segunda-feira, 8 de maio de 2017

Meu melhor amigo (Parte segunda)


  Uma grande amizade começa sempre sem ser forçada, ela é imposta pela ocasião e vai crescendo, para nunca mais morrer.  Já havia completado 2 anos, desde a tragédia que se abatera na minha família, havia sido transferido do Instituto Sampaio Viana para essa nova casa, com o tempo, peguei o habito de chamar orfanato de casa e, convenientemente, esse lar tinha o nome de Casa da Infância.  Era 1970 e, eu completaria 4 anos de vida, a vida já tinha me mostrado o pior das tempestades e eu havia sobrevivido à ela, no começo eu tinha me debatido, deixado a tristeza ganhar e, vi que isso me afogava mais e mais.
  Num determinado ponto, como um naufrago, submergi à superfície, respirei e senti o ar de lá e gostei, resolvi boiar na água e deixar a correnteza me levar.
  Enquanto esperava na portaria as pessoas resolverem a papelada da internação, uma freira passou no corredor e me viu, ajoelhou-se na minha frente e percebendo a minha aflição, sem mais nem menos, abraçou-me, levantando-me da cadeira.
  Lá em cima, suspenso nos braços dela, como quem já havia se esquecido do carinho, senti a paz que há muito tempo não sentira mais, encostei a cabeça do ombro dela e chorei...Agora, com 50 anos, lembrei-me do momento e as lagrimas voltaram.
  Momentos depois, já afeito do momento, olho para o grande saguão e vejo a claridade do ambiente, muito diferente do lugar de onde eu vinha, no escritório, a madre da Glória ainda discutia a minha internação, a madre Brasil havia se sentado ao meu lado e segurava a minha mão, a manhã jogava um sol no meio do saguão, através da grande porta de vidros.
  Essa mesma porta é aberta pela moça da recepção, aparecem duas figuras, uma senhora com jeito de sofrida e seu filho que, sabendo que ia ficar só, chorava.
  A madre Brasil levantou-se, mas, não largou a minha mão e fomos assim, encontrar os recém chegados, ainda segurando a minha mão, ajoelhou-se diante do guri, que era mais baixo que eu, pôs-se a acalma-lo e disse que ele teria vários amigos, apontou pra mim e disse que eu seria o primeiro.
  Olhamo-nos e eu estendi-lhe a mão, ele retribuiu, ainda soluçava.
  Daí para frente, quem via um, procurava o outro...a gente parafraseava os "Originais do Samba", denominava-nos de... a corda e a caçamba, as freiras e as moças preferiam nos chamar de dupla diabólica.
  Num passeio à Serra da Mantiqueira, subimos numa arvore e nos perdemos do resto do grupo, era noite fechada, quando os bombeiros nos acharam eles estranharam a nossa tranquilidade diante do perigo, acabou que, passamos a noite no batalhão e voltamos no dia seguinte como heróis.
  Diferentes em tudo, eu era introspectivo e ele era solto e, é claro, que a habilidade no esporte veio primeiro pra ele, o Fernandinho era um malabarista da bola, isso lhe dava o direito de escolher o time, a primeira escolha era sempre eu.
  Fomos fazer um jogo de amizade, que em toda época do aniversário do colégio Catarina Labouré, a Casa da Infância era o convidado.
  E, era sempre a mesma história, tendo o colégio anfitrião meninos mais velhos, a derrota era certa sempre, participávamos do jogo por participar e íamos pro resto da festa, ou seja, muita comida e doces.
  Nessa ocasião a coisa mudou, quando fazíamos as filas pra os comprimentos habituais, um dos meninos do Catarina passou do lado do Fernandinho e sorriu da pequena estatura dele, ao fazê-lo, passou a mão em sua cabeça, como se afagasse um bebê.
  Ah, o macaquinho virou o cão na quadra, o menino grande tomou a bola entre as pernas seis vezes seguidas, a cada uma delas a torcida das meninas gritava Olé.
  Não restou outra alternativa, a não ser sair de quadra chorando, nesse instante já se configurava a nossa vitória, a madre Dolores, constrangida, queria consertar as coisas, já que o Fernandinho, continuava arrasador, fazia gols e olhava desafiador para o banco de reservas.
  Tirou o Sebastião do gol e deu a camisa de goleiro ao Fernandinho e, aí ficou bem pior, o macaquinho fechou o gol.
Era uma aliança selada, sem protagonismos, dois guris tentando ser felizes num mundo governado por pessoas tristes, aprendi as letras primeiro e as ensinei para ele, sempre que eu queria calma para ler, vinha ele brincar, quando eu conseguia ler, tinha que contar para ele a minha impressão e, por conta disso, virei contador de histórias.

