sábado, 9 de setembro de 2017

O piano branco



Cheguei bem cedo, desci na Raposo e segui o caminho que sempre fazia para assistir os jogos, antes de chegar na avenida Corifeu, uma rua arborizada com lindas e grandes casas, a moça era produtora musical.
Vim com minha melhor beca, camisa branca e o mocaçim brilhando, mostrei o cartão ao segurança e o acompanhei pelo jardim, ao lado da casa principal.
O jardim era largo, bem cuidado e de extremo bom gosto, entre as rosas, haviam estátuas romanas em mármores, um caminho de pedras se seguia no chão, meu desafio era me manter em cima delas e elas faziam zig zag, fosse o que fosse, não queria sujar os sapatos.
No fim do jardim, um longo corredor com piso xadrez levava ao lindo escritório, a parte do solo era uma garagem, lá havia um carro conversível e, a minha total ignorância nesse assunto, não permitiu que eu identificasse, ao lado, uma escada em formato helicoidal levava à uma sala toda arejada com piso branco, parede branca e forro branco, o sol que entrava pelas janelas, batia e refletia, deixando tudo mais branco.
Não haviam muitos móveis nessa sala, algumas cadeiras, um sofá e um armarinho de vidro, bem no meio da sala, um solitário piano branco, o segurança pediu que eu aguardasse, pois, a moça não me esperava tão cedo, me deixou só.
Longos minutos e nem uma revista para ler, cheguei-me ao piano e dedilhei de leve suas teclas.
Um suave cheiro de jasmim precedeu a chegada da moça, se eu tivesse apostado com alguém, qual a cor preferida dela, eu teria ganho.
Chegou toda de branco e, me pegou ainda ao lado do piano.
_. Vou ter que tocar???
_. Não;
_Sorte sua, eu não sei tocar.

Vaias são da vida.



O próprio Antônio Brasileiro já foi vaiado, eu, não querendo me comparar ao maestro em envergadura, mas, já fui vaiado também.
Tendo ele como exemplo, tive a mesma calma e, aceitei a vaia, feito quando aceitei o aplauso da mesma torcida.
O campo da São Remo, fica no bairro do Rio Pequeno, um campo de terra batida, numa favela que é vizinha de um agrupamento da polícia militar.
Ainda que não fôssemos o time da casa, a torcida pendia para o nosso lado, os barrancos que circundam o campo estavam lotados.
Partida empatada e o empate levaria às cobranças de penal e, já que eu não devia nada para ninguém, saquei o craque do time, recuei o time e chamei o camisa 15, a reação da torcida foi imediata.
Apupos e xingos, a pobre da minha mãe virou doce na boca dos vândalos, me mantive calmo, dois minutos depois o jogador que entrou fez o gol, a torcida gritou.
Eu disse que aceito a vaia com naturalidade, eu menti, assim que o gol foi comemorado o juiz encerrou a partida.
Fui até o meio do campo, a torcida me acompanhou com os olhos, imaginaram que eu fosse agradecer o apoio, enfiei a mão um palmo abaixo do umbigo, enchi a mão e disse:
_Aqui ó, seus nojentos.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

