quinta-feira, 4 de maio de 2017

Um prelúdio


Uma vegetação separava o campão da subida de paralelepípedos, uma cerca viva e, não nos atenhamos ao nome que ela possa ter, na primavera ela dava umas flores de um tom de rosa desbotado, a mesma cerca separava a quadra de terra batida do fosso do campão, onde o seu Alones corria todas as tarde e, essas, eram de um rosa quase vermelho, a casa do seu Paulo tratorista, que todos chamavam de lar 10, tinha a mesma cerca, só que ali, elas nasciam amarelas.
No espaço baldio, entre a coelharia e a assistência, bandos de andorinhas e bicos-de-lata disputavam no capim alto, os dois bandos marcavam presença na base do alarido.
Atrás do pavilhão 12, a dona Tereza plantou uns pés de dama-da-noite, eram lindas as flores brancas e, nas noites mais escuras seu odor adocicado se espalhava e, em toda a planície norte do Educandário Dom Duarte se podia senti-lo.
E existem pessoas que viverão uma vida longa, sem ver nada disso.

terça-feira, 2 de maio de 2017

A Cleide.


Júlio era o nome do homem que administrava duas hortas que se encontravam dentro das terras do Educandário Dom Duarte, nascido na terra do sol nascente, quase ninguém o chamava pelo nome, as hortas eram do Japonês e pronto.
Uma delas ficava ao lado do campo do 14, uma boa parte da estrada que levava ao cenáculo, caía num aclive longo e morria na parte baixa, quando encontrava o lago. Essa parte, agora, pertence ao CDHU-Educandário.
A segunda horta ficava nas encostas da fileira de pavilhões que se seguiam na estrada da pensão, uns três lagos, incluindo o do 24, a abasteciam, essa, se encontrava onde hoje compreende as terras da COHAB-Educandário.
A turma que estudava pela manhã, podia ver o esguichar da irrigação, eles formavam arco de água e mantinham a plantação sempre molhada.
No fim da horta, se encontrava a Escola Estadual de primeiro grau Luís Elias Attiê, eu e meus amigos estudávamos nela, desde a inauguração, um ano antes.
Estamos em março de 1979 da era cristã e, depois de dois anos seguidos, ter tido o desprazer de estudar em salas onde predominavam alunos do gênero masculino, sendo que, eram todos internos, minha sala tem meninas e são elas:
As duas filhas do seu Alfredo, que quase não falavam e eu, imbecilmente, esqueci-lhes os nomes, tem a linda Claudia, que é sobrinha da dona Havanir, tem a encantadora Ylka, a filha da professora Íris e do João Bellini, a Verônica, filha do seu Valdemar sapateiro, a Norma e a Nazaré, que moravam na Osvaldão, a Lígia, aquela bandida que me roubou o coração, tem também a Valdeci, aquela que contei uma aventura de beijo e, por fim, a Cleide.
Pelejei para coloca-la um predicado adequado e, adequado mesmo só me veio a palavra esquisita.
Já disse que, por esse tempo, menina nenhuma queria conta comigo, quando eu avançava nas negociações, virava amigo, então eu era o amigo das meninas e, quando eu não soava na quadra, estava rodeado de meninas, digo, de amigas.
A Cleide era uma guria de estatura baixa, olhos dum castanho próximos do mel, sardas no rosto, nariz e boca finos e suaves, não se podia ter noção da sua silhueta, pois ela usava roupas largas, ou peça por cima da peça e, quando ria, lembrava o freio de um automóvel.
Quando riu, pela primeira vez em sala, fez com que todos rissem também, ela olhou desafiadora para todos, da sala toda, apenas um guri não riu...eu.
Ao meu lado direito havia uma carteira vazia, ela se levantou e se mudou para lá, agora estava perfeito, a esquisita ao lado do esquisito.
Ela morava no BNH, por esse tempo, pessoas que moravam no BNH eram tidas como classe média, classe média em periferia é burguês, então ela negava esse fato, dizia que morava na Vila Operária.
Ao contrário da Valdeci, a Cleide não era nerd, entrava na conversa em hora imprópria, tinha mania de, quando conversava, ficar pegando na pessoa e, de quando em quando, dava a sua risada, chamando a atenção para o trio de esquisitos e, assim mesmo, quando ela faltava às aulas, sentíamos a falta dela.
Num belo dia, no pátio, enquanto ela ajeitava a gola da minha camisa e eu tirava a mão dela, me veio com essa.
_meu querido, domingo agora é dia de visita no Educa, certo???
_. Isso, domingo de visita.
_E você recebe visitas???
_Claro que não, vivacidade, como é que alguém que não tem família vai receber visitas???