Meu melhor amigo. (Parte primeira)


  . Quando cheguei à Casa de Infância do Menino Jesus, em 1970, tinha 4 anos de idade e, antes, passei um ano no Instituto Sampaio Viana, meu irmão fora deixado numa maternidade, pois era ainda de colo.
  Da copa de 70 me lembro pouco, passei o ano todo aborrecendo as freiras para que elas dessem conta de trazer o meu irmão.
  . Numa tarde, a madre Brasil me levou para a portaria, dizendo que a partir daquela data ela iria poder dormir tranquila, na portaria estava o meu irmãozinho, que nem idade tinha para estar lá, acabou virando o xodó das freiras e das moças.
  Hoje eu sei que, se não fosse isso, ele teria sido adotado por alguma família, provavelmente jamais nos veríamos de novo.
  Mas, nesse primeiro ano conheci o Fernandinho, que tinha o apelido de macaquinho e, em termos de natureza, era o oposto de mim.
  De pequena estatura, tinha mesmo a habilidade de um primata, subia na tela do pátio e pulava pro lado dos mais velhos, provocava uma briga e voltava rindo, antes mesmo que as moças se dessem conta do que havia acontecido.
  Eu era retraído e contemplativo, sentava na beira da alvenaria da piscina e ficava olhando os meninos brincando na gaiola, logo vinha o amigo com duas espadas feitas de jornal na mão e dizia:
_Essa é a sua, vamos tirar os piratas do nosso navio.
  Cruzávamos as espadas e corríamos em direção à gaiola, digo, navio...e assim, começava mais uma guerra.
  Por sermos tão amigos, juntos, formávamos uma pessoa só, na hora das broncas os nomes vinham sempre juntos, como se Nilton e Fernandinho fossem nome e sobrenome de uma pessoa.
  Nas horas de recreio, quando o recreio era na quadra, assim que a Cinira se distraia, subíamos na seringueira e sentávamos em seus longos galhos, olhando a avenida Nazareth, ficávamos apreciando os carros que passavam:
_O vermelho é meu, o azul é seu...e, se o carro fosse um DKV, era sempre do outro.
  Ficávamos ali por muito tempo mas, assim que a moça percebia a nossa ausência, vinha pro pé da árvore e passava a gritar o nome e sobrenome e o castigo era certo.
  Sempre dividíamos os castigos, numa tarde de inverno, para que a paz reinasse entre os meninos, a Margarida nos deixou de castigo naquela salinha que ficava no canto esquerdo da quadra e trancou a porta, passamos pela janela e, descobrimos que ela dava no fundo do teatro, exatamente embaixo do palco.
  Todas as roupas, as fantasias e instrumentos usados nas peças faziam daquele canto mal iluminado um país de sonho, depois disso, fazíamos sempre bagunça à espera do castigo.
  Além dos castigos, dividíamos as cintadas e, é claro que, não podia ser diferente, sempre que um via o outro chorando, desandava a rir.
  Um dia a Olga resolveu nos repreender no lavatório, levantou o chinelo e partiu em nossa direção, com largo espaço, cada um correu numa direção, batia na parede e voltava na direção oposta, a Olga corria para um lado e, não conseguia pegar e partia para outro.
  Com o chinelo levantado, tentava alcançar os meninos e nada...os outros meninos viam tudo da porta do dormitório e riam muito.
  A Olga que era muito branca ficou vermelha e arfava de cansada, os meninos continuavam a correr e a pular com o apoio da torcida, a Olga se deixou cair no chão e gritou:
_. Vão embora, suas pestes.
  . Na festa de São João, fizeram do mastro da bandeira da quadra, o pau de sebo.
Se subir numa árvore já é difícil, imagine subir num ferro besuntado, na ponta havia um enorme saco plástico cheio de brinquedo e milhares de doces.
  Eu nem tentei, os adultos e as crianças se revezavam na tentativa, perguntei para o Fernandinho se ele não ia tentar, ele deu de ombros e disse que depois iria, sem pressa.
  Como tínhamos tíquetes pra gastar na festa, fomos comer e brincar nas barracas, de quando em quando uma pessoa se arriscava a subir e o mesmo resultado...nada.
Assim que se acabaram os tíquetes o Fernandinho me disse:
_Vá e fique na gruta.
   Disse isso e partiu na direção do pau de sebo, assim que todos viram que ele iria tentar subir, fizeram um cordão humano em volta, eu que já sabia o que ia acontecer, fiquei fora do cordão e rindo, por antecipação.
  O Fernandinho pegou um saco de estopa e amarrou-o na cintura, com a habilidade que justificava o apelido, subiu num lance só, lá em cima pegou o enorme saco e o segurou no ombro, com a outra mão soltou a estopa e a jogou nas penas, pra que o sebo não as sujasse, escorregou.
  Ao chegar no chão, viu que todos o rodeavam, todo mundo queria um pedaço da glória, correu, todos o seguiram em direção à lavanderia, quando todos chegaram na porta de vidro, iniciou uma corrida na direção oposta, rumo à rampa da portaria, na entrada da portaria jogou o saco no jardim e se jogou, quando as crianças que o seguiam não o viram subiram a rampa que levava ao refeitório, cá embaixo nós nos acabamos nas guloseimas e dividimos os brinquedos.

