sexta-feira, 14 de abril de 2017

Pequenas reminiscências.


Fato um, uma das duplas que mais fazia sucesso nos anos 70 era os Carpenthers e isso continuou naquele começo de 80, era composta de dois irmãos, ele compunha e tocava, ela tinha a voz mais linda e conhecida da época e, eu duvido que se achasse um guri que, não amasse a Karen.
Fato dois, o Grêmio Educandário era, da região, o time mais amado, de todo o entorno vinha gente da vizinhança assistir, gente que sequer havia passado do campão e não fazia a menor ideia que, se tratava de um orfanato, o Educandário Dom Duarte, funcionários e internos tinham noção da paixão dos torcedores e faziam de todos os jogos, um espetáculo à parte.
Fato três, o Luis Paulo era, entre todos os funcionários, o mais alegre, uma alegria regada de ironia, referência cultural e exemplo de postura, tudo isso, de uma maneira simples de quem fez do sofrimento de antes a piada de agora e, foi uma das primeiras pessoas que possuíram aquele rádio portátil.
Portátil e forma de falar, ele tinha o tamanho de uma televisão, só não era tão pesado, era muito engraçado vê-lo carregando-o no ombro.
Essa era uma ocasião rara, pois o Luis Paulo não participaria da partida, nem apitando, nem seria parte da comissão técnica, na verdade, o Formigão era bom mesmo como torcedor, não havia uma pessoa na casinha, que não morresse de rir das suas piadas e o time adversário sofria.
Nesse dia, ele apareceu com o rádio no ombro e não queria ficar na casinha, deu a volta no campo com o som na última e viu uma turma sentada na pequena amurada que fica de frente para a bica, avistou a mim, o Viana, o Ué e o Claudio Farofa, pediu a vaga do meio e todos se afastaram para o prazer da sua companhia:
_Nilton, gravei a música dos Carpenthers em fita.
Lá dentro de campo o Grêmio dava canseira no adversário, mais uma partida impecável do Valdevino, o exército de um homem só.
Abriu o deck e introduziu a fita e aumentou o som, tendo o barranco do lago às costas, o som reverberou e estendeu no descampado, um som suave se precipitou e a linda voz da Karen. dominou o ambiente, me lembro de ter fechado os olhos para sentir aquela maravilha de voz.
Inexplicavelmente, o Levi que era atacante apareceu na defesa e deu um chute tão forte que a bola sumiu no bambuzal, ninguém do Grêmio saiu para buscar a bola, se juntaram na área e, disfarçadamente, deram a entender que faziam uma reunião, todos a ouvir a doce voz da inesquecível Karen....do The Carpenthers.

quinta-feira, 13 de abril de 2017

Adeus Elis





  Em 19 de Janeiro de 1982, soubemos da morte da Elis Regina, logo pela manhã.
E, não foi a morte de uma artista, foi a morte de uma pessoa próxima, como se fosse uma pessoa que eu conhecesse da infância, meu modelo de mulher, agora eu tinha 16 anos e, tudo que eu sabia de música, era pela voz dela, através dela, eu conheci o Clube da Esquina, o balanço de Tim Maia, o som de Gilberto Gil, João Bosco, Ivan Lins e a poesia de Belchior.
  Ouvia uma música, não importava o estilo, e já pensava:
  _Putz, na voz da Pimentinha, isso fica legal.
  Eu e meus amigos do colégio e, estudávamos no E.E.P.G Alcides da Costa Vidigal, no ginásio, resolvemos que não iriamos para a escola nesse dia, no dia seguinte fiquei sabendo que os poucos guris que foram para escola, tiveram que voltar, todos os professores e a diretora, haviam faltado.
  Alguns dos amigos disseram que iam ao velório, eu não fui, até hoje, sou avesso à funerais, fiquei sozinho e fui andar.
  Como não ia usar o dinheiro da condução, resolvi tomar um refrigerante.
  Fui até o bar do Barroso, puxei o banquinho, pedi a Coca e me sentei, o Barroso estava com os olhos vermelhos, o homem era um troglodita e eu duvidei que fosse por conta do luto, mas, para me contrariar, ele já foi falando da morte da Elis e, sem qualquer vergonha, chorou compulsivamente, depois se retirou para atrás do balcão.
  Eu estava em silencio e, assim permaneci, na mesa atrás de mim, haviam 3 senhores, que bebericavam suas cervejas tranquilamente, a esposa do Barroso saiu da cozinha, passou pelo balcão, me acenou com a cabeça e foi ligar o rádio.
  O locutor falava da perda da grande estrela:
  _Essa gaúcha de Porto Alegre...
  Vendo que a notícia ia fazer mais infeliz o marido dela, girou o botão e desligou o rádio.
  O mais velho, dos homens da mesa falou:
  _Gaúcha, veja você, eu sempre achei que ela fosse daqui mesmo. Ela tinha o jeitão daquele pessoal da Mooca.
  O homem do meio da mesa, tirou o chapéu:
  _. Jurava que ela fosse mineira.
   O terceiro não disse nada, tinha os olhos fixos no copo, e o silencio imperou no ambiente, uns minutos mais tarde, ele pegou o maço de flores, que havia acomodado no colo, levantou-se e disse aos outros:
  _. Vamos lá, prestar nossas homenagens.