_. Então está combinado, eu vou te visitar no Educa.
É claro que a ideia era absurda, ridícula e sem sentido, respirei fundo e disse:
_. Tudo bem, mas vê se veste umas roupas de gente.
Saindo da escola, naquele dia, não fui com os amigos, no caminho da horta, sai pelo portão da frente e fui com a amiga ao BNH, ela contou para os pais, que também eram esquisitos, e eles nem questionaram, me recomendaram que não deixasse a filha correr qualquer tipo de risco.
_. Podem deixar, seu Justo e dona Lourdes, não se preocupem.
Nem me passou pela cabeça que ela pudesse correr algum tipo de risco, vesti a minha melhor roupa, já era domingo, as visitas entravam na portaria, não tive inveja de ninguém, a minha visita chegaria em breve.
Então ela chegou e, estava linda numa calça jeans azul e tênis azul, a camisa Hering rosa deixava transparecer o formato de seios que ainda não cabiam em algum sutiã e os cabelos soltos esvoaçavam ao vento, me deu um beijo na face e dependurou no meu braço.
_. Caramba, por uns segundos, pensei que fosse uma mulher.
_. Pronto, acabou de estragar uma cena digna de cinema, seu esquisito.
Ao abrir-nos o portão, o seu Felipe deu um olhar cúmplice de aprovação e sorriu.
Subimos a estrada de paralelepípedos, na grama, as famílias estendiam as toalhas e saboreavam seus lanches, comidas feitas pelas mães, não pelo irmão Simão, à medida que subíamos, eu ia mostrando os prédios e dando os nomes deles, um a um, como se fosse um guia turístico.
Nunca havia passado pela minha cabeça namorar com a Cleide, mas talvez eu a pedisse ao fim da visita.
Passamos no 14 e ficamos um tempo com os amigos e eles contaram tudo sobre ser um interno, claro que a Cleide ficou fascinada, como não havia larista, entramos no pavilhão e mostramos tudo, saímos pela estrada do 12 e chegamos nas jabuticabeiras do 11, não precisava subir no pé para apanhar as frutas e, ela fez questão de subir.
Tudo ia maravilhosamente bem, mas o tinhoso quando está de folga, manda o secretário, nesse caso, os secretários.
No meio do caminho, entre a assistência e a casa do irmão Domingo, ficava a serralheria, de lá pularam quatro guris na estrada, disseram que ninguém podia passar por ali, ficaram a uns quinze metros de nós, com pedras nas mãos.
Tratava-se do Romão, o Ronaldo, o Valdeci e o Luizinho...dois do meu tamanho e dois menores, para que não houvesse perigo para a menina, eu tinha que negociar.
Fiz sinal para que ela ficasse ali, levantei as mãos e fui ter com os guris do 13 que, na época, não eram meus amigos.
Quando cheguei bem perto, passei a explicar que qualquer coisa que acontecesse à menina, poderia gerar grandes complicações, estava já chegando à um acordo, quando olhei para trás, a menina estava descalça e com as barras das calças arregaçadas.
Como eles tinham os olhares presos em mim, não perceberam que ela havia iniciado uma corrida, só deu tempo de eu sair de lado, ela pulou com os dois pés e atingiu o peito do Valdeci, no impacto, o Romão caiu junto, os dois maiores estavam no chão, os dois menores correram para o pavilhão, pegamos os tênis dela e nos apressamos para sair dali.
Os guris que haviam corrido, voltaram com o resto que faltava do pavilhão e, já corríamos em velocidade, para qualquer lado que corrêssemos seriamos alcançados, ao passar pela frente da casa do irmão Domingos gritei:
_. Ô Domingão.
Feito isso, paramos de correr e ela passou a calçar os tênis, o irmão Domingo saiu e quis saber quem o havia chamado, eu disse que não havia sido nós, talvez o grupo que vinha correndo.
O bando não tinha como saber, a casa fica no fim da curva, só viram que nós sumimos e, quando nos acharam, deram de cara com o diretor e já imaginaram que haviam sido caguetados, usando um termo educandáriano, fizeram meia volta, o irmão Domingo é quem corria, agora, atrás deles.
Descemos o bambuzal e voltamos para a grama, onde as famílias se reuniam, a mãe do Adalberto que, em domingos de visita, desde a Casa da Infância, fazia o papel de minha mãe, nos convidou para o banquete, delicia de bolinhos de bacalhau com amêndoas.
Por garantia, levei a moça para casa, os pais perguntaram-me se tudo correra bem.
_. Tudo normal, seu Justo e dona Lourdes...tudo normal.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Dois titãs