sábado, 6 de maio de 2017

Um beijo para crescer



  Em Outubro de 1978, eu já havia fechado as matérias e ia pro Luiz Elias Attiê só pra cumprir tabela, havia passado o inverno, mesmo assim as mamoneiras, que acompanhavam o lado oposto da horta do Japonês, ainda amanheciam com uma camada de gelo, na metade do caminho o sol as derretia, esse fenômeno natural fazia com que ficasse a impressão de que elas ferviam, por cima da plantação, pairava uma suave névoa e, se saíamos dos pavilhões encapotados, nesse ponto, o calor nos fazia tirar as blusas e as amarrar na cintura.
  A minha turma ia se juntando pelo caminho, na altura do lago do 24 já estava em número suficiente para começar o coral, o repertório era composto de sucessos de Fagner, Belchior e Zé Ramalho e os meninos cantavam com sotaque rasgado, feito os cantores nordestinos:
..."Quanto tempo temos, antes de voltarem aquelas ondas"...
Fora o fato de eu ser um nerd, eu era invisível e, gostava de sê-lo.
Uma turma grande começou um incêndio no bambuzal do lago, eu estava na tropa, o irmão Augusto disse que estava escondido e vira todos que participaram do incidente, uma grande turma reunida e, ele foi tirando um a um, dos meninos que haviam participado do crime, quando chegou perto de mim desviou o olhar e.… eu tive a impressão de que, se ele esticasse a mão na minha direção, ela me atravessaria.
  Todos os envolvidos foram severamente punidos e, ninguém se lembrou que eu estive por lá, essa era a vantagem de se ser invisível.
  O Attiê nada mais era que, uma extensão do Educandário Dom Duarte, de ponta a ponta, os internos dominavam as ações, já tinham a fama de serem bons de bola e passaram, por conta de uns, a ter a fama de pegadores, muitos já namoravam e cresceu, entre as meninas da região, a vontade de ter um interno como namorado.
  Porém, isso ocorria com os meninos mais velhos que eu, eu dava sempre o azar de ser o amigo das meninas e, amigos são só amigos, não namoram.
  Entre as minhas várias amigas, havia a Valdeci, uma amiga de verdade, com quem eu conversava sobre literatura e mitologia, uma parceira de estudos e de muitas risadas.
  Quando o nome Valdeci era gritado em sala, ela tinha que engolir o constrangimento de atendê-lo, junto com o Valdeci do 13 e o Valdeci do 17.
  Minha amiga tinha quatro irmãos mais velhos, todos iniciados na carreira do crime, não era de todo feia, mas era alta, mais alta que o mais alto dos internos, por isso, recebeu o apelido de girafa, num tempo em que as meninas iam à escola com calças jeans apertadas, ela ia de vestido de chita, daqueles que a barra chega no tornozelo...então, esse conjunto de situações, acrescido pelo nome masculino, faziam da minha amiga, a pessoa que ficaria no fim da lista das pessoas que um guri quisesse namorar e, ela só queria um interno pra chamar de seu.
_E eu, não sou um interno???
_. Ah, você é meu amigo.
 Em certo ponto, ela colocou aquilo na cabeça, como se fosse uma prioridade, uma meta mesmo, podia ser o Arthur do 19, o Porfírio do 20, o Xodó do 21 ou o Mancha do 17, desde que fosse interno e popular... ela chegou a dizer que só assim, poderia passar da fase da adolescência.
