido forte de um cão feroz, junto com isso, um arrastar de corrente.
Sempre que o Arlindo chegava, passava rápido para dentro do quintal, como se tivesse medo que o cachorro saísse para a rua.
Apesar de nenhum vizinho, jamais ter posto os olhos no Jacaré, todos o respeitavam e temiam sua fúria.
Qualquer pessoa que passasse em frente da casa, ouvia o latido ameaçador, muitos evitavam, quando iam chegando neste trecho da rua, mudavam de calçada.
E se imaginava como poderia ser o Jacaré...talvez um capa preta, ou um fila, quem sabe um dobermann...eram várias as opções, no que todo mundo concordava era que, o bicho era enorme.
A curiosidade do pessoal era tanta que, a professora do primário, da escola do bairro, passou de lição de casa um desenho do Jacaré, como cada criança imaginava a aparência do famoso cachorro do Arlindo.
É claro que as crianças se soltaram, em todos os desenhos o Jacaré era gigante, uma menina desenhou o diabo e coloriu de vermelho.
Houve uma temporada em que quase todas as casas foram invadidas e tiveram vários aparelhos e dinheiro furtados, me diga qual a única casa que os larápios pouparam...isso, a casa do Arlindo.
No dia que o Arlindo disse que ia se mudar do bairro, uma verdadeira multidão se formou do outro lado da calçada, a maioria já preparada para correr, nunca se sabe.
O povo fazia aposta, alguns guris se apinhavam nas arvores da rua.
Alheio a tudo aquilo, com o portão aberto, Arlindo ajudou os carregadores com os moveis e as caixas, toda vez que ele entrava em casa, a expectativa aumentava, os vizinhos ficavam com a emoção à flor da pele, o estranho é que ninguém ouvia o forte latido do cachorro.
Quando Arlindo e os carregadores terminaram o serviço, ele tinha uma caixa media na mão, passou a chave no portão e a guardou no bolso da calça.
Houve um grito na multidão:
_vai deixar o pobre do cachorro sozinho???
E o povo todo se indignou, Arlindo foi vaiado em coral, um vizinho criou coragem e deu um passo à frente:
_. Não pode, isso é desumano, tens que levar o cachorro contigo.
_mas eu estou levando o Jacaré comigo. Respondeu-lhe o Arlindo.
Alguns riram, uns se indignaram e a vaia aumentou.
_. Então cadê ele???
Diante da interrogação geral, Arlindo abriu a caixa que carregava e a mostrou para o vizinho.
O vizinho pareceu que estava tendo taquicardia, deu um grito e pareceu rir, ou chorar, só se sabe é que ele perdeu a fala.
O Jacaré nada mais era que um gravador, que funcionava com sensor eletrônico de movimento.