Tinha um apelido, aquele homem sereno, de riso sincero e que ajeitava os óculos quadrados antes de falar, porém nunca o usei, pra mim, desde criança era "Seu Sebastião", sempre o chamei assim.
Seus filhos, Hércules e Junior, estudavam comigo no grupo escolar do Educandário Dom Duarte, desde então acostumei a ver o seu sorriso, era um adulto que eu admirava, eu pensava:
_Esse tiozinho é gente fina, trabalha, cuida da família e, nos fins de semana, comanda um time de futebol... cara, quando eu crescer, vou ser assim.
E, se isso não fosse suficiente, tinha como esposa, o anjo do bairro... mas, deixarei a dona Avanir pra outra hora.
Eu ainda era guri e já se sabia do Peñarol, o time auri-negro que o seu Sebastião comandava, cresci nessa pegada e, na minha curta carreira de atleta, joguei nesse time.
Sempre que encontrava com ele, em época da fúria adolescente, me parava, ajeitava os óculos à cara e me passava um sermão, estando eu aprontando ou não, depois abria um largo sorriso, batia em meu ombro, e eu respeitava isso.
Nunca tive paciência pra ser comandado e só o comando combinava com o meu amor ao futebol, assim que resolvi montar o Dínamo, fui ter com o mestre sobre a ideia, ele abriu o seu sorriso e disse:
_Se tem uma pessoa certa pra comandar os meninos da minha rua, essa pessoa está na minha frente.
Assim, com a benção do mestre, nasceu o outro time da Osvaldão.
Contra um adversário do Morumbi, o pobre uniforme do Dínamo faria feio e fui a ele pra alugar o do Peñarol, jogamos contra os Pequeninos do Jóquei portando preto e ouro, na hora de pagar, me exibiu o seu sorriso costumeiro e disse:
_Guarde o seu dinheiro, eu é que tenho que te pagar a honra de, no campo lotado do João XXIII, os meninos da minha rua, portando as cores do meu time.
E, se eu não corresse, ele faria ficar com o pagamento.
Na véspera de eu me mudar pra zona norte, parei as atividades do Dínamo e o Unidos do Morro me contratou provisoriamente, só o tempo que restava pra mudança de endereço, fizemos uns festivais e eu coloquei um padrão de jogo na equipe, ao lado da minha linda assistente Alessandra Zaffani, arrancamos um troféu do temível Havaí em plena COHAB 5, quebrando uma invencibilidade de 80 jogos.
Entrou o time no campeonato amador e o primeiro jogo seria contra o Peñarol, antes mesmo que eu soubesse disso, foi à minha casa o seu Sebastião, pra me contar e me desafiar, descemos ao bar do Klebão.
A última vez que havíamos feito isso foi nos anos 80, eu era gurizinho e o tempo havia conservado-lhe a mesma feição generosa, em respeito a essa memória, bati forte no balcão e gritei:
_Essa rodada é minha, o guri cresceu e vai derrubar o mestre.