_. Fala a verdade Niltão, eu sou feia???
_Claro que não, o que te atrapalha é esse seu nome, nome de moleque.
_. Esse era o nome do meu bisavô, minha avó exigiu que eu fosse batizada assim.
_. Está vendo, nem conheço a sua avó e, ela já é a segunda pessoa que eu mais odeio nesse mundo.
_. Quem é a primeira???
_O George Foreman.
 E, por mais que ela desse entrada, ninguém a olhava, ela era, aos olhos dos meninos, tão invisível quanto eu e, não gostava disso.
  No último dia de aula, haveria uma festa, iriam levar um som para a sala da oitava série e isso, seria a despedida do ano letivo, como eu disse antes, a discoteque não fazia o meu gênero e então eu não participaria daquele baile, eu disse isso a ela e ela fez um olhar que me deixou com medo, me fez lembrar do filme "Cárie, a estranha", segurou nos meus braços, com os olhos estalados e a boca bem perto da minha disse:
_. Venha querido, vou te fazer uma surpresa, não vais se arrepender.
  Era uma sexta feira, o último dia de aulas, arrumaram uma vitrola com grandes caixas acústicas e deixaram o som bem alto, um globo de espelho jogava luzes coloridas na penumbra, no meio da pista o Xodó dava seus passos tresloucados e dominava a atenção de todos, os meninos e as meninas hipnotizados com a dança e eu esperava meu par, doido para aquilo tudo acabar e eu ir jogar rebatida no campo do 14.
  Já estava impaciente, quando olhei pra porta da entrada e avistei a Valdeci, fiquei petrificado, ela estava vestida num colante azul com contas que brilhavam, a saia preta colada ao corpo tinha um rasgo lateral e mostrava-lhe as pernas inteiras, toda maquiada, com os cabelos negros esvoaçando e um gostoso odor de alfazema a seguia, eu estava no fundo da sala, para chegar até onde eu estava, ela veio em passos lentos, à medida que ela passava os meninos paravam de dançar, mesmo os que estavam acompanhados, aqueles que sempre a desprezaram, agora a olhavam com olhar de cobiça, a despeito de todos os olhares ela continuou vindo a mim, me desencostei da parede e perfilei, como um cavalheiro que merece uma dama.
  Ninguém mais dançava, aquela menina que ninguém conseguia ver, agora os hipnotizava e, diferente das meninas que ali se encontravam, ela tinha um corpo escultural de uma mulher adulta, já do meu lado e me abraçando ela disse ao meu ouvido:
_. Fecha a boca Niltão, quer um babador???
  Eu, que costumo dizer besteiras em horas impróprias, fiquei calado, estava tão surpreso quanto todo mundo que me olhava com inveja.
  Mas, mesmo que eu não soubesse o que fazer, eu sempre tive amigos e quem tem amigos não morre pagão, o Gibi foi na vitrola e jogou no ar "The Commodores-Easy" e diante de todos olhares, não me fiz de rogado, encostei o rosto no rosto da amiga e rodei um floreado com ela, a mão direita na face e a esquerda na cintura, ao fim da música ficamos ainda com os rostos colados, como vingança já era suficiente, mas nos deixamos ficar assim.
E, os dois amigos invisíveis se beijaram na boca, um beijo demorado, que marcou a despedida de uma fase de suas vidas.

