sexta-feira, 21 de abril de 2017

O orgulho do Educandário Dom Duarte

Nos tempos de adolescente no E.D.D, somente três coisas davam status pros pivetes como eu:
Sair com uma mina show, jogar no dente de leite do Grêmione tocar na banda...não, necessariamente nessa ordem.
A primeira eu estava engatinhando, mais cedo ou mais tarde ia rolar, a segunda foi difícil, mas eu, o Viana e o Feliz conseguimos e fomos babando, juntos, pra fanfarra.
Pegamos uma época de declínio, muitos dos feras já haviam saído e o comando estava sendo trocado, nem fazíamos que estávamos participando do capitulo final, os últimos acordes do orgulho do Educandário Dom Duarte.
O Feliz e o Viana, que já tinham uma habilidade musical se sentiram à vontade, um pegou a caixa e o outro pegou um surdão...e eu ???

  Me jogaram uma marimba nos braços e, quando me perguntavam que instrumento eu tocava, na maior, eu respondia:
_De tudo um pouco.
O Zé Almir já era veterano, tocava o bumbo, ensaiava do meu lado, fazia uma graças com as baquetas, rodava-as nas mãos e batia...Ah que inveja do Zé !!!.

  Geralmente ele era desajeitado, engraçado até, mas ali era senhor de si, e eu com a minha marimba.
A fanfarra ficou sem comando, o João Beline, que era marido da professora Íris e pai da Ilka, minha amiga, se ofereceu pra comandar.
Se dava status pros meninos, imagine como era prum adulto, comandar a maior e melhor fanfarra de São Paulo, não deu outra, o seu joão ficou insuportável, com ares de muito importante.
O Francelino tocava o trompete, um passo na minha frente, de quando em vez desafinava, mas, quase não dava pra perceber.
O Zé fazia seu habitual malabarismo, o Francelino deu uma nota errada e eu na minha marimba esperando a minha hora, o chefe da fanfarra se aproxima e fica do meu lado, de ouvidos atentos, o Francelino dá uns acordes perfeitos, o Zé castiga o bumbo e o faz de olhos fechados, o trompete desafina só um pouquinho, o seu João tem dúvidas e chega mais perto, minha vez de tocar a marimba...tim, tim, dom, o chefe gostou e sorriu pra mim, aproximou-se do Francelino, não ia perder o próximo acorde do trompete, ao fazer isso fica muito perto do bumbo, inclina a cabeça, esperando o Francelino soprar...
Antes mesmo que o Francelino tocasse, a baqueta pesada o atinge em cheio no nariz, pulei pra trás, no espaço que eu deixei cai o corpo do chefe da fanfarra...nocauteado, feito um lutador de boxe.