Claro que essa declaração foi uma brasa na fogueira e foi longe a discussão.
O sol brilhava em seu resplendor, essa não era uma partida qualquer e ele queria assistir.
Antes mesmo das equipes saírem dos vestiários, já estávamos a postos, cada qual em seu lado do campo, o seu Sebastião tomou a iniciativa e se encaminhou para me cumprimentar, apertamos as mãos e dissemos juntos:
_Boa sorte.
Nesse instante, os times saíam dos vestiários, ao verem a cena, entraram em duas filas, e cumprimentavam a mim e a ele, os organizadores e algumas pessoas da torcida entraram na fila.
O Caetano, que vinha no fim da fila, nos abraçou e disse enternecido:
_Dois titãs
Em campo, a força do Peñarol sempre foi os filhos dele, com efeito, o Hércules e o Junior são lendas na várzea, armam desarmam e articulam, do meu lado havia os irmãos Nascimento... O Carlos Alberto Nascimento e o Tchesco Nascimento, esses são uns 10 anos mais jovens.
Jogo truncado, briga de cachorro grande, eles sufocando e nós nos defendendo, o sol castigava impiedoso, queria fazer parte do jogo também, empolgado com a superioridade que o time amarelo e preto imprime, ele grita de lá:
_Neném tem muito que aprender ainda.
Não respondo e, querendo passar um ar de fragilidade, abaixo a cabeça, termina o primeiro tempo e o sol continua querendo o seu espaço e eu corro pra tomar a garrafa de água gelada dos jogadores que estão em silêncio, perdíamos por um gol, peço pros atletas se sentarem enquanto passo as ordens pro segundo tempo.
Olho pro técnico adversário e ele está tranquilo, enquanto falo com os irmãos Nascimento, procuro parecer desesperado.
Ao passar por mim, o seu Sebastião pergunta:
_Tá aprontando né, moleque?
Eu me limito a sorrir, o mesmo sorriso do guri de 15 atrás, começa o jogo e ele não tira os olhos de mim, tentando adivinhar o meu pensamento, o sol é abrasador e o Peñarol se cansa, aparentemente o meu time também não se aguenta nas pernas.
A Alê grita pra mim:
_25 minutos.
Como um comandante que comanda um massacre, levanto a mão direita, os irmãos Nascimento acordam de seu sono simulado e ditam o ritmo do novo jogo, diante dos olhos estarrecidos do mestre e seus comandados, inicia-se um novo jogo e o sol faz o seu trabalho, a virada vem.
Findo o jogo, não comemorei, descemos juntos pra nossa rua em silêncio, o sol nos acompanha e forma na rua sombras iguais, não tenho qualquer pretensão de parecer superior à aquela lenda viva, com a maior calma do mundo diz:
_Se o discípulo não superar o mestre, o trabalho do mestre foi jogado fora.
As sombras são iguais e só agora percebo que meu sonho de criança havia se tornado realidade, forcei o olhar em direção ao céu e agradeci a Deus a honra de ter vivido essa história.