Heranças de uma geração.


As obras "Como nossos pais" e "Aos nossos filhos", não são, como os títulos podem sugerir, respostas de uma a outra ou continuações, são momentos brilhantes de jovens que, viveram num país sem esperanças.
 Vítor Martins pede paciência aos seus contemporâneos, posto que, um sol brilhará e Belchior ironiza o momento carrancudo, diz que, apesar da carranca, o espelho nos denuncia.
Dois poetas que viveram o mesmo momento, vendo-o com a diversidade dos pensamentos, as duas obras são imortais, heranças para a humanidade.
Em comum mesmo é, o fato de, as duas terem sido imortalizadas na voz, no riso e no choro da imortal Elis Regina...a voz.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

O lugar mais lindo do mundo.


Nas manhãs de inverno, quando se perguntava se havia mesmo motivo em sair da cama, uma densa névoa cobria a estrada que levava ao cenáculo, uma bruma que dava impressão de se ter chegado ao céu.
Nas manhãs de primavera, antes do sol se firmar, florezinhas amarelas traziam as borboletas coloridas na subida da jaqueira.
Em alguns dias de julho, um bando de guris esperava embaixo da araucária gigante, o momento certo da penca de pinhões despencar.
Na frente do pavilhão 14 havia uma área sombreada, sombra suave produzida por uma fila de seringueiras bem podadas, atrás do pavilhão uma fileira de uvalhas floresciam e traziam as abelhas, do lado de fora dos dormitórios, uma enorme primavera estendia seus galhos com espinhos e dava flores lilás.
Mesmo conhecendo muitos lugares de São Paulo, o Educa nunca deixou de ser o meu cantinho, meu lugar mais lindo na terra.
Vindo de ônibus, de qualquer lugar, no começo da Raposo Tavares se sentia a temperatura amenizar, se podia sentir a mudança de ares, na curva do cemitério israelita o ar melhorava mais ainda, o coração se sentia em casa, quando se entrava na portaria e iniciava-se a subida de paralelepípedos vinha a sensação de se estar em casa, uma subida que valia pela beleza, do lado direito os prédios mais lindo estavam perfilados, do lado esquerdo o imponente campão se exibia, depois vinha o lago sem nome e o bambuzal, no fim do turismo fantástico se ficava em frente ao SENAI, uma curva à esquerda e vinha o teatro, sempre se dava sorte arrancar uma folha do buchinho que crescia em seu jardim em forma de círculo, no lado esquerdo uma longa depressão punha a piscina aos nossos pés e a vista do campão era muito mais imponente e, se iniciava a subida da jaqueira.
À despeito do meu jeito introvertido, os amigos do 14 eram mestres em tudo o que se referia a habilidades de criança, com eles aprendi tudo, de jogar bolinhas à andar de pernas de paus.
O irmão Augusto se referia a eles como índios e quando faltavam cobras no viveiro, recorria a eles para caçá-las.
Raros eram os meninos que ficavam na terra batida da entrada do pavilhão, salvos os meninos que tinham limitações físicas, o Lucídio e o Adalberto eram esses, raramente saíam dos arredores do pavilhão e gostavam de brincar na sombra das seringueiras.
Paralela às seringueiras, num plano mais baixo, corria uma estrada que findava no pavilhão 15, do lado direito tinha o bananal do 14, a poucos passos da nossa caixa de alvenaria, uma enorme árvore havia sido cortada, ficando ali somente a raiz e ela não morreu, no meio da raiz havia um enorme buraco, dentro desse buraco as abelhas fizeram uma colmeia.
Não se tratava de uma colmeia pequena, quem vinha da bifurcação do 12 ouvia o zunir das abelhas e isso contava uns cinquenta metros de distância.
Os guris do 14 dominavam o ambiente e sabiam tudo da terra, do tempo de plantio, época de amadurecimento e comportamento das plantas e dos insetos, só não dobravam o ar...eu e o Ovinho éramos os gafanhotos, os aprendizes.
Enquanto o Viana, o Edson, o Tequinha e o Spock se aproximaram do tronco, nos mantivemos a uma boa distância do perigo.
O sexteto era assim, quatro mestres e dois aprendizes.
Trouxeram uma câmara de bicicleta rasgada em tiras, um saco de estopa, uns pedaços de paus e uma garrafa de gasolina, não tenho certeza, mas, acho que o último artigo foi roubado do Fusquinha do seu Odilon.
Amarraram as borrachas nas pontas dos paus e cobriram com as estopas, quatro tochas, antes de as empaparem na gasolina, o Spock gritou para o Adalberto e o Lucídio se afastarem, eles observavam da parte mais alta do barranco, correram para a área do pavilhão e se esconderam.
O zumbido aumentou quando o fogo foi aceso, a tocha produzia uma fumaça preta e as abelhas começaram a se afastar, os quatro brandiam as tochas na direção do epicentro, em breve saborearíamos o mais puro dos sabores do mel.
Quando o Viana já havia pego um favo nas mãos, houve uma reviravolta e um enxame atacou o Spock e ele começou a gritar soltando a tocha, os outros, tomados pelo pânico, soltaram tudo e correram, eu e o Ovinho ganhamos a dianteira e descemos correndo o bananal, atravessamos-o e caímos no fundo do teatro, haviam uns guris do 13 ali, nos viram correndo em sua direção e se assustaram, pensaram se tratar de um ataque vietnamita, gritamos:
_Abelhas.
E esses engrossaram a turma de corredores, perto dos buchinhos haviam mais guris, que passaram a correr também, já estávamos longe e as abelhas não desistiam, ganhamos a picada que fica acima da arquibancada da piscina, correndo ao lado do lago a turma já chegava a uns vinte guris, os guris grandes que tocavam violão na arquibancada, entraram no pelotão e nada das abelhas pararem, a colmeia toda estava no nosso encalço, quando vencemos a subida do bambuzal, percebi que na gola longa da camisa do Spock uma abelha maior que as outras jazia tranquila, já atravessávamos os paralelepípedos rumo ao gramado do Grupo Escolar e então eu gritei.
_Spock, tira a camisa.
Ele, que gritava das dores das ferroadas, batia no próprio rosto.
_. Tira a camisa, você está levando a rainha.
E passaram todos a gritar para o Valter se livrar da camisa, no meio da grama, a camisa dele ficou e toda as abelhas foram para lá.
Param todos os guris no jardim da frente da escola e passaram a contabilizar os prejuízos, eu havia tomados umas cinco ferroadas, nenhuma no rosto, o Ovinho havia tomado umas três, todas no rosto e parecia um personagem de filme de terror, foi difícil não rir da sorte do amigo, por umas boas meia hora ficamos ali conversando e rindo, saímos em 6 do 14 e fomos arrastando quem estava no caminho, haviam uns vinte guris agora e história para contar no recreio da segunda feira.
Pelo caminho de volta achamos a terra de formigueiro, molhamos com cuspes e cobrimos a feridas, coisa de índio.
Quando chegamos ao 14, o Lucídio e o Adalberto já haviam enjoado de tanto mel.