quinta-feira, 20 de abril de 2017

O plano B


Um dos amigos, ao qual eu tinha mais consideração, era o Zilmo.Já da Casa da Infância nos dávamos bem e, no Educandário Dom Duarte nos separamos, ele foi morar no lar 13 e, quem é do meu tempo vai lembrar dele, pois o nome é bastante incomum, se não lembrar por isso, ão de lembrar que ele tinha, vez em quando, ataques epiléticos.
Duravam, esses ataques, coisa de uns poucos minutos e, me lembro que, quando eles acabavam, o amigo se sentia humilhado, além da falta total de controle da situação, chamava a atenção de todos e com isso, sempre vinha o coitadismo por parte de quem não o conhecia.
Fora esse detalhe, o Zilmo era igual a todos os índios do Educa, fazia as mesmas coisas e ainda defendia o gol do pavilhão 13.
Sempre ficávamos conversando de frente do teatro, quando não estávamos perseguindo o lagarto do bambuzal, ou perto do lago da piscina e, como ele era besta feito eu, tínhamos assuntos de sobra e nos chamávamos de "A dupla café com leite".
Fora dos limites territoriais que pertenciam aos pavilhões, sobrava uma grande faixa de terra ao Educandário Dom Duarte, essa área tinha que ser zelada, quer dizer carpida e limpa.
O grupo encarregado dessa limpeza era chamado de "Força Tarefa", nessa empreitada eram chamados os internos, de todos os pavilhões e o comando ficava à cargo do irmão Wilson, que, além de ser o enfermeiro do colégio, era o chefe da banda.
O verdadeiro exército de meninos com enxadas às costas parou em frente ao cenáculo, eram 7 horas da manhã, uma névoa de madrugada ainda podia ser vista na difusão dos raios matinais, no meio de todos os meninos estávamos eu e o Zilmo.
Descemos em fila até o sopé do barranco e marcamos nosso eito, um ao lado do outro, à medida que as enxadas batiam no chão, uma fina poeira subia do capim gordura e impregnava o ar.
O sol já se punha alto, o calor aumentava e o metal da enxada batia num compasso fúnebre, uma batida no chão, uma arrastada na terra e uma fração de silencio e recomeçava tudo de novo.
O suor escorria da minha testa, olhei pro Zilmo e, branco que ele era, estava vermelho e ria.
_Tá rindo do que, moleque?
_É hora do plano B.
_Tá falando do que?
Não disse mais nada, tirou o Kichute dos pés e os pôs de lado, juntou um monte de mato carpido, como quem prepara uma cama.
Puxou a respiração e deu um grito sinistro e caiu ao chão, se contorcendo como se estivesse tendo um ataque, a maioria dos meninos não sabiam como lidar com aquilo, só eu fui socorrê-lo.
Em coisa de poucos segundos, o bolo já havia se formado em nossa volta e o irmão Wilson se lamentava por não ter trazido a caixinha de primeiros socorros.
Depois que o Zilmo voltou a consciência, me foi dada a ordem para levá-lo de volta ao seu pavilhão, saímos do grupo, ele capengando e apoiado no meu ombro, quando dobramos a estrada do 14 nos ajeitamos e rimos à valer, passamos o resto do dia empinando pipa no barranco do 17.

35 anos de casamento.


Mas, não foram ininterruptos, esses 35 anos.Houve um intervalo em que eu e a Angela Camargo Victorino estivemos separados.
Num belo dia eu cheguei transtornado em casa, os meninos ainda pequenos, meti o pé na porta e gritei:
_Mulher, estou cansado dessa vida, quero a minha liberdade.
E fui decidido, peguei o meu apito, minha camiseta de São Jorge e, o resto que ficasse pra ela e, pisando firme, saí porta afora.
Ela me viu sair e não disse nada...Ah, se ela dissesse.
Esse longo período durou exatos 15 minutos, bati na porta, que não havia levado a chave.
Só me sorriu, um riso irônico.
_Fia, hoje tem jogo do Timão na televisão.
_Seja bem-vindo de volta, depois do jogo lave a louça.
_Eu gostei foi do romantismo.
_O quê??
_Nada.


quarta-feira, 19 de abril de 2017

Memórias de um dinossauro.


Em 1991, meti uma firma no pau e tirei uma bolada, dinheirinho bom de verdade.
Meu amigo Outrossim, olha bem o nome da criatura, sabendo do acontecido, ofereceu os seus préstimos como consultor de negócios.
Disse que eu devia pegar todo o montante e investir em ações da companhia telefônica, ele mesmo já havia convertido tudo o que havia economizado nessas tais ações.
Fiquei mesmo tentado, por essa época o aparelho celular era delírio de ficção científica e uma linha telefônica tinha o preço de uma boa casa, num bairro nobre.
Mas, como é da minha natureza, amarelei e torrei a grana toda sem arrependimentos.
Eu tenho um telefone fixo que toca uma vez por semana e, mesmo assim é engano ou cobrança.
O amigo nunca mais vi e, sempre que vejo um mendigo na rua, tenho a impressão de que vou encontrá-lo.