sábado, 29 de abril de 2017

Seu Tinoco


Aprendi, muito cedo, que todo mundo tem histórias para contar, a pessoa que vive tem História.
  Sempre fui amante da história da humanidade, qualquer pessoa que andou sobre a terra, contribuiu, ainda que não saiba, para contar um pouco dela.
Acabei de me lembrar do seu Francisquinho, vô da Cristiane Idalia, que nas tardes ociosas de sábado, me contava das aventuras da juventude dele, envolvido no cangaço, na Bah
  Toda pessoa, que tenha uma idade avançada, tem várias histórias, então eu parava, ouvia e guardava e, por ser apaixonado pela matéria, procurava classifica-la no espaço-tempo.
Como eu disse antes, o seu Tinoco era mais conhecido pelo mau humor e por ser sovina, já que, as cadernetas de poupanças e o dinheiro da condução era com ele, dono de uma memória de elefante, sabia quanto, todo mundo devia.
  Tive o prazer de ver o Tinocão encostando o diretor(Domingão) na parede, pra cobrar-lhe o que devia.
Como eu disse, era um contador à moda antiga, de lápis preto e livro caixa, tirando alguns textos que ele ditava, pra constar dos autos, o resto eram historias e fotos antigas, contava do tempo que a avenida Heitor Antônio Eiras Garcia, nada mais era que, uma trilha de tropeiros e que, foi por essa picada, que chegaram as armas que foram usadas pelo regimento avançado de Pinheiros, vindas do Paraná, na briga contra a ditadura de Vargas.
Dentro de uma escrivaninha, havia um fundo falso, dentro deles centenas de fotos, quando ele contou a história da primeira foto, as outras foram brotando, cada dia uma, as vezes, uma foto dava história pra 3 ou 4 dias, "histórias de um coração que, se fechou"...Ele gostava de contar, meu mundo enriquecia à cada narrativa e, ele era minucioso, nas datas e nas sensações, como se revivesse tudo.
Uma certa manhã, achei uma foto, desses fotos comuns dos anos 20, a clássica foto de moça com chapéu, decote de babado e broche no peito, a moça era de uma beleza tal, que o retrato se sobressaía no monte, peguei a foto e a coloquei na mesa, ao vê-la, o olhar se perdeu, foi a primeira vez, que eu o vi pesaroso e frágil.
Contou de uma menina, que estudara com ele e um amigo, os 3 fizeram o colégio e o curso técnico, numa Universidade de nome, ele e a moça estavam de casamento marcado e iriam pro Acre, cuidar de seringais, estavam no Boom da borracha.
  De repente os 2 fugiram, casaram-se e foram para a selva.
No fim da narrativa, seus olhos estavam marejados e eu estava indignado:
_. Pô, seu Tinoco...está aí uma história que eu não precisava ouvir, deprê.
Fiquei triste, como quem havia descoberto a raiz de tudo.
  Vendo a minha tristeza, ele tocou a mão no meu ombro e disse:
_. Fica triste não...eu não estou aqui???
_. Sim.
_E então, tem 50 anos que esses cachorros morreram de tifo, no meio da selva Amazônica.
E desatou a rir de mim.
  _Você achou que eu fosse ranzinza por conta disso???
  _Sim, claro.
_. Faço cara feia, para ninguém me pedir dinheiro.

O Francisquinho.


É claro que houveram tempos difíceis, em que a Osvaldão foi assolada pela violência e nos afligimos, vendo tiroteios à luz do dia, no entanto, isso compreende um curto espaço de tempo e a rua voltou a ser o que sempre havia sido, uma rua de paz.
Era habito dos moradores, sair para conversar na rua, algumas mulheres punham as cadeiras do lado de fora e, enquanto colocavam os papos em dia, cuidavam de suas crias, que jogavam bola ou bolinha de gude.
Por essa época, eu trabalhava à noite, aos fins de semana peguei o habito de descansar numa placa de concreto que ficava bem na frente da minha casa, debaixo e, à sombra da minha paineira.
Sempre tive o dom de ouvir e, sempre fui recompensado por isso.
Por esse tempo, conheci o Francisquinho, pai da dona Maria, que é mãe da Cristiane Idalia e dos gêmeos Cosme Teodoro e Dam Santos, em quase todos os sábados e domingos ele vinha pra prosear comigo, se eu não estivesse em frente de casa, ele batia palmas e gritava:
_Seu Mirtu está em casa???
E eu já saía reclamando:
_Pô Francisquinho, se vai falar meu nome errado, pelo menos fala Nirtu.
Então ele fazia uma cara de moleque gaiato, que fazia lembrar o seu neto Terê e caçoava:
_Esta não, seu Mirtu, esta não.
Apesar da idade avançada, enquanto contava suas histórias e anedotas, gesticulava com a rapidez de um jovem e, quando eu oferecia um lugar a meu lado ele se recusava, ele tinha que fazê-lo em pé, de frente pra pessoa que o ouvia.
Geralmente coisas de sua terra Ipiaú na Bahia e todas ligadas às pessoas de lá e ao cangaço.
Na verdade o cangaceiro Paulo Silvino nunca chegou a invadir a cidade, todas as histórias giravam em torno da expectativa e essas narrativas datavam do tempo de sua infância, eram portanto, as memórias de uma criança.
De tanto me ambientar nas narrativas, virei um especialista no assunto e as vezes ele começava:
_Chico da Zélia, lá vinha montado em seu cavalo...
E eu perguntava:
_Qual, o filho de Mané Filó???
_Esse mesmo, seu Mirtu, esse mesmo.
Isso, acontecia em todos os sábados e domingos e, quando a tarde se fazia noite, ele olhava pro lado de sua casa e se despedia.
Boa noite seu Mirtu, a gente proseia outra hora.
Grande alma que, uma pessoa só poderia conhecer na rua Osvaldão.

