Quem pensou que eu não ia falar de futebol se enganou redondamente.
Eu disse, em postagem passada que, quando interno da Casa da Infância
do Menino Jesus, não gostava de futebol e, isso é uma coisa que, quem me
conheceu depois de 1976, não pode acreditar, pois na foto de 1979, eu
apareço com o amigo Viana, defendendo o Grêmio, a seleção do Educandário
Dom Duarte.
Eu não gostava de assistir transmissões de futebol e,
quem assistia nos anos 1970, talvez concorde comigo, era um negócio
triste de assistir, em preto e branco e de longe, quase não se podia ver
a bola.
Outra coisa que não ajudava a prática do esporte era a
quadra, aquele concreto grosso me dava medo, eu era daqueles guris que
nunca se machucava, nunca teve uma fratura, nunca havia se cortado,
então, eu não jogava bola nem por um decreto.
Meu asco com o futebol
chega ao ponto de eu não me lembrar de nada da copa de 1970, quando eu
estava no pátio do "Nossa Senhora" e me lembro de, neste mesmo ano, ter
assistido a novela "Irmãos Coragem" e vou mais além, me lembro de ter
visto a chegado do homem à lua, isso foi um ano antes.
Duas coisas
aconteceram, num espaço de seis meses, que mudaram a minha trajetória,
não fosse isso, o mundo jamais conheceria o professor Niltão, o
carismático técnico do Dínamo.
Quem já estava marcado para sair da
Casa da Infância e ir morar no Educa, fazia duas visitas à nova casa,
uma nas férias escolares e uma na festa da Liga, isso servia para que o
aluno tomasse um conhecimento do lugar que passaria a ser seu novo lar.
Na primeira visita, eu, o Josué Batata e o João Augusto descemos o
barranco do campão do Educa e ficamos admirando o gramado, nos
apaixonamos pelo espaço, sobretudo pela grama, entramos para pisar,
nesse momento acontecia uma partida, pensei:
_Nossa, dificilmente uma pessoa se machuca por aqui.
Bom, nós estávamos perto do escanteio, dentro do campo, um guri
loirinho que usava a camisa de goleiro, nos chamou de doidos, por
estarmos dentro de campo, no meio do jogo.
Saímos, passamos por trás
dele, a trave enorme estava forrada com a rede e, como ele ainda nos
olhava com arrogância, bati na rede esticada e disse:
_. Quando eu vier morar aqui, vou enfiar uma bola nessa sua rede, só para você deixar de ser besta.
E, isso eu fiz mesmo, mas aí, já é outra história.
E mesmo tendo me encantado e feito tal promessa, na Casa da Infância eu continuei na mesma.
Havia uma professora de Educação Física e eu, desgraçadamente, não me
lembro o nome dela, ela dava exercícios e corridas, depois disso, jogava
a bola para os meninos e saia, eu pegava um livro e me sentava.
No
último dia de aula, fizeram uma grande partida de despedida, São Paulo e
Cruzeiro iam jogar, eu no time do Cruzeiro, o último reserva, se alguém
quisesse sair eu entraria.
Todos os meninos, todas as moças, todas
as freiras e todos os funcionários estavam na torcida, eu nunca havia
visto a quadra tão lotada, gritaria sem fim e eu com o Conguinha
desamarrado, doido para que aquilo tudo se acabasse, nossa técnica era a
madre Brasil, ela pedia que eu prestasse atenção no jogo, a deles era a
madre Marcia.
1 a 1 no placar, fim de jogo e prorrogação, em
quadra, os dois melhores goleiros da Casa da Infância se antagonizam, o
Sebastião e o Valdir Lustosa estavam pegando até pensamento, a cada
defesa plástica do Valdir, o Sebastião fazia uma mais bonita e
vice-versa.
A torcida aclama os goleiros, acaba que fica do jeito que eles queriam, disputa de penalidades.
Se durante a partida toda foi difícil fazer gol, em cobrança de
pênaltis é que eles não iam deixar passar, o Valdir batias palmas, o
Sebastião esticava os braços e dobrava as pernas, com a torcida dentro
da quadra a gritar, os batedores amarelaram.
Bola no ângulo, eles
pegavam, bicuda, eles pegavam, os jogadores se acabando e eles pegando,
começaram a bater os reservas, tudo igual.
Vem os últimos reservas de cada time, o Vladimir foi à quadra pelo São Paulo, a madre Brasil me gritou:
_. Amarra o cadarço bebê.
Tive que empurrar o povo para me posicionar, o Vladimir era craque,
sentou o dedo, o Valdir foi buscar e caiu naquele chão grosso.
Pronto, se eu convertesse meu time levava o troféu, o Adilson gritou que
eu erraria dez vezes, se tentasse, o Sebastião chegou na frente da bola
e disse que ia pular na direita, enquanto ele falava, avistei a Tânia
atrás do gol, na rampa, fiz mesura para ela e ela sorriu com seus lábios
grossos e os olhos castanhos mais lindos do mundo, apontei para a bola e
para aquela deusa.
Ouvi o apito, levantei os dedos por dentro do
Conga apertado e dei a bicuda, no canto que ele pediu e ele se esticou, a
impressão que eu tive foi que ele pegou, porém, o povo gritou gol, por
trás do Sebastião a bola jazia quieta, o peso de uns vinte guris me
levou ao chão, me faltou o ar, só voltou quando a madre Brasil tirou
todo mundo de cima.
Dez anos depois dessa, encontrei o Sebastião na
praça das Bandeiras e ele me disse que, foi graças à ele, que eu havia
ingressado no mundo da bola.