A canção perfeita

  As pessoas costumam dizer que, tem música que conta história... eu vou mais longe, todo momento que eu vivi, tem uma música para lembrar, minha memória e a música caminham juntas, a música é o combustível que ativa as minhas lembranças.
  Em 1977, quando fui trabalhar na administração do Educandário Dom Duarte, com o seu Tinoco, pensei que estava sendo punido, não que eu não merecesse castigo, mas, quem imagina que um guri de 12 anos, vá se entender com um senhor, com mais de 80 primaveras, ranzinza e caladão.
  No começo, havia só o silêncio, silêncio propriamente não, arrastava-se no ar aquela música que vinha do rádio dele, uma música marcial, aqueles acordes inflexíveis, aquela coisa monótona e repetitiva, muitas vezes, ele percebia que eu fechava os olhos na minha cadeira, dava um forte tapa na mesa e, eu acordava assustado, ele sorria feito uma criança, que acabou de cometer uma travessura.
  O ajudante do seu Tinoco, diferente dos ajudantes do seu Reginaldo e do seu Alones, não saía para entregar bilhetes ou comprar alguma coisa, portanto, eu tinha que ficar ali, naquela guerra de gerações, Todos os prédios do Educandários datam de 1930, a sala do seu Tinoco parecia ser vitoriana, lá fora, os outros meninos escutavam The Commodores e Guilherme Arantes, lá dentro, a trilha sonora era, supunha eu, a de um campo de concentração.
  Na sala, haviam, além das fotos antigas, troféus enormes, de um tempo de glória da fanfarra e do futebol Educandariano, a minha curiosidade fez com que ele se abrisse e, do baú aberto, havia uma riqueza de detalhes, datas e acontecimentos, aquele velho mal-humorado era um narrador apaixonado, conhecia todas as histórias que os troféus não mostravam.
  Viciado em leitura, naquele tempo, não abri um livro, toda cultura que adquiri, foi via oral, minha mente viajava, as histórias eram dum tempo duro, nossa!.... Se no meu tempo era duro ser interno, imagina no tempo dele, onde reinava uma disciplina militar e os internos eram tratados como prisioneiros.      Aquilo foi tão bom para mim, que anos depois, fui entrevistar um velho combatente da revolução de 32, como trabalho de estudos sociais, o pracinha ficou impressionado com o meu conhecimento de causa que quis me adotar.
  Ainda assim, a música continuava a mesma, certo dia, faltando poucos minutos para o meio dia, entrei na questão:
  _Seu Tinoco, essa sua música faz pensar em suicídio, eu até que gosto de clássicos, mas convenhamos... Vagner é de lascar.
    _. Ué, eu gosto de Vagner, disse isso e sorriu, um sorriso desafiador.
  _O Hitler também gostava e isso não fez dele um ser humano lindo.
  _E. o que o "programador" sugere ???_disse ele, ainda rindo.
  _Poe aí, umas músicas de negão, falei isso, mas, já estava saindo da sala e ganhado a garagem, ele saiu até o corredor e gritou:
    _. Amanhã, vou te mostrar o que é música.
  No dia seguinte, ele tinha, em cima da mesa, uma vitrola antiga com um disco de 78 rotações, na capa do disco, que estava em cima da mesa, um nome:
  Scott Joplin, confesso que isso não me impressionou nenhum pouco, o velho segurava o braço da agulha e com um ar misterioso, começou a narrar:
    _. Imagine um mundo, um mundo sem jazz, só havia as polcas e as valsas...
  Conforme ia contando a história, crescia e descia o tom da voz, conforme a emoção, contou que os negros, nos barcos que navegavam o rio Mississippi, aprenderam a tocar piano, olhando os brancos, mas, aprenderam do seu modo, usando a parte preta das teclas, isso deu um som diferente de tudo o que era conhecido e, muito mais rápido no seu passo, servia mesmo para dançar, essa música, foi dado o nome de Ragtime e, só então, soltou a agulha no disco.
  O som que ecoou na sala, me conduziu direto ao começo do século XX e a música era conhecida, aquelas músicas incidentais do cinema mudo.
  É claro que fiquei encantado, a evolução da música foi mostrada, cada dia um disco diferente e nem se eu tivesse um curso intensivo, eu teria um professor deste gabarito.
  Blues, Jazz, isso, no entender dele, era música de negão e ele conhecia tudo, de Glenn Miller à Sinatra, de Cole Porter à Nat King Cole, mas tinha uma paixão especial por Billie Holiday.
  Quando falava dela, seus olhos brilhavam, sabia tudo sobre ela, suas músicas e sua vida, todos os dias, ele trazia um disco de Jazz ou Blues e no final, sempre executava um da Billie.
  Minha canção preferida sempre foi Blue Moon, quer dizer, a canção preferida dele, virou a minha.
   Então juntos, chegamos à conclusão que a música perfeita seria ela e, na voz da Billie.
  Na minha vida, conheci muitos amantes de Jazz, desses, oito entre 10, eram apaixonados pela Billie... aos poucos, eu me tornei um deles.
  Anos mais tarde, eu já trabalhava na Procuradoria Geral do Estado, passeava para os lados do Metrô São Bento, quando ouvi a Billie interpretando. Estrange frut., jurei para mim que ia comprar esse disco, entrei na loja e havia um senhor sentado, ouvia a música com os olhos fechados, tinha uma coleção dos discos dela, passei em revista, disco por disco e, no meio de todos eles, achei um que me assombrou, peguei-o e levei para o vendedor:
  _A Billie gravou Blue Moon mesmo?
  Ele acenou com a cabeça que sim, não acreditei e pedi que ele a executasse na vitrola, ele obedeceu, quase chorei de emoção, comprei o disco.
  No dia seguinte, fui para o pavilhão 11, que agora estava convertido em asilo, o seu Tinoco sorriu a me ver adulto, quando lhe entreguei o disco, seus olhos brilharam e gaguejando disse:
  _A canção perfeita.
  Essa foi à última vez que vi meu velho amigo de infância.