A castanheira


Definitivamente, eu gosto muito de árvores, meu hobby predileto é plantá-las, já plantei árvores em lugares absurdos da capital de Sampa.
Elas sempre habitaram a minha vida, antes do Educandário Dom Duarte eu já tinha essa paixão, na Casa da Infância uma enorme seringueira reinava absoluta no canto da quadra, a coisa que eu mais gostava de fazer era subir em sua copa, de lá, se podia ver uma grande extensão da avenida Nazareth.
Quando cheguei ao Educa essa paixão cresceu e virou amor, dificilmente, o leitor não irá encontrar, nas minhas narrativas, uma árvore.
Elas são grande parte da minha infância e, como tal, são amigas da minha infância.
Já contei da jaqueira da subida, do abacateiro da bifurcação, da araucária gigante do bosque, das uvalhas de trás do pavilhão e dos pinheiros que ladeavam a estrada do 12, me lembro que quando desembarquei no 14, em volta do prédio amarelo havia uma imensidão de árvores, acalmei o coração e me disse:
_. Ah, eu posso morar num lugar lindo assim.
Talvez alguns dos antigos moradores do 14, contemporâneos meus, possam ter esquecido dela e, eu posso entender isso, por vezes, ela causava revolta nos meninos.
Do lado direito do pavilhão, se estendia uma enorme área de terra vermelha batida, que vinha do barranco das uvalhas e terminava por trás da fileira de seringueiras, isso compreendia uns trinta metros quadrados, do lado de fora da rouparia, ela imperava, seus galhos eram fortes e grossos e se abriam para os lados, sua sombra dominava a área toda, incluindo a rouparia e o refeitório, em tardes de verão, ali sempre era o melhor lugar para brincar ou contar histórias.
O que revoltava os meninos era a obrigação diária de limpar aquele pátio, não pelo trabalho em si, é que a castanheira jogava constantemente a sua produção, as castanhas vinham ao chão, cada três ou quatro delas, envolvidas em uma proteção de espinhos, esses eram uma tortura para a pele, havia uma época do ano que essa área parecia um tapete marrom, de tanto espinho.
Em compensação, na época certa, a castanha que vinha dentro, depois de cozida, fazia toda a tortura valer à pena.

O Brasil é branco

7, em cada 10 brasileiros, descendem de negros.
No entanto, só 3, entre eles, tem consciência disso e, os outros 4
votam em gente branca, consequentemente, o congresso nacional é branco.
Nosso inimigo, somos nós mesmos.

Sem mi-mi-mi.


O "brasileiro" diz que não é racista, até que se sente lesado, nesse caso, o ladrão sempre vai ser o cidadão mais escuro, o culpado, a liberdade dada fez com que não nos indenizassem pelos 300 anos de escravidão e nos vestiu com o estigma do ladrão a ser preso.