A conduta.


Se diz que, "tudo o que aqui se faz, aqui mesmo se paga", sempre acreditei muito nisso, portanto, sempre semeei a paz, na esperança de a colher mais tarde.
Não fique o leitor enfadado, pensando que vem por aí uma história de conteúdo espiritual, cheia de mi-mi-mis com fundo religioso, não...só vou contar uma história com dois tempos, para mostrar que a conduta certa tem, no final, suas compensações.
Continuando a estrada do pavilhão 14, cerca de uns 800 metros mais, se chegava ao Cenáculo, os mais antigos o chamavam de pavilhão 25 e, eu nunca entendi o motivo disso.
Nesse prédio, viviam as freiras e as noviças que praticavam a caridade e acredito que, ainda hoje o fazem.
Era muito comum, por aqueles tempos, essas amaríssimas mulheres, distribuir cestas de alimentos às pessoas necessitadas e enxovais para os bebês que estavam por chegar e ministravam cursos também, por conta disso, vários moradores dos arredores do Educandário Dom Duarte, aos fins de semana, procuravam o auxílio das freiras do Cenáculo.
Como eu disse, para se chegar à caridade das freiras, fazia-se necessário o uso da estrada do 14, parte dos meninos desse pavilhão achavam que a estrada lhes pertencia.
Bom, a Tereza não era uma menina comum, tinha um quê de beleza sim, no entanto, se vestia feito moleque e brigava também, tal e qual um moleque.
O parceiro e fiel escudeiro dela, atendia pela alcunha de Muçum, era escuro feito a amiga e tão boca suja quanto, uma pessoa que não reparasse bem, pensaria que se tratar de dois guris.
Quando passavam pela estrada, geralmente acompanhados de algum adulto, devolviam os palavrões que os internos lhes impunham e, quando desacompanhados, passavam correndo e provocando, na volta, eles usavam o caminho da igreja.
Eu nunca concordei com essa besteira de propriedade e, quando os meninos do 14 programaram uma armadilha, eu disse que não participaria, a minha opinião contava pouco e, à minha revelia, foi planejada a vingança.
No sábado combinado, os internos ficaram escondidos no bosque à espera das vítimas, eu fiquei no barranco das uvalhas, bem em frente ao pavilhão, não participaria, mas, teria uma visão privilegiada da contenda, como cabe à todo bom historiador.
Eram mais ou menos duas e meia da tarde, quando a Tereza terminou a subida da jaqueira e apontou na estrada, pude vê-la e ao Muçum, eles vinham com os olhares preocupados, pressentindo mesmo o perigo, dessa vez, porém, eles tinham companhia.
Havia com eles um guri menor, se a dupla tinha uns 12 anos, como era a nossa faixa etária, o guri branquinho e magrinho aparentava uns nove, dez anos, no máximo.
Quando o trio chegou à curva da estrada, na bifurcação que faz divisa com o lar 17, os internos saíram de seus esconderijos e os surpreenderam, alguns tinham torrões nas mãos, outros carregavam paus, contava-se sete contra os três, pulei do barranco e fiquei no meio:
_Opa, no pequeno ninguém encosta a mão.
Peguei o guri pela mão e, diante dos olhares de reprovação dos amigos, levei-o para o barranco.
Lá de cima, pudemos ver a maior comédia de todos os tempos, a Tereza, dava raquetadas feito gente grande, o Muçum se entregou fácil, mas a Tereza dava socos, pernadas e cabeçadas e, com as punhos fechados à frente da cara, chamava os meninos pro pau.
Quando parecia que a menina já estava cansada, ouve-se um barulho vindo da direção do 12, era um barulho característico de motor de fusquinha 1300, imediatamente os meninos do 14 somem no mato, o menino que estava comigo e, juntamente com os dois que brigavam, aproveitam e saem correndo.
Haviam duas opções, podia ser o carro do irmão Domingo ou o fusquinha do seu Odilon e,  quando o carro aparece, não era nenhum nem outro, era o padre Eduard, o americano.
Meus amigos não me quiseram mal por conta disso, todavia, eu fiquei uns meses rindo deles, sempre que eu ouvia um desaforo, vindo deles, batia no peito e dizia:
_. Pelo menos, eu nunca apanhei de menina.
Isso, meus caros, se deu no ano de 1979, pegue o calendário e vire as páginas rápido, só pare quando se passarem três anos, pronto... o ano agora é 1982.
Ainda somos amigos, só não somos mais crianças, não brigamos por conta de estradas, não somos mais os “Índios do 14”, pelos arredores do Educa, somos conhecidos por “Neguinhos do Educa”.
A Tereza agora é uma mulher linda, dança rock samba, é levada com uma habilidade sem igual, as largas ancas, a boca carnuda e o colo avantajado, não lembram nada a aparência quase masculina que ela ostentava no passado e não briga mais para passar, sua formosura lhe garante passe livre em qualquer caminho que ela queira e, por ela, os selvagens se atracam, agora é chamada de Tereza Aragão, por conta do sucesso do Jorge Bem.
Quando vi a Tereza num baile, morri de rir dos amigos, mas ela nem se lembrava daquele episódio, para a sorte dos amigos.
A primeira vez que estive na casa da Ângela Camargo Victorino, havia acabado de lhe propor namoro, recebi um sonoro NÃO, fiquei meio desanimado, mas não ia me entregar fácil mesmo, do lado de fora da casa dela encontrei um rosto conhecido, o rapaz me disse:
_. Hei, você não é aquele cara que me salvou no Educa???
Relembramos a cena e demos boas risadas, disse que era irmão da Ângela e que me devia muito, um dia iria pagar.
É claro que prontamente eu respondi:
_E para pagar é muito fácil, está vendo a sua irmã???fala bem de mim para ela.
Bom, aquele molequinho virou tio dos meus filhos.