A primeira vez que eu vi o mar




  Nasci na capital de São Paulo e a minha primeira infância foi passada num colégio de freiras no Ipiranga.
  Tinha 4 anos e não conhecia a leitura ainda, mas, conhecia o mar dos versos de Vicente de Carvalho, que a irmã Dolores recitava e das canções de Dorival Caymmi.
  No mês de Janeiro, ficávamos acampados em Bertioga, numa escola municipal, no primeiro dia, mal o sol nascia, as freiras nos levaram para a praia e era, na época, uma praia vazia , antes de vermos o mar, já ouvíamos o seu barulho, com 4 anos eu tive medo.
  Quando pisei na areia, vi aquela imensidão, lá longe o sol principiava a subida e parecia pequeno, diante da imensidão daquele azul todo.
  Os outros meninos já estavam dentro d'água e eu olhava tudo com medo, seria redundância dizer que eu me sentia pequeno, já que, eu era realmente pequeno, uma onda veio me buscar, deixei que ela cobrisse os meus pés, a água estava gelada, me afastei.
  No horizonte, o sol já subia metade do corpo, a minha pouca idade tentava entender, aquilo tudo era muito maior que os versos do poeta ou a música, a madre Dolores Brasil chegou perto e pegou minha mão:
  _Mar, esse é o Nilton...Nilton, esse é o mar.
  Foi andando comigo para dentro da água, quando a água já chegava na altura do seu joelho, parou e ficou esperando que eu soltasse a sua mão, soltei e fui ter com os outros guris.
Lá para o meio dia, não havia fome nem ninguém que me tirasse da água.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Futebol é coisa de homens?


Com a patroa a coisa não é diferente, tendo ela um marido técnico de futebol e dois filhos atletas, enquanto os homens assistem as partidas pela televisão, sempre tem alguma coisa para fazer na cozinha, suponho que seja assim em quase todos os lares.
E quando sai um gol, vem a pergunta clássica:
_Gol de quem?
Definitivamente, mulher não tem a mesma paixão, que temos nós, homens.
Um dos times da cidade ia disputar uma partida do campeonato baiano e resolvemos ir ao estádio prestigiar, perguntamos se ela queria nos acompanhar, só para desencargo de consciência e ela respondeu:
_Vamos lá, assistir um futebolzinho.
Tai uma frase clássica de mulher..."assistir um futebolzinho".
Supõe-se que uma mulher que vai à um estádio, acompanhada do marido e de dois filhos barbados, vai só para fazer figuração, isso, fomos todos então.
O estádio Armando de Oliveira tem capacidade para 3.500 pessoas e, para essa partida do Camaçariense, haviam, no máximo, umas 500.
Jogo morno e difícil de se assistir, mais conversávamos que assistíamos o jogo, quero dizer, nós homens não víamos o jogo, a madame não tirava os olhos do gramado.
Nos assustamos, quando ela gritou, olhando para o banco de reservas do time da casa:
_Que merda, hein?!?
A segunda palavra saiu com o R bem aberto, digno de uma paulista, filha de paranaense e, sendo todo mundo lá embaixo baiano, a comissão técnica e os reservas olharam para a arquibancada, à procura da autora da frase.
Para ser mesmo identificada, a madame bateu palmas e abriu os braços, quando percebeu que tinha a atenção de todos, torpedeou:
_Ó, tem mais de 40 minutos que estamos vendo esse jogo e esse time não conseguiu, até agora, uma troca simples de 3 passes, não armou uma jogada pelo meio e não fez uma jogada de linha de fundos, para assistir um jogo medíocre igual a esse, eu não preciso pagar ingresso.
Quando ela terminou de falar, o pessoal do banco continuou olhando, como quem vê e ouve uma coisa surreal.
Providencialmente, nos afastamos dela e, se alguém nos perguntasse, negaríamos de pés juntos, qualquer parentesco com aquela pessoa sem noção.

Só para não dizerem que não falei das flores...


  Olha, com esse golpe, digo, remanejamento de poder, quem saiu perdendo não foram só as mulheres, foi a própria evolução da humanidade...
  Calma, que me explico...
  Até bem pouco tempo, costumava-se dizer, quando a coisa estava russa:
  _A culpa é dos homens.
  Então, com as conquistas que, merecidamente, obtiveram as mulheres a coisa mudou, passou a se dizer:
  _A culpa é da Dilma.
  Pronto, pode-se dizer então que, houve uma evolução com relação ao que se entende por poder instituído, certo???
  Bom, na atual conjuntura, a mulher é modelo, papagaio de pirata e, do lar, foi uma queda bem significativa.
  _Mas, Niltão...você está de má vontade com a moça, ela é linda.
  _Claro que é linda a moça, no entanto, não fede nem cheira.