terça-feira, 18 de abril de 2017

O pai ausente



Ainda naquele assunto de ser órfão, fui-o desde os três anos e nunca tive problemas com esse fato, no Sampaio Viana era tudo muito confuso e muito escuro, na Casa de Infância do Menino Jesus veio à luz e a alegria e, no Educandário Dom Duarte me tornei homem.
Diz-se que, órfão não tem mãe e, me desculpem, isso é um erro gigantesco, eu tive umas 20 mães e umas 50 madrastas.
  Funcionárias de orfanatos e freiras não resistem a um menino carente, eu tinha um rosto de anjo e, sabia usá-lo nas conveniências.
  O pai do órfão é aquele que lhe providencia o lugar onde dormir, comer, estudar e passar a infância em relativa segurança, então, o órfão tem como pai legal, o juiz de menores.
  É ele, um nome na ficha e na certidão de nascimento do interno, é ele quem responde pelo interno, até que ele atinja a maioridade.
Me lembro de que, por várias vezes, eu e o Viana, que também era órfão, falávamos um para o outro:
_Vai pro centro, aproveita e visita o nosso pai.
  O mesmo juiz que assinava a minha ficha, assinava a ficha dele, portanto, além de irmãos, tínhamos o mesmo pai.
  Eu fui o primeiro interno a estudar numa escola fora dos domínios do Educandário, me mandaram pro Vidigal como parte de uma experiência, se desse certo, outros internos poderiam estudar fora e... deu muito certo.
  Nos dias de reunião dos pais, meu pai era o padre Paulo.
   O cabeça chata nunca usava a sua batina, no dia da reunião dos pais, ele vinha de batina.
Sempre havia um guri mais engraçadinho que fazia a piada:
_. Aquele padre ali é o seu pai?
E eu caia logo de voadora:
_. Isso mesmo, e a minha mãe é a mula sem cabeça.
  O padre Paulo foi mais um dos homens que cuidaram de mim, pude contar uma dezena deles, mas, meu pai legalmente era o juiz de menores.
  Cuidava de mim de longe e fazia bem o seu trabalho, a vida toda eu tive a certeza que não o conheceria, mas ...o destino é brincalhão e a minha vida é uma comédia.
  . Em agosto de 1983, eu já completara 16 anos, trabalhava, namorava, ia para as baladas e estudava.
  Mandaram-me chamar na administração do Educa, em sua sala, a dona Néri tinha a companhia do padre Paulo.
  Cumprimentei-os e entraram logo no assunto que mudou a minha vida.
  Disse-me que eu ia ser transferido pra um pensionato na Vila Carrão, o pensionato recebia menores do Educa e da FEBEM, tinha horários e regras...
  Enquanto ela contava os prós e os contras, um filme me veio à mente, lembrei-me do dia que eu cheguei ao internato, a dureza de ser novão, a adaptação à nova vida e percebi que havia crescido, minha prisão havia me ensinado o gosto pela liberdade, uma ficha que já ameaçava, caiu.
  Paciente, esperei que ela terminasse o padre Paulo que me conhecia e sabia que eu não ia aceitar aquilo, desviou o olhar.
_ Isso foi o que determinou o juiz de menores. Arrematou ela.
  Levantei-me da cadeira e, numa tranquilidade assustadora, estendi-lhe a mão, assim que ela apertou-me os ossos eu disse:
_Desculpe-me, mas, meu tempo de ser mandado acaba agora, a partir desse momento eu me dou a maioridade, nunca mais alguém vai dizer o que eu tenho ou não que fazer.
  Apertei a mão do padre Paulo e agradeci, sai dali e segui para o pavilhão 22, juntei minhas poucas coisas e me despedi dos meninos, sem qualquer drama, como fora toda a minha vida no Educa, fui-me, de cabeça erguida e mil planos na cabeça, quando cruzei o portão, o seu Felipe, bem mais velho do que no tempo em que eu cheguei ali, me perguntou:
_Não vai se despedir do amigo? O velho sorriso de sempre.
_. Mas que despedir, todo santo dia vou estar aqui, para esperar o ônibus, seu careca ridículo.
  . Apertei-o contra o peito, um abraço para um amigo que me viu entrar criança e sair adulto.
  E, me fui morar ali, na Osvaldão.
  Trabalhava na Procuradoria Geral do Estado e o diretor me mandou chamar e disse que nesses casos o juiz emitia um mandado de captura contra o menor evadido e, se isso acontecesse, ele teria que me demitir.
  Bom, aproveitei o correio e escrevi uma carta ao tal juiz, não me lembro com exatidão do conteúdo da carta, nela eu agradecia os anos de ajuda e tudo mais e, saiu com um capricho tão grande a carta, que teve resposta.
  Dois dias depois, recebi um telefonema, a secretária do tal juiz marcou uma audiência, finalmente eu ia conhecer o meu pai, ri interiormente e tive medo de rir na presença dele.
  No dia marcado, a secretária me conduziu a uma sala ampla com ar condicionado, sentei-me na cadeira que ficava na frente de uma enorme mesa de mogno, acabada num verniz quase vermelho, do outro lado da mesa havia uma cadeira estofada, atrás da cadeira uma porta de cerejeira, dali sairia o juiz.
Esperei um quarto de hora, o estranho é que havia uns barulhos confusos que vinham da direção daquela porta, finalmente a porta se abriu e saíram umas 30 pessoas, todas com papeis na mão, levantei-me em sinal de respeito.
Um homem grisalho postou-se a minha frente e disse que era o juiz que me representava os outros todos também eram juízes de menores, ficara tão impressionado com minha carta, que fizera copias dela, mandou pros amigos e todos eles estavam ali pra me conhecer.
Eu havia sido o primeiro e único órfão que agradeceu a um juiz pelo cuidado de uma vida e, o único a pagar esse mico.

segunda-feira, 17 de abril de 2017

E, a vida segue seu rumo...