Um segredo.


Coisa que nunca contei pra ninguém na infância e´que, por muito tempo guardei pra mim, é o fato de ser portador de transtorno obsessivo compulsivo, mais conhecido por TOC, são pessoas que, entre outras esquisitices, repetem os mesmos gestos até a exaustão, com o tempo e sem ajuda profissional, aprendi a superar grande parte disso.
Então, imagine a minha angustia, dentro dum pavilhão com o piso todo quadriculado e, eu, só podendo pisar nos quadrados marrons.

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Como nasce uma lenda (A LOIRA DO BANHEIRO)

Fui pesquisar sobre a loira do banheiro, encontrei cada palhaçada, de diversos cantos do Brasil, apareceram até, relatos da Argentina e do Chile...tudo balela, como diria mano Brown:_Forrest Gamp é mato, vou contar a verdade, então.Como eu disse em várias postagens, a Casa da Infância do Menino Jesus, era o outro colégio que a Liga das Senhoras Católicas administrava, era um orfanato, onde as crianças eram educadas até atingirem a quarta série do primário, então alguns retornavam às suas família e os que não tinham família, ou as famílias não tinham condições para mantê-los, eram transferidos para o Educandário Dom Duarte.Esse orfanato era gerenciado por freiras, com o apoio de monitoras (moças) que era quem cuidavam, de fato dos meninos.Dentre as moças, havia uma que se chamava Ivone, que era prima da madre Márcia, por serem originárias do Rio Grande do Sul, tinham os olhos, dum azul muito forte, era muito difícil alguém ficar de frente pra moça e não ser hipnotizado por seus lindos olhos
  Ela trabalhava em São Paulo e, de 6 em 6 meses, ia visitar sua família, no interior do Rio Grande, lá, ela tinha um noivo.
Em 1976,nas férias de meio de ano, tomado de um ciúme doentio, o noivo a matou e arrancou-lhe os olhos.
Na época, a revista O Cruzeiro, publicou a foto do velório sem retoque, com flores e algodão nos olhos, repercutiu no Brasil todo, o cronista, avido de sensacionalismo a comparou a uma espécie de santa, já que ela trabalhava num orfanato e era prima de uma freira.
Pelo fato de, nós meninos, estarmos acostumados a vê-la, na hora do recreio, em frente ao banheiro do pátio, para que não fizéssemos bagunça, alguns meninos começaram a dizer que a haviam visto ela, de frente da porta do banheiro, já dava medo ir ao banheiro sem a companhia de um adulto.
Antes de sua morte, era comum ela aparecer de súbito no banheiro, quando alguém se dava conta, lá estava ela no espelho.
No ano seguinte, fomos transferido pro EDD, no primeiro mês de aula, na hora do recreio o Alaor do 19, que era dos meninos o que mais tornavam a vida da moça um inferno, sai correndo pro pátio, com as calças ainda arriadas, gritando que havia visto a loura do algodão.
Isso contribuiu para o fechamento do caso e a revista publicou de novo.
Foi muito pouco tempo, pra ela aparecer em todos os banheiros, de todas as escolas do Brasil.