  Toda vida e todo destino segue o rumo que tem que seguir, alegrias e sofrimentos vem, conforme o merecimento de cada um.  Minha mãe, alguns anos atrás, pediu desculpas pelas coisas que aconteceram e me levaram a viver uma vida de órfão, sorri pra ela e disse:_Não tem o que perdoar, jamais abriria mão da vida intensa, das aventuras, dos aprendizados e dos amigos que conquistei.  E, não fiz média não, se eu vivesse uma vida comum, lá no Bexiga, tenho certeza que não teria metade das coisas que tenho pra contar, aprendi a olhar o comportamento humano e a ser tolerante com a vida e a natureza das pessoas, medir as consequências dos meus atos e a respeitar a opinião alheia...Bom, essa última eu ainda estou aprendendo.  Relegado ao meu papel secundário e sempre na posição de observador, vi a injustiça aflorar, vi milagres e lições que, só quem presta muita atenção vê e, nada disso eu poderia ver, senão na pele do órfão.  Sempre fui poupado pela sorte que, me virava os olhos nas horas do perigo, pude ver que, nessa vida não cabe espaço para “mocinhos e bandidos”, cada qual dá o seu melhor e a vida se desenrola, independente se alguém a está observando.  Minha vida no Educandário Dom Duarte se deu na passagem da infância pra adolescência e, convenhamos... esse é o tempo melhor da vida.  O Ovinho do 14, tinha o nome de Adilson, o apelido era devido ao formato da cabeça, em época de corte de cabelo obrigatório, o tampo da cabeça dele lembrava um ovo deitado.  Era daqueles guris hiperativos, vindos da FEBEM muito pequeno, tão pequeno que, nem fazia a mínima ideia de sua família, como todos nós tínhamos problemas nesse departamento, não costumávamos falar desse assunto, a melhor terapia era bater uma bolinha e esperar as coisas se ajeitarem.  É claro que isso era uma fuga do assunto, geralmente funcionava bem, mas em domingos de visita essa condição ficava insuportável e, depois do almoço, sumíamos do Educa.
  Na Rua Santa Barbara, o Ovinho tinha uma namorada e fugindo do fusquinha do irmão Domingos, íamos pra lá.
  Pra não ficar segurando vela, aproveitava pra visitar os amigos da escola e o Edson Pirata (ex-interno do 16) que já tinha mulher e duas filhas, quase de noite, voltávamos para o colégio.
Ambos tínhamos 11 anos, idade certa pro time dos pequenos, não me sentia pequeno e, não tendo vaga pra mim no time dos médios, me recusei a disputar o campeonato de 1978, torci pro meu pavilhão e ensinei o Ovinho a se posicionar como centro avante na área, ele terminou o campeonato com 47 gols, não parece muito, mas, em 12 jogos disputados é muita coisa.
  Assim crescem as crianças, alheias as condições e circunstância, o importante é se divertir.
  Se o seu mundo é limitado, sua capacidade de ser feliz não conhece limitações.
  Num belo dia, quando assávamos milho verde na brasa, bem perto do milharal, apareceu no lar 14 um senhor dizendo ser o pai do Ovinho, digo Adilson e, isso foi um susto.
  O homem contou uma história com passagens complicadas e circunstância triste, não que tenhamos entendido metade de tudo aquilo, mas ficamos felizes pelo amigo e, foi-se embora o amigo Adilson.
  Fui algumas vezes visitar a sua família, que possuía residência na Consolação e escritório na Paulista e podia se perceber que o novo Adilson se sentia um peixe fora d’água, tinha saudades de ser o Ovinho.
  Todo domingo de visita, saía do luxo de sua vida nova, comprava doces e visitava os irmãos que a vida